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Pressões políticas criam clima de alta tensão nos bastidores do Enem

Nos bastidores, exame é afetado por atrasos e reiteradas tentativas de adotar uma bússola em sintonia com a ideologia do governo

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 13h23 - Publicado em 7 nov 2021, 08h00
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  • Depois de uma montanha-russa cheia de declives — alguns impostos pela pandemia, outros por costuras que transcorreram nos gabinetes de Brasília —, finalmente a primeira leva de alunos fará o Enem, principal passaporte de ingresso para as universidades públicas e privadas do país, em 21 e 28 de novembro. Um segundo grupo percorrerá o mais duro rito da vida estudantil um pouco adiante, em janeiro. Desde o princípio da série histórica, lá se vão dezesseis anos, nunca o número de inscritos na largada foi tão minguado, ao redor de 3 milhões — um terço do recorde cravado em 2014.

    O baixo quórum, segundo assessores do Ministério da Educação que acompanham vigilantes a grandiosa logística, não é obra do acaso. Os jovens que haviam solicitado em 2020 isenção da taxa de inscrição em pleno pico do novo coronavírus e por razões óbvias não compareceram ao teste acabaram, como penalidade, barrados da atual edição — posição que seria revista, embora tardiamente, após o STF obrigar o MEC a arranjar um jeito de acolher os que estavam de fora. “Reduzir o contingente do Enem foi um gesto calculado pelo ministro Milton Ribeiro”, afirma um alto servidor que observou o desenrolar do processo. “O MEC não teria condições de aplicar uma única prova para tanta gente ao mesmo tempo e, por isso, limitou a quantidade de candidatos.”

    MENOS É MAIS - O ministro Ribeiro: empenho para baixar o número de inscritos -
    MENOS É MAIS - O ministro Ribeiro: empenho para baixar o número de inscritos – (Catarina Chaves/MEC/.)

    A manobra que resultou na avaliação em duas etapas, algo inédito, é apenas a ponta de um enredo que, nos bastidores, inclui atrasos em todos os níveis, incerteza sobre quantos braços estarão a postos para supervisionar o exame e reiteradas tentativas de adotar uma bússola de viés político para guiar a prova de natureza acadêmica. A princípio, pairava na sala do economista Danilo Dupas, presidente do Inep, o órgão do MEC no comando do Enem, uma lista de 32 nomes de perfil técnico que teriam acesso irrestrito à chamada “sala segura” — local cercado de protocolos onde os itens do teste são elaborados. Deu-se, então, o inesperado: Dupas enviou mensagem por WhatsApp a seus subordinados informando que havia riscado oito nomes do rol, entre eles o autor de um estudo que sustentava a eficácia de uma política educacional da era PT e um sujeito cujo crime era ser homônimo de um quadro fluminense do PSOL. No lugar dos banidos, figuravam educadores de cunho bolsonarista, que no final não vingaram.

    O encadeamento dos fatos reforça a ideia de que o Enem despertou interesses alheios a seu propósito original, de peneirar a garotada para o ensino superior. Em 2 de setembro, profissionais dedicados à confecção do exame espantaram-se com a chegada às dependências do Inep de um policial federal que exibia autorização, assinada por um diretor da autarquia, para entrar na sala segura. Uma vez dentro do ambiente restrito, o policial pôs-se a lançar perguntas sobre a prova, ainda que ela não estivesse à mesa. “Nos sentimos pressionados, espionados, nunca tinha ocorrido nada igual”, relata uma testemunha da insólita cena.

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    MÃOS DE TESOURA - Dupas, do Inep: nomes cortados por falta de afinidade -
    MÃOS DE TESOURA - Dupas, do Inep: nomes cortados por falta de afinidade – (Luis Fortes/MEC/.)

    Até agora, Dupas não viu o exame, ao menos oficialmente, apesar de o cargo lhe garantir esse direito, do qual seus pares desfrutaram no passado. Pessoas próximas garantem que ele quer se “preservar” no caso de as questões desagradarem ao presidente Jair Bolsonaro — o que não seria, aliás, a primeira vez. Nos dois últimos exames, Bolsonaro ventilou em alto e bom som aquelas perguntas que, segundo ele, continham algum matiz da ideologia que sua turma conservadora combate. “Danilo nem sequer assina os documentos relativos ao Enem para não se comprometer, precavendo-se assim do cenário em que o exame venha a irritar o Planalto”, sublinha outro servidor. Há sinais de que a filtragem ideológica, sobretudo na área de humanas, vem ocorrendo desde o começo do governo. Em 2019, de acordo com um relatório ao qual VEJA teve acesso, uma comissão externa criada para supervisionar as questões retirou 68 itens da prova. Alegava, entre outros motivos, que eles poderiam “gerar polêmicas desnecessárias” ou impor “uma visão direcionada da história”.

    O clima de alta tensão no Inep tem contaminado outras áreas além do Enem. A estratégica diretoria de Tecnologia, por exemplo, está vaga desde 14 de outubro. Os censos da Educação Básica e Superior, essenciais para ditar os rumos para o ensino e planejar a distribuição de verbas a estados e municípios, já registram atraso de sete meses. “Funcionários experientes estão alarmados com o descaso e o desmonte no Inep, que sempre primou pela excelência técnica”, observa Alexandre Retamal, presidente da associação dos servidores. Procurado por VEJA, o Inep não se pronunciou. Enquanto o solo treme na Esplanada, milhões de estudantes duelam para virar uma página decisiva de sua trajetória estudantil. Isso, sim, é o que importa. E a educação sai perdendo. É triste.

    Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763

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