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Cultura

Mickey Mouse chega aos 90 anos

Personagem símbolo do bilionário império criado por Walt Disney continua a se reinventar para conquistar novas gerações

por Mariane Morisawa, de Los Angeles Atualizado em 16 nov 2018, 15h40 - Publicado em
16 nov 2018
08h00

O rosto continua (quase) o mesmo, mas Mickey Mouse chega aos 90 anos de idade neste domingo, dia 18 de novembro, data de estreia de seu primeiro curta lançado comercialmente, O Vapor Willie (Steamboat Willie, no original), em 1928. Quando criou o personagem para substituir Oswald, o coelho, do qual tinha perdido os direitos, Walt Disney não poderia imaginar que o rato com voz fina (feita pelo próprio criador) ia não só durar tantas décadas como representaria o início de um império de entretenimento abarcando animações e filmes live action, parques temáticos, hotéis, séries de televisão e produtos licenciados, além de empresas como a Pixar, a Marvel, a Lucasfilm e em breve a Fox.

Até a primeira semana de novembro deste ano, a companhia tinha arrecadado 2,7 bilhões de dólares só com a bilheteria de onze longas lançados, entre eles Pantera Negra, Os Incríveis 2, Viva – A Vida é uma Festa!, Os Vingadores: Guerra Infinita e Star Wars: Os Últimos Jedi. No ano passado, foram 55,6 bilhões de dólares de faturamento, com patrimônio líquido estimado em cerca de 150 bilhões de dólares. 

“Só espero que nunca percamos de vista uma coisa — que tudo começou com um camundongo” (Walt Disney)

O personagem foi um sucesso desde o princípio. Mickey Mouse, otimista, um pouco levado, mas de bom coração, foi perfeito para o período difícil que o mundo atravessaria, com a Depressão de 1929. Numa viagem a Nova York pouco depois do lançamento de O Vapor Willie, Walt Disney recebeu uma oferta de 300 dólares para colocar o personagem em seu primeiro produto: um caderno para crianças, mantido como tesouro no arquivo da companhia, em Burbank, região de Los Angeles, na Califórnia.

Depois disso vieram objetos famosos, como o relógio cujos ponteiros são os braços do Mickey, telefones e as réplicas em pelúcia, que começaram a ser feitos, em 1930, na casa de Charlotte Clark, uma costureira que vivia não muito longe da sede da companhia. A demanda foi tão grande que ela não conseguiu atender, e logo foi preciso contratar uma empresa. As famosas orelhas foram criadas pelo animador Roy Williams, que se inspirou num curta de 1929 chamado The Karnival Kid, em que Mickey Mouse tirava o topo da cabeça como se fosse um chapéu. Em princípio, elas eram feitas a mão. Agora, há dezenas de modelos à disposição. Hoje, os produtos licenciados faturam cerca de 1 bilhão de dólares por ano.

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O primeiro relógio com o personagem custava 2,95 dólares
O primeiro relógio com o personagem custava 2,95 dólares (//Divulgação)
Edição comemorativa mostra a evolução de Mickey em bonecos de pelúcia
Edição comemorativa mostra a evolução de Mickey em bonecos de pelúcia (//Divulgação)

Mickey Mouse e O Vapor Willie eram tão caros a Walt Disney que ele manteve uma cópia original do roteiro, um dos primeiros storyboards de que se tem notícia, na gaveta do escritório, que é mantido nos arquivos como ele deixou quando morreu, em 1966.

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“Acho que Mickey é um personagem com quem todo o mundo gostaria de passar um tempo. Por isso ele e tão popular”, diz Mary Walsh, diretora do setor de pesquisa da Disney

As origens do personagem são pouco claras porque Disney gostava de mudar a história: podia ter criado Mickey Mouse numa viagem de trem, ou visto um rato correr por sua prancheta. Mas seu princípio está bem documentado visualmente na biblioteca da companhia, que contém milhões de desenhos, modelos e pinturas desde os primeiros rascunhos do personagem. No total, 65 milhões de peças físicas da produção de animações do estúdio estão guardadas neste acervo, em Glendale, Los Angeles — 1,2 milhão delas foram fotografadas e estão disponíveis digitalmente para pesquisa de pessoas que trabalham na companhia, com o intuito de preservar o amplo acervo, composto em sua maior parte de material delicado. 

