50 anos depois
Disputa pela exploração do cosmo move potências espaciais
Em janeiro de 2019, a China se tornou o primeiro país a aterrissar uma sonda no polo sul da Lua, despertando reações quase que imediatas na política espacial mundial, principalmente dos Estados Unidos. Com o interesse cada vez maior de outras potências – Rússia, Índia e Japão – em explorar o cosmos, na Terra inicia-se uma nova corrida espacial.
Nos últimos 50 anos, o mundo viveu na era da Apollo 11, a missão americana que levou os primeiros homens ao satélite da Terra e que completa meio século neste sábado, 20. Mas, desde que Pequim chegou ao lado da Lua em que nenhum outro ser humano havia pisado, o jogo virou.
Em resposta à conquista do país asiático, o governo americano definiu em março deste ano os novos rumos de sua política no espaço e deixou claro que não pretende deixar o caminho livre para chineses ou russos. “Não se enganem, estamos em uma corrida espacial hoje, assim como estávamos na década de 1960, e os riscos agora são ainda maiores”, disse o vice-presidente Mike Pence, em referência à batalha travada entre a União Soviética (URSS) e os Estados Unidos durante os anos da Guerra Fria.
“A China se tornou a primeira nação a aterrissar no polo sul da Lua e revelou sua ambição de conquistar o terreno estratégico lunar e se tornar a nação espacial mais proeminente do mundo”, alertou Pence. “E a Rússia tem cobrado dos Estados Unidos mais de 80 milhões de dólares por assento toda vez que um astronauta americano viaja para a Estação Espacial Internacional (ISS)”, indignou-se.
Os americanos aposentaram sua frota de ônibus espaciais em 2011 e, atualmente, a única espaçonave ativa capaz de transportar astronautas para a ISS é a russa Soyuz, inaugurada em 1967.
Pence é o responsável na Casa Branca pela política espacial e colocou como meta para seu país levar novamente astronautas americanos à Lua até 2024. Em seu programa Artemis, a Nasa também pretende estabelecer uma base no satélite natural da Terra por volta de 2028.
Apesar da largada tardia na corrida pelo espaço e dos altos investimentos feitos pelos Estados Unidos em seus programas, os chineses parecem estar liderando a nova maratona. O país realizou mais lançamentos para o espaço do que qualquer outra nação em 2018.
A missão Chang’e 4 chegou ao polo sul lunar e abriu os olhos do mundo para a ambição chinesa de se tornar a maior potência espacial. Até agora, Pequim não deu indicações de que pretenda desacelerar. A expedição Chang’e 5 para a Lua já está programada para acontecer até o final de 2019, com planos de colher amostras que auxiliarão seus futuros projetos de estabelecer uma presença permanente na superfície lunar.
Além de levar homens para o satélite onde só os americanos pisaram, a Administração Espacial Nacional da China (CNSA) tem planos cada vez mais concretos de explorar economicamente o espaço por meio da mineração, da geração de energia solar em estações na órbita da Terra e da modernização de seus equipamentos militares. O cronograma traçado prevê ainda o estabelecimento de uma base de pesquisa no polo sul da Lua nos próximos dez anos e o envio a Marte de duas sondas até 2030 para determinar a existência de água congelada e realizar pesquisas.
Há mais de 17 anos, em 2002, o cientista-chefe do programa lunar chinês, Ouyang Ziyuan, comprovou o interesse de seu país na geração de energia e recursos por meio da exploração lunar. “Quem conquistar primeiro a Lua se beneficiará primeiro”, disse Ouyang.
Outros competidores
China, Estados Unidos e Rússia não são os únicos nessa corrida. União Europeia (UE), Índia, Japão, Coreia do Sul e Israel também têm grandes interesses no desenvolvimento de tecnologia espacial e em se beneficiar do que a Lua pode oferecer aos seres humanos.
Para além de Estados, a corrida no século XXI se tornou ainda mais competitiva com a entrada de companhias privadas no páreo. Elon Musk, fundador da Space X, afirmou que pode aterrissar na Lua em até dois anos e, em 2030, quer construir uma cidade que possa abrigar até 1 milhão de pessoas.
Para John Logsdon, professor emérito e fundador do Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington, a complexidade do cenário atual é um dos principais fatores que diferenciam as novas ambições da corrida espacial que se iniciou há mais de 60 anos entre americanos e soviéticos e que levou aos primeiros passos de Neil Armstrong na Lua, em 1969.
“A URSS definiu suas conquistas espaciais como uma indicação de sua superioridade, e os americanos responderam a esse desafio”, diz o historiador. “Hoje, não é tão claramente competitivo como antes, quando havia um objetivo incontestável de chegar à Lua primeiro e dois polos brigando por ele”.
Atualmente, os Estados Unidos ainda cultivam relações instáveis e cheias de velhas divergências com a Rússia, acentuadas após a anexação da Chttps://beta-develop.veja.abril.com.br/noticias-sobre/china/rimeia por Moscou e as denúncias de interferência de Moscou na eleição presidencial americana de 2016. Washington também se envolveu em uma guerra comercial com Pequim e restringiu os negócios da gigante Huawei. Ao mesmo tempo, China e Índia conservam uma complexa agenda bilateral, com disputas territoriais e provocações no passado e convergências mais recentes no plano econômico.
As rivalidades bilaterais e globais manifestam-se também por meio de uma nova corrida espacial, mas não de maneira tão contundente como durante a Guerra Fria. “Atualmente, há mais do que uma competição entre alguns Estados. Há uma enorme aceleração de toda atividade humana no espaço, que é multissetorial”, diz Christopher Newman, professor de política e direito espacial da Universidade de Northumbria, na Inglaterra.
Para Logsdon, apesar das ambições econômicas e geopolíticas de muitas nações, apenas os americanos e os chineses têm os recursos humanos e financeiros necessários para grandes projetos espaciais.