“O mundo precisa de festa”, diz Carol Sampaio
A promoter e empresária que embala a noite carioca conta como toca (por ora) a vida sem badalação
Eu tinha uma rotina insana. Acordava sempre correndo e engatava uma reunião depois da outra. Por mês, cuidava da produção de pelo menos vinte eventos, quase um por dia. Virava umas quatro noites por semana, pela natureza do meu trabalho. Os meses pré-pandemia estavam especialmente intensos: cuidei de onze áreas vip do Rock in Rio, organizei festas de aniversário, casamentos e ainda o camarote da Marquês de Sapucaí sob meu comando. Aí, de repente, veio o isolamento social e mudou completamente meu planejamento e minha lógica. Cancelei tudo o que estava programado, inclusive a comemoração do meu próprio aniversário, no Copacabana Palace, que seria em um sábado anterior ao decreto da quarentena. Tinha convidado 2 500 pessoas e chamei amigos, como Preta Gil, Ludmilla e as bandas Eva e Jota Quest, para se apresentarem. Àquela altura, as aglomerações ainda eram permitidas, mas achei que não cabia fazer uma festa com um vírus à solta. E a ficha caiu. Minha agenda de eventos estava lotada até o fim do ano. Pensei: vivo de reunir pessoas, como vai ser daqui para a frente?
Você procura fazer planos, encontrar respostas no cenário incerto, mas vai entendendo que elas não virão de imediato e é preciso conviver com essa ideia. E começa a se reinventar. Muitos amigos chegaram a ligar preocupados: como uma pessoa elétrica e sempre cercada de gente iria passar este período sozinha, no silêncio de casa, sem música, sem brinde, com zero de badalação? Aos 38 anos, trabalho na noite há vinte e não tirava férias fazia dez. No máximo, dava uma escapulida de três dias aqui, outra ali. Ao me isolar, acabei percebendo que vivia no automático, que estava precisando desta parada. Com ela, estou experimentando uma rotina que nem sabia mais que poderia existir.
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Clique e AssineEmbalei em uma vida caseira. Durante estas semanas, tenho ido dormir antes da meia-noite, o que é extremamente cedo para mim. Acordo a hora que quero, com calma. Olha que luxo: voltei a ter tempo para a ioga e a meditação. Não é só tempo, é também concentração, paz de espírito. Eu me dei o direito de passar um dia inteiro de pijama, só lendo, vendo filmes, séries e comendo pipoca. As tacinhas de champanhe e os drinques, que eu tomava nas festas socialmente, deram lugar a um dia a dia sem álcool. Quando bate a vontade, fico no máximo em uma taça de vinho. De negação na cozinha, daquelas que não sabem nem quebrar um ovo, posso dizer que aprendi a me virar com omeletes, bolos e até ensaiei um macarrão com camarões. Em três meses, aconteceu algo impensável para quem vive na noite: só me maquiei uma vez. Foi quando participei on-line de uma edição especial do Baile da Favorita, no canal Multishow. De resto, dei os parabéns aos meus amigos Thaila Ayala e João Vicente via aplicativo, e só. Não embarquei na onda das lives. Não quero passar corretivo e por enquanto também me libertei do secador de cabelo.
Ainda que hoje minha área esteja parada, não tenho dúvida de que as festas vão continuar, porque é da essência humana celebrar. Em um primeiro momento, a tendência é que as comemorações aconteçam ao ar livre, com bastante espaço e, claro, muita máscara e álcool em gel. Pode haver medição de temperatura e até testes rápidos na porta. Sobreviver nesse setor exigirá criatividade. Tenho me reunido, virtualmente, com parceiros e patrocinadores para traçar projetos e inventar novos estilos de festa. O grande desafio será montar uma estrutura que junte pessoas, possa ter shows e plateia e, ao mesmo tempo, preserve o distanciamento. Vamos ter de aprender a combinar medidas de segurança à saúde com diversão, música, alegria e amigos em volta. Afinal, o mundo precisa de festa.
Depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692