“Durante muito tempo, esta foi nossa arma secreta, porque muitos dos estúdios de Hollywood simplesmente se desfizeram de seu passado”, diz a VEJA Mary Walsh, diretora do setor de pesquisa em animação da Disney. “Mas manter as origens de Mickey Mouse ajuda os artistas e funcionários da companhia a serem constantemente inspirados por ele.”

Os retoques na imagem do personagem ao longo dos anos também eram parte do espírito Disney. “Walt não tinha medo de mudanças. Se ele estava fazendo alterações era porque estava interessado. O que ninguém queria era ouvir seus dedos batendo no braço da cadeira, sintoma de que ele estaria entediado.”

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O escritório de Walt Disney
O escritório de Walt Disney (//Divulgação)
Os arquivos da Disney guardam 8 mil fotografias só do seu fundador
Os arquivos da Disney guardam 8 mil fotografias só do seu fundador (//Divulgação)

Em certos casos, é mais do que inspiração: os envolvidos no curta Hora de Viajar! (2013), que concorreu ao Oscar, mergulharam nos arquivos do estúdio para recriar nos dias de hoje os desenhos do passado (veja abaixo o curta). O mesmo fizeram as equipes dos curtas feitos para o YouTube e a série Mickey: Aventuras sobre Rodas. Esses trabalhos deixam claro, aliás, que o personagem pode ter várias caras diferentes, evoluindo ao longo dos anos e tendo até versões diferentes ao mesmo tempo. O que nunca muda é sua personalidade. “O que manteve Mickey Mouse tão popular nesses anos todos foi seu espírito”, conta o animador Eric Goldberg, que está no estúdio desde os anos 1990. “Ele é engenhoso, é brincalhão, está sempre do lado do bem, mas também é levado.” É um otimista, o que sempre vem a calhar em momentos difíceis.

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A comemoração dos 90 anos começou em grande estilo, com o lançamento de um livro de luxo pela editora europeia Taschen, com exclusivos 995 exemplares à venda por 200 dólares cada (cerca de 750 reais), e uma exposição em Nova York, além de inúmeros itens especiais de colecionador que chegam ao mercado. Confira a seguir uma linha do tempo do personagem, seus momentos mais marcantes, curtas-metragens e imagens da mostra.

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Linha do tempo

Confira a evolução de Mickey, no cinema e na TV, desde seu precursor (um coelho) até sua recente roupagem, apropriada para telas de celulares e tablets

Antes do rato

Walt Disney criou, antes de Mickey Mouse, o Coelho Oswald — quase um meio-irmão do camundongo, com semelhanças óbvias. A opção por um coelho, em 1927, veio em resposta ao mercado, que na época tinha um excesso de gatos, caso de O Gato Félix, das tirinhas com Krazy Kat, e até em um produto assinado por Disney, Alice Comedies, uma série em live-action em que uma menina atuava ao lado de desenhos, entre eles um bichano. O problema é que Disney criou Oswald em parceria com a Universal, que depois ficou com os direitos do personagem. Ironicamente, em 2006, a Disney adquiriu de volta o orelhudo para seu casting e o colocou lado a lado com Mickey no jogo de videogame Epic Mickey.

Oswald e Mickey em arte do jogo Epic Mickey
Oswald e Mickey em arte do jogo Epic Mickey (//Reprodução)

A estreia de Mickey

Sem Oswald, Walt Disney não perdeu tempo e criou um novo personagem concorrente: o rato Mickey. Sua primeira apresentação foi no curta mudo O Maluco do Avião, em maio de 1928, que chegou a ser exibido em testes para possíveis distribuidores, mas não conseguiu decolar. Resiliente, Disney apresentou a compradores, em julho, o filme O Vapor Willie, projeto feito em paralelo com O Maluco do Avião — que acabou lançado no ano seguinte. A principal diferença entre os dois é que O Vapor tinha som, entrando para a história como uma das primeiras animações sincronizadas com uma dublagem e trilha sonora. O curta chegou às telas dos cinemas americanos em 18 de novembro e se tornou um sucesso, em um ponta pé inicial para o que se tornaria a Era de Ouro das animações da Disney. Até hoje, a abertura do filme, com Mickey assobiando ao remo do navio, é usada como vinheta de todas as produções da Walt Disney Animation Studios. Confira a seguir o curta histórico:

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Tradição musical

Ao longo de 1929, o ratinho estrelou mais de uma dezena de filmes. Entre eles The Karnival Kid, em que Mickey tirava o topo da cabeça como se fosse um chapéu — atitude que rendeu a ideia de transformar as orelhas do personagem em tiaras e bonés para os fãs. Ganha destaque desta época o curta Mickey’s Follies, em que o camundongo promove um show de talentos com os animais de uma fazenda. Ao fim, ele sobe no piano e canta Minnie’s Yoo Hoo, primeira canção original de um filme da Disney, hoje um dos estúdios com a maior tradição (e estatuetas do Oscar) quando o assunto é música-tema. Na canção, o ratinho diz na primeira estrofe: “I’m the guy they call little Mickey Mouse/ Got a sweetie down in the chicken house/ Neither fat nor skinny, she’s the horses whinny/ She’s my little Minnie Mouse” (“Eu sou o cara que chamam de pequeno Mickey Mouse/ Tenho uma querida lá no galinheiro/ Ela não é gorda nem magra, ela faz os cavalos relincharem/ Ela é minha pequena Minnie Mouse”, em tradução livre). Assista:


Mickey em cores

Em Mickey, o Maestro (The Band Concert no título original), de 1935, os personagens ganham cores no cinema pela primeira vez. O curta de 9 minutos mostra uma banda conduzida pelo camundongo, que precisa encarar as críticas do mal-humorado Pato Donald e um tornado que aparece no final. A cena em que a banda continua tocando nos ares se tornou clássica.

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https://www.youtube.com/watch?v=pLvnCxVds2c


Importante mudança no visual

Desde sua primeira aparição até hoje o personagem teve sua aparência transformada aos poucos. Ganhou traços mais amigáveis, roupas, sapatos, luvas e cores. No filme Mickey’s Surprise Party (1939) o casal de ratinhos apresenta sua principal reformulação nas expressões faciais, causada, principalmente, pela troca do olho achatado preto para olhos completos, com globo ocular branco, íris preta, pálpebra e cílios. A alteração aparentemente simples ajudou e muito na atuação dos personagens, que se tornaram mais expressivos apenas com o olhar.

https://www.youtube.com/watch?v=z0rMIZYAhhg


O clássico Fantasia

Revolucionário, Fantasia (1940) combina a magia de Mickey com grandes obras da música clássica — como O Quebra Nozes, de Tchaikovsky — em um filme-concerto, feito em parceria com o maestro Leopold Stokowski. Na animação, a primeira em longa-metragem com Mickey, o rato ganha um figurino de feiticeiro e interage com um mar de referências de artes visuais, entre elas, traços de arte abstrata. Dois anos depois de seu lançamento, o filme conquistou dois prêmios honorários da Academia de Hollywood, que promove o Oscar. Um para Stokowski, por seu pioneirismo na produção de “música visual”, que levou a Academia a chamar o filme de “entretenimento como expressão de arte”. E o outro para Walt Disney e sua equipe, pela contribuição no avanço do uso do som no cinema. Veja abaixo um trecho do filme:

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https://www.youtube.com/watch?v=jSTWy25hRiI&t=21s


Dias de luta

Entre sua estreia em 1928 até o começo dos anos 1950, Mickey fez grande sucesso, atuando em 130 curtas-metragens. A série de animações chegou ao fim com The Simple Things (1953). Ao mesmo tempo, o personagem dava as caras nas revistas em quadrinhos, que passaram a circular nos anos 1940. Os anos seguintes, contudo, não foram dos melhores para Mickey nem para a Disney. O período pós-guerra afetou a economia americana, que fez a empresa apostar em outros nomes, muitos clássicos da literatura, como Cinderela, Alice no País das Maravilhas, Peter Pan, Bela Adormecida e Mogli. O grande baque, contudo, viria em 1966, com a morte de Walt Disney, que levou a companhia a um declínio que durou até o fim dos anos 1980. A recuperação veio da fórmula que levantou a própria Disney em seus primórdios: a produção de filmes inspiradores, musicais, com apelo para crianças e adultos. Caso de A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991), Aladdin (1992) e do estrondoso O Rei Leão (1994).

Capa da revista ‘Paris Match’ em homenagem a Walt Disney, morto em 1966, vítima de um câncer no pulmão
Capa da revista ‘Paris Match’ em homenagem a Walt Disney, morto em 1966, vítima de um câncer no pulmão (//Reprodução)

Mickey, o retorno

O camundongo voltou ao papel