Série de J.K. Rowling soma cifras milionárias e prova que bruxinho se consagrou como clássico da literatura e do cinema, como a Alice de Lewis Carroll
Há vinte anos, mais precisamente no dia 26 de junho de 1997, algumas livrarias do Reino Unido recebiam o primeiro livro de uma autora desconhecida. Obscura a ponto de usar iniciais para abreviar Joanne Kathleen, seus dois primeiros nomes, e assim ocultar que se tratava de uma mulher. Na época, o mercado literário se baseava em um suposto preconceito de adolescentes contra escritoras. O título, Harry Potter e A Pedra Filosofal, teve uma modesta tiragem inicial de 500 exemplares, bancada pela Bloomsbury. Antes de a editora britânica aceitar publicar a história de um órfão que se descobre bruxo e vai estudar em uma escola de magia, o romance havia sido recusado por diversas casas editoriais – cujos profissionais provavelmente vão levar o arrependimento para o túmulo. Nas duas décadas que transcorreram desde o lançamento, Harry Potter não só revolucionou o mercado literário como emplacou nove blockbusters no cinema com a Warner, se tornou uma marca de produtos avaliada em 25 bilhões de dólares e inscreveu o seu nome na galeria dos clássicos universais da literatura, ao lado da Alice, de Lewis Carroll, e de Huckleberry Finn, de Mark Twain. Clique aqui para ler um trecho de A Pedra Filosofal.
Os números que permeiam o universo criado por JK são extraordinários. Publicada ao longo de dez anos, a saga foi traduzida para 79 idiomas e vendeu 450 milhões de exemplares em 200 territórios. Só no Brasil, onde o primeiro volume foi lançado em 1999, foram vendidos quatro milhões de exemplares. As aventuras do bruxinho ainda deram origem a duas franquias no cinema. A primeira, de oito longas baseados nos sete romances da série original, teve bilheteria total de 7,7 bilhões de dólares e alçou ao estrelato o trio Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint.
Agora, está em curso Animais Fantásticos e Onde Habitam, franquia decalcada de um livro derivado da série. O filme de estreia, com Eddie Redmayne, saiu em 2016 e faturou mais de 800 milhões de dólares. O segundo dos cinco previstos, programado para 2018, começa a ser rodado em duas semanas no Reino Unido. Johnny Depp, astro de Piratas do Caribe, já confirmou presença.
Harry Potter ainda ganhou parques temáticos em Orlando (EUA) e Osaka (Japão), uma vasta gama de produtos licenciados e uma peça de sucesso, Harry Potter e A Criança Amaldiçoada, que mostra a vida do herói na idade adulta. Em cartaz em Londres com casa sempre lotada (os ingressos estão esgotados até julho de 2018) e alvo de críticas positivas, o espetáculo deve ser encenado também na Broadway quando encerrar a temporada inglesa.
Em 2003, a fortuna da escritora J.K. Rowling já ultrapassava o patrimônio da rainha Elizabeth II, segundo reportagem do jornal britânico The Sunday Times. Somava, então, 442 milhões de dólares. Hoje, é estimada em algo superior a 2 bilhões de dólares, segundo o New York Times. De acordo com a Forbes, revista americana que se dedica a listar os mais ricos do mundo em diferentes áreas e atividades, só nos doze meses entre junho de 2016 e junho de 2017, a autora faturou 95 milhões de dólares, graças em boa parte à venda do roteiro da peça Harry Potter e A Criança Amaldiçoada. Lançado em forma de livro, ele teve 4,5 milhões de cópias comercializadas no Reino Unido.
Por suas doações a organizações de caridade e pelo pagamento de impostos para o governo britânico, em 2012 a revista Entertainment Weekly chegou a “rebaixar” JK da galeria dos bilionários de destaque do planeta. Isso antes da peça e da nova franquia cinematográfica — e dos muitos livros adultos que escreveu sob o pseudônimo de Robert Galbraith, mas que não tiveram sucesso comparável ao do bruxinho que criou. Seja qual for a real fortuna da escritora, é garantido que se trata de uma quantidade “razoável” de dinheiro em comparação aos tempos de penúria em que criava sozinha a filha pequena em um minúsculo apartamento em Edimburgo, à base do que recebia como seguro-desemprego.
É ainda dessa época o hábito de escrever a mão — coisa rara hoje, em o computador já cabe na palma da mão, em formato de celular, um manuscrito de Harry Potter vale muito. Com tino comercial afiado, que a leva a diversificar os produtos que lança ela mesma com a marca Harry Potter, agora JK Rowling prepara um livro com originais da série. Harry Potter: A Journey Through A History of Magic (Harry Potter: uma jornada pela história da magia), ainda sem título ou data de lançamento no Brasil, vai reunir escritos, rascunhos, esboços e ilustrações exclusivas feitas por J.K Rowling e por outros profissionais que trabalharam na saga. A pré-venda dos livros já está disponível no site da Bloomsbury, no clima do aniversário de 20 anos da saga.
O fato é que Rowling merece cada pence que ganhou. Seu sucesso deve-se a vários fatores, entre os quais a habilidade em se desdobrar em diferentes plataformas, a facilidade para se comunicar pelas redes sociais, a coragem de se posicionar diante de temas relevantes, como a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos, e a preocupação em corresponder às expectativas dos fãs. Em 2011, ela lançou o site Pottermore.com, que oferece conteúdo exclusivo e diferenciado para os admiradores da série, que podem, assim, permanecer conectados com ela.
O fator mais relevante, porém, é mesmo o talento para reunir personagens instigantes e humanos o suficiente para provocar identificação com o público em aventuras cheias de suspense, reviravoltas e, claro, magia, personagens capazes de conquistar novos leitores e admiradores a cada geração. Mais do que fazer com que jovens do mundo inteiro se dedicassem à leitura, Rowling lançou sobre eles um feitiço irreversível: o prazer de ler.