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O fim de uma grande aventura

A série animada 'Hora de Aventura' chega ao fim e se consagra como um sucesso do gênero entre adultos e crianças

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 24 set 2018, 10h50 - Publicado em 23 set 2018, 08h00

Era uma vez um cachorro e seu humano — sim, o garoto é quem foi adotado pela família canina – que partem em uma jornada para resgatar uma princesa cor-de-rosa feita de chiclete das garras de um rei louco. Tudo se passa em um planeta Terra pós-apocalíptico no qual convivem uma vampira-guitarrista, um videogame falante e uma nuvem roxa com voz masculina que também se intitula princesa. Isto só para começar a elencar a longa lista de criaturas e eventos que parecem ter saído de uma viagem alucinógena e recheiam as oito temporadas da série animada americana Hora de Aventura, sucesso do Cartoon Network cujo último episódio vai ao ar no Brasil neste domingo, às 21h.

À primeira vista, a fórmula não se distancia da de outros produtos do canal, marcado por sucessos igualmente surrealistas como As Meninas Superpoderosas, A Vaca e o Frango, e A Mansão Foster Para Amigos Imaginários. Um dado relevante do Ibope, entretanto, destaca a série que agora chega ao fim do restante da grade: em janeiro deste ano, Hora de Aventura foi o programa mais assistido do canal entre todas as faixas etárias na TV paga. Ou seja: os bizarros acontecimentos da Terra de Ooo (o que sobrou do nosso mundo depois de um conflito nuclear batizado de Guerra dos Cogumelos) conseguem captar a atenção tanto do público infantil quanto do adulto.

Para os críticos, os fãs e os próprios criadores, a razão para a popularidade do desenho é simples: apesar do enredo absolutamente fantasioso, Hora de Aventura trata de emoções experimentadas por gente grande. O que não falta no YouTube são vídeos que se propõem a esmiuçar episódios que tratariam, na verdade, mesmo que subliminarmente, de questões complexas como depressão, suicídio, espiritualidade e reencarnação. Exagero? Talvez um pouco. “Nunca foi a nossa intenção falar especificamente sobre depressão ou espiritualidade. É até perigoso abordar qualquer uma destas questões em um desenho de 11 minutos”, explica o produtor Adam Muto em entrevista a VEJA. O criador Rob Sorcher, porém, não nega que a série tenha flertado com temas difíceis. “Vivemos em um mundo cheio de complexidade. Por que isso não pode ser mostrado em um programa para crianças? Para escrever personagens críveis, você naturalmente entra nos assuntos com os quais as pessoas estão lidando. Nosso programa não foge de nada”, avalia.

O que não se pode negar a respeito de Hora de Aventura é que todos os personagens, por mais secundários ou esquisitos que sejam, possuem histórias próprias e sofrem mudanças relevantes ao longo das temporadas. Vide as experiências absolutamente corriqueiras e transformadoras pelas quais passa o jovem Finn, o único humano do qual se tem notícia no começo da série, sobrevivente do massacre que devastou o planeta Terra, adotado pela família do cachorro Jake. Finn passa da infância à fase adulta sem esquivar-se de nenhum dos percalços do amadurecimento: apaixona-se e não é correspondido, tem crises de ciúme, raiva e frustração. Em certo ponto da história, chega a descobrir que foi deliberadamente abandonado pelo pai, a quem é forçado a perdoar.

Problemas familiares, inclusive, são uma constante nas diversas tramas da série. Mais do que os eventuais confrontos com toda a sorte de criaturas monstruosas, lidar com negligência, ausência, ou mesmo os defeitos de figuras paternas estão entre os maiores desafios que os protagonistas devem encarar, cada um a seu tempo. Além das surpresas reveladas durante a busca pelos pais de Finn, descobre-se, por exemplo, que o Rei Gelado, um dos maiores vilões da série, era, na realidade, um homem normal que enlouqueceu graças aos poderes mágicos da coroa que usava para proteger a pequena vampira Marceline, a quem amava como uma filha, na Guerra dos Cogumelos.

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Apegar-se aos vilões, aliás, não é muito difícil, dado que o conflito entre o bem e o mal não é apresentado de modo dualista. Na maioria das vezes, a origem de criaturas ou ações consideradas maléficas são as próprias decisões bem intencionadas dos mocinhos, como ocorre no episódio sobre o Conde de Limãograb, um monstro antropofágico com cabeça de limão nascido de um experimento malsucedido da dócil Princesa Jujuba. Em certo ponto da história, ele chega a culpá-la por sua angustiante existência, forçando a princesa-cientista a se conscientizar de sua responsabilidade de ajudá-lo, em vez de simplesmente destruí-lo.

Aliás, o passado nunca explicitado da Princesa Jujuba com a vampirinha Marceline está entre os destaques que conferem à série o selo da diversidade, almejado por qualquer animação moderna de sucesso. A ideia é reforçada pela presença de personagens como a egocêntrica Princesa Caroço, a nuvem roxa de voz masculina ressentida com o trono renegado, e o videogame BMO, que ora se apresenta como “ele”, ora como “ela”. Mas o romance entre as duas protagonistas foi o que mais atiçou a curiosidade – e as expectativas – dos fãs desde o começo. Hoje – atenção, spoiler — já se sabe que o grand finale, veiculado nos Estados Unidos, apresentou o esperado beijo lésbico, possibilidade outrora rechaçada pelos produtores por causa das leis de censura em alguns dos 90 países onde o desenho é exibido. No Brasil, o canal garante que a cena irá ao ar na íntegra. A ver a repercussão.

Cabe ressaltar, por fim, que, apesar do esperado final feliz de Jujuba e Marceline, o último episódio deixa muitas questões abertas, “à mercê da imaginação do espectador”, segundo os próprios criadores. “Optamos por não resolver todos os problemas porque a vida é assim mesmo. Você não tem respostas conclusivas para tudo”, explica Muto, fiel aos (poucos) preceitos realistas da série que – mais um spoiler – terminou com um singelo “e eles continuaram vivendo suas vidas”. Um “felizes para sempre” para gente grande. 

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