Esta volta às aulas será diferente de todas as outras. Escolas do Brasil inteiro, que primeiro trancaram seus portões para barrar a pandemia e depois os abriram apenas parcialmente, instaurando um modelo híbrido entre a casa e salas de aula mais vazias, vão receber agora a turma completa (ou quase). As regras para que o vírus não se espalhe não fogem da cartilha martelada pela Organização Mundial da Saúde: máscara no rosto, álcool em gel na mochila e carteiras separadas umas das outras. Pois esse é só o começo. Quando a campainha soar inaugurando o novo semestre letivo, alunos enfrentarão o imenso desafio de retomar o hábito do estudo, castigado pela distância, e professores terão de lidar com as lacunas de aprendizado aprofundadas neste longo período de incertezas. Para uma parcela dos 47,1 milhões de crianças e adolescentes que retornam ao batente escolar depois de um ano e meio — em moldes próximos aos pré-pandêmicos — este é também um momento sensível sob o ângulo psicológico: há muita gente ansiosa e estressada pela turbulência, que precisará de um tempo para despressurizar.
A retomada das aulas in loco vem seguida de alívio por parte das famílias, que, se por um lado assistiram a um bem-vindo ganho de independência da garotada, de outro testemunharam a dificuldade de se concentrarem e embalarem em uma rotina de estudos em meio a tantas distrações em casa. Uma pesquisa encomendada ao Datafolha pela Fundação Lemann mostrou que, enquanto as escolas seguiram fechadas, 43% dos estudantes passaram o tempo na frente da TV e 37% se mantiveram grudados no videogame e nos joguinhos de celular. “Minha filha está sempre diante de uma tela e sinto que isso aumenta sua ansiedade”, ressalta a fotógrafa Carolina Fernandes, 42 anos, mãe de Marianna, 13, que não achou nada fácil preservar o foco a distância e penou com o isolamento social. A menina recém regressou à escola, que, a partir do dia 9, será 100% presencial. “Não via a turma junta há séculos. Estava morrendo de saudades”, desabafa Marianna, da Eleva, no Rio de Janeiro.
Acompanhando o que se vê mundo afora, a resolução de 25 dos 26 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, é incentivar ao máximo o ensino presencial — o que vale para a rede pública e a particular. Segundo levantamento do movimento Vozes da Educação, só Roraima permanecerá exclusivamente no modo remoto. Para acomodar todo mundo, normas que restringiam drasticamente a ocupação da classe estão sendo relaxadas, sem abandonar as recomendações da OMS: o 1,5 metro inicial de distância entre as carteiras, por exemplo, passou a 1 metro em várias cidades, aumentando a capacidade nos colégios. Outra medida é investir em mais instalações, como fez o Vértice, de São Paulo, que construiu uma sala de aula e ampliou duas. A Villa Global Education, em Salvador, chegou a erguer uma nova unidade no meio da pandemia adaptada ao tal novo normal, com espaços de boa ventilação e, sim, área suficiente para preservar o distanciamento. No pátio, desde 26 de julho ouve-se uma saudável barulheira. “Nos preparamos para acolher os alunos, e os pais, mesmo com a opção do ensino virtual, estão enviando maciçamente os filhos”, afirma Viviane Brito, CEO da escola baiana.
Os benefícios da experiência ao vivo e em cores são vastamente comprovados e desejáveis. Um deles é o convívio com os colegas e com o próprio professor, que traz uma dimensão diferente à aquisição do saber. “Basta uma conexão com a internet para se obter informação, mas para que ela se transforme em conhecimento é preciso da mediação de um mestre capacitado, da colaboração entre as pessoas e de um ambiente favorável”, explica a psicopedagoga Neide Noffs, professora de educação da PUC-SP. Muitos pais e crianças sentiram na pele a falta que um olho no olho faz. A publicitária Flávia Braz, 38 anos, percebeu o filho Rafael, de 6, agitado em plena fase de alfabetização. Ele mudou de escola às vésperas da pandemia e não teve sequer tempo de conhecer todos os colegas, que via pelo computador. O menino chegou a desenvolver tiques nervosos. “Eu não tenho dúvida de que a evolução dele vai ser maior com a volta ao colégio”, avalia Flávia, que como tantos outros pais enxerga vantagens para si mesma. “Vou conseguir focar no meu trabalho e ter mais qualidade de vida”, diz.
A escola que agora abre às portas foi transformada durante a pandemia — e avançou. A tecnologia, que garantiu a educação a distância em um momento tão crítico, somou à realidade acadêmica ferramentas digitais valiosas para o aluno. Elas não vão desaparecer, assim como seguirá firme a ideia de que o aprendizado é um processo constante, que se desenrola em qualquer hora e lugar. As plataformas virtuais continuarão no cenário, caso do Grupo Olimpo, presente em quatro estados, que vai manter no ambiente on-line um útil plantão de dúvidas e atividades extracurriculares. Como em outras escolas, o estudante que revelar facilidade em certa matéria poderá assistir à videoaula no lugar da lição presencial e empregar o tempo no colégio para acelerar nos exercícios ou tirar dúvidas, percorrendo assim uma trajetória mais personalizada. “Produzimos um gigantesco acervo de vídeos que ficará à disposição de alunos e professores”, conta Rodrigo Bernadelli, diretor-geral do Olimpo. E dessa maneira o mundo vai caminhando para o modelo híbrido, sem nunca deixar para trás a sala de aula física nem desperdiçar as chances de aprender remotamente. “O desenvolvimento da autonomia do aluno é um dos maiores desafios do nosso século”, frisa Maria Inês Fini, presidente da Associação Nacional de Educação Básica Híbrida.
Diversos estudos internacionais comprovam que a contaminação pelo novo coronavírus no ambiente escolar não tem sido um fator decisivo para a elevação do contágio. “O fechamento dos colégios como medida isolada não apresenta benefício no controle da pandemia, já o impacto na vida das crianças é enorme”, defende Florence Bauer, a representante do Unicef no Brasil. Em poucos cantos do planeta os portões passaram tanto tempo fechados — foram 53 semanas por aqui ante a média mundial de 22. Países como Alemanha, Dinamarca, França, Inglaterra e China retomaram o ensino presencial fazendo monitoramento permanente dos casos. Se há um surto localizado, a paralisação é pontual. Uma pesquisa conduzida pelo Insper deixa bem claro que a volta à sala de aula, tomadas as devidas precauções, é mais do que necessária: o conhecimento em matemática e português de alunos que concluíram o 2º ano do ensino fundamental ficou, na média, semelhante ao que tinham no início da série. A lição de casa coletiva é recuperar o tempo perdido.
Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749