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De Melim a Anavitória, pop fofinho é antídoto ao baixo astral da pandemia

Uma fornada de novos artistas bem-comportados amplia sua popularidade ao apostar em mensagens positivas e melodias fofinhas

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h31 - Publicado em 22 Maio 2020, 06h00

Sentados em um sofá no estúdio da histórica torre da Capitol Records, em Los Angeles, em março deste ano, os irmãos gêmeos Rodrigo e Diogo, 27 anos, e a caçula Gabriela, 25, escutam a voz do ídolo John Mayer sair dos alto-falantes, captada naquela mesma sala alguns anos atrás. Quando chega a vez de os integrantes do trio Melim gravarem a própria voz, outra surpresa: o microfone foi usado por Frank Sinatra. “Será que um dia seremos tão famosos quanto eles?”, diz Rodrigo. O sonho americano durou pouco para os brasileiros de Niterói: pegos de surpresa pela explosão da pandemia, eles foram obrigados a antecipar a volta para o Brasil. Mas o sol da Califórnia e a alegria de estarem em um lugar tão emblemático não se perderam, e transparecem nas oito faixas do EP Eu Feat. Você, gravado por lá e lançado neste mês em meio ao caos causado pelo coronavírus.

A obra registrada no estúdio americano é o ápice da carreira do trio fluminense, que ganhou notoriedade nacional em 2016, ao chegar na semifinal no reality show Superstar, da Globo, popularizando os hits Meu Abrigo e Ouvi Dizer. Hoje, os irmãos estão entre os principais representantes de um novo movimento da música brasileira, que se poderia chamar de pop “good vibes” — ou das boas vibrações, feito de melodias suaves e sem mensagens negativas. Artistas como Vitor Kley, Kell Smith, Anavitória, Lagum, Ana Vilela, Ana Gabriela, Gabriel Elias e Outroeu engrossam essa turma, que tem como inspiração maior o ermitão e outrora hitmaker Tiago Iorc — que adotou o isolamento pessoal bem antes do vírus, alegando estar cansado do exibicionismo e da fama. “Falar de positividade é uma coisa que está muito alinhada com o nosso propósito”, diz Rodrigo Melim.

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CALIFORNIA DREAM – Os irmãos Melim: em Los Angeles para gravar novo disco, o trio voltou mais cedo para o Brasil após a explosão da pandemia (./Divulgação)

Com melodias alegres e fáceis de assobiar, o pop das boas vibrações protagoniza neste momento um fenômeno curioso, embora previsível. As execuções aumentaram cerca de 20% nos serviços de streaming no último mês. Na Deezer, as audições do Melim cresceram 14,86%. A maior procura também atinge Anavitória (19,96%), Iorc (7,99%) e Ana Vilela (15,82%). O motivo? As mensagens felizes que eles cantam se mostram um antídoto aos tempos sombrios de coronavírus, fornecendo a trilha sonora escapista para o distanciamento social. Além de ajudar um público de classe média na casa dos 20 aos 30 anos a esquecer as agruras da hora, a música fofinha está na contramão de ritmos que naturalmente evocam bebedeiras, bares, megashows e baladas, como o funk, o sertanejo, o rock e a música eletrônica.

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Recluso desde 2018, Iorc é apontado por todos como precursor dessa corrente. Ele apadrinhou o duo Anavitória, descoberto pelo empresário Felipe Simas. No ano passado, em rara aparição, ele lançou Reconstrução, um álbum de inéditas com treze faixas. Todas elas entraram na lista das 50 mais tocadas do Spotify, batendo recordes no serviço de streaming. Na mesma linha está o surfista Vitor Kley, 25, empresariado por Rick Bonadio e apadrinhado pelo cantor de reggae Armandinho. São de Kley os versos que viraram oração na quarentena — “Ô sol, vê se enriquece a minha melanina / Só você me faz sorrir” —, já cantados por ele em festivais como Lollapalooza e na trilha da novela Espelho da Vida, da Globo. Quem também já esteve sob o guarda-chuva de Bonadio é a paulistana Kell Smith — que, na terna Era Uma Vez, com 270 milhões de visualizações no YouTube, diz que um “joelho ralado dói bem menos que um coração partido”. De Minas Gerais vem a banda Lagum, formada em 2014 e que gravou com a cantora e youtuber Ana Gabriela um dos hinos da nova onda, Deixa, em que se repete, entre palmas e assobios: “Deixa eu tentar cuidar de você / Que eu deixo pra amanhã o que tenho pra fazer”.

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ERMITÃO - Tiago Iorc: hoje longe dos holofotes, o cantor é apontado como um dos precursores do novo movimento pop good vibes (instagram @tiagoiorc/.)

Afastar a tristeza é uma preocupação constante do duo Anavitória, que lançou recentemente Me Conta da Tua Janela. Na canção, inspirada pela quarentena, elas entoam: “Me diz que o mundo não vai acabar / Eu fiz essa canção, amigo / Pro mundo inteiro se curar”. “Às vezes, a gente procura um lugar para fugir e ouvimos algo para ficarmos bem”, diz Vitória. “É muito poderoso. A música potencializa nossos sentimentos”, completa Ana. Por causa do vírus, as duas parceiras voltaram a morar juntas.

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Cantar só coisas boas e positivas não é algo novo na música brasileira: remonta, ao menos, à bossa nova. A raiz dessa nova MPB, no entanto, pode ser traçada no início dos anos 1990, tendo como inspiração os hits praianos de Lulu Santos (que faz participação na faixa Cabelo de Anjo, do Melim), somados ao otimismo de Nando Reis (homenageado por Anavitória no álbum de covers N) e à inocência de Sandy & Junior. O resultado da mistura é aquela musiquinha ingênua, um tanto sonolenta, mas boa para tocar no violão com os amigos num luau (quando for possível voltar à praia) ou para ouvir despretensiosamente em casa.

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INSPIRAÇÃO – Anavitória: o duo compôs canção com letra positiva para enfrentar a quarentena (Victor Affaro/.)

Longe de ser algo passageiro, o pop good vibes está fazendo escola. Também empresariada por Bonadio, a estreante Vicka, 24, mudou-­se para São Paulo e estava prestes a estrear no mercado quando veio a pandemia. Voltou para Cascavel (PR), sua terra natal, e compôs Pausa: “No fim tudo volta ao seu lugar / Talvez seja hora pra pensar / Nem tudo se pode controlar”. “Me identifico com esse movimento. As pessoas estão interessadas em música com conteúdo. A arte é um refúgio”, diz ela. Que coisa mais doce é essa jovem MPB.

Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688

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