Políticas segregacionistas pelo mundo
Ao mesmo tempo em que os sul-africanos travam batalha para consolidar democracia, nações pelo mundo impõem regimes cruéis contra minorias étnicas
Os sul-africanos comemoram neste sábado, 27, os 25 anos do fim do apartheid em seu país. Apesar do marco significativo, regimes segregacionistas semelhantes ao que vigorou na África do Sul por mais de 45 anos ainda castigam etnias e povos minoritários pelo mundo.
A discriminação contra a população negra imposta pelo governo branco sul-africano em 1948 foi legitimada por leis que instituíram desde a proibição do casamento inter-racial até a definição de áreas específicas das cidades que não poderiam ser frequentadas pelos negros.
Ainda hoje, nações como Israel, Mianmar e Síria se valem da mesma tática para reprimir povos que são vítimas de preconceito por sua etnia, religião ou passado histórico. VEJA identificou alguns desses regimes, onde a segregação se tornou institucionalizada e é apoiada pelos mais variados tipos de legislações hostis.
Para além dos países citados, em diversas partes do mundo existem povos perseguidos por sua religião, etnia ou cor da pele. Nem todos os casos, contudo, constituem discriminações institucionalizadas apoiadas e legitimadas pelo Estado.
É o que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, cujos estados do sul implementaram políticas de segregação racial no início do século XIX e ainda hoje guardam profundos traços racistas. A diferenciação racial no país, contudo, é combatida com força por órgãos do governo federal e instituições privadas atualmente e não tem apoio do Executivo.
No Brasil, onde 54% da população se autodeclara negra, também há marcantes indícios de racismo e de desigualdade, arraigados como heranças do longínquo período escravista. A realidade não é, contudo, produto de um regime segregacionista, como o apartheid, imposto pelo Estado e amparado nas leis.
Em Israel, Mianmar, Síria, China, Quênia e Libéria, por outro lado, há marcas que nos permitem traçar um paralelo com o regime sul-africano. Para os árabes que vivem em territórios israelenses, por exemplo, as políticas do governo de Benjamin Netanyahu impedem a essa população ter acesso igualitário a universidades e a cargos de liderança no mercado de trabalho.
O sistema de controle também inclui a separação de rodovias e as desigualdades no acesso à infraestrutura e à propriedade da terra entre judeus e palestinos inclusive nos territórios ocupados por Israel. No país, vigora uma norma há 66 anos que permite a árabes, judeus ultra-ortodoxos, sionistas e judeus seculares manterem sistemas escolares separados.
Na prática, isso significa que crianças dos diferentes grupos raramente convivem umas com as outras e que o ensino não é igualitário para todos. Os árabes, contudo, são os mais prejudicados pelo sistema, já que as escolas nos bairros muçulmanos normalmente têm pior infraestrutura.
A forma como Israel trata a população palestina, com a qual divide seu território, também é alvo de muitas críticas. Em 2017, a Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório acusando o país de impor um “regime de apartheid” contra o grupo.
Em janeiro deste ano, uma rodovia construída na região da Cisjordânia foi apelidada de “Estrada do Apartheid”, pois é dividida no meio por um muro de oito metros de altura. Seu lado oeste serve aos palestinos, que não podem entrar em Jerusalém, enquanto o lado leste da estrada atende aos colonos israelenses, que podem circular livremente pelo país.
Na área são aplicadas políticas de moradia e sistemas de abastecimento de água distintos para os dois povos. A violência contra manifestantes palestinos, que desde o início da Marcha do Retorno, em março de 2018, matou mais de 240 pessoas na Faixa de Gaza, também é vista com maus olhos pela comunidade internacional.
Ao mesmo tempo, na Síria, os curdos nascidos no país não tem direitos de cidadãos. A população curda sofre marginalização e opressão pelo regime de Bashar Assad, enquanto reivindica o reconhecimento de seus direitos.
Por décadas, eles foram desautorizados a usar sua própria língua oficialmente, de celebrar suas festividades e de vestir roupas tradicionais. As políticas do governo sírio foram elaboradas com o objetivo claro de suprimir a identidade étnica do povo curdo.
Atualmente, o povo integra o chamado Exército curdo, também conhecido como Peshmerga, que lutou na linha de frente contra o grupo terrorista Estado Islâmico no norte da Síria e no Iraque. Mal armados e sem equipamentos apropriados, recuperaram alguns territórios, mas ao mesmo tempo sofreram muitas baixas. O movimento separatista curdo também é reprimido com bastante violência, sobretudo no Iraque e na Turquia.
Os curdos yázidi sofrem perseguição ainda mais intensa do Estado Islâmico. A população antiga, que habita principalmente o Iraque, é considerada apóstata pelos fanáticos terroristas porque a sua religião é resultado do sincretismo e nascida de contato com diferentes doutrinas, incluindo a cristã e a islâmica.
Trabalho forçado
Em Mianmar, o drama dos rohingyas também chama a atenção de todo o mundo. Por serem considerados estrangeiros, há décadas o grupo de confissão muçulmana vem sendo discriminado pelas autoridades birmanesas. Seus direitos foram paulatinamente extirpados, e as perseguições, incitadas por monges budistas radicais, tornaram-se cada vez mais frequentes e violentas.
Atualmente, os rohingyas no país não podem casar, ter filhos, estudar, sair da cidade onde moram ou utilizar hospitais e transportes públicos sem autorizações especiais, que raramente são obtidas sem suborno, extorsão ou trabalhos degradantes. Os homens da etnia são também forçados a realizar trabalhos forçados ao longo de um mês por ano em diversas regiões do país.
Bangladesh acomoda hoje mais de 700.000 rohingyas, do total de 1 milhão que vivia no norte do Estado de Rakhine, em Mianmar, até meados de 2017. A onda de violência na região desencadeou um massacre sem precedentes.
Durante semanas, tropas militares e grupos de civis armados, recrutados entre a metade budista do estado, mataram milhares de rohingyas a tiros, facadas e em fogueiras, estupraram mulheres, espancaram crianças e incendiaram vilarejos. Não há contagem segura de vítimas – a organização não-governamental Médicos sem Fronteira calcula em quase 7.000.
Na China, os conflitos na região autônoma de Xinjiang são os mais novos episódios de uma longa história de discórdia entre o governo central da China e a minoria uigur.
A ONU acusou o governo chinês de tratar os uigures e outros muçulmanos como “inimigos do Estado” por causa de sua identidade étnica e religiosa. Em agosto do ano passado, o organismo denunciou a “detenção arbitrária e maciça de quase 1 milhão de uigures.”
Os chineses dizem que as prisões são uma forma de combate ao extremismo religioso. O Congresso Mundial Uigur, organização internacional que reúne uigures exilados diz que a alimentação é precária nos campos de trabalho forçado locais e que há muitos relatos de tortura.
A perseguição histórica contra os budistas tibetanos também é realidade na China. Além de proibir a livre manifestação religiosa e a liberdade de expressão e protesto, Pequim é acusada de impedir o acesso à educação, de conduzir prisões arbitrárias e de praticar tortura contra esse povo.
Não existem normas em Israel para segregações de nenhum tipo. Temos, inclusive, uma lei que não permite segregação entre estudantes: “Artigo 5A da Lei do Direito do Estudante, de 2000:
‘Não discriminar estudantes por grupo étnico, país de origem, poder sócio-econômico, identificação ou orientação sexual ou por visões políticas da criança ou de seus pais em nenhuma das seguintes:
1. Registro, aceitação ou expulsão
2. Estabelecer currículos e aprovações acadêmicas diferentes na mesma instituição educacional
3. A existência de salas separadas na mesma instituição’
Além disso, a Suprema Corte Israelense decidiu, no caso Kaadan, de número 6698/95, que a alocação desigual é uma política de discriminação, e foi proibida. Este veredicto citou e foi baseado no conceito da famosa decisão da Suprema Corte Americana no caso do Brown Contra o Conselho de Educação que proibiu a segregação entre negros e brancos nas escolas dos Estados Unidos.
Existem, ainda, outras inconsistências na reportagem, frutos de uma pesquisa incompleta. Seguem:
1. Não existem palestinos morando em Israel. No País, vivem judeus, árabes muçulmanos, árabes cristãos, drusos, circassianos, beduínos e estrangeiros, entre outros grupos étnicos e religiosos. Israel é uma democracia liberal onde todos os cidadãos israelenses disfrutam dos mesmos direitos.
2. Sobre a parte em que a reportagem cita a sociedade israelense: sionismo não é uma parte da sociedade e, sim, um conceito: “movimento internacional judeu que resultou na formação do Estado de Israel em maio de 1948 e em sua posterior evolução”.
3. Árabes israelenses e judeus israelenses têm o mesmo acesso às universidades do País – na Universidade de Haifa, por exemplo, eles são 41% dos estudantes quando, na sociedade, somam em torno de 20%. E também ocupam cargos no setor privado e no público, inclusive no Knesset (Parlamento Israelense), onde possuem representação partidária.
4. Finalmente, não sabemos onde a jornalista encontrou tal informação, mas não existe diferença em políticas públicas habitacionais e abastecimento de água no território israelense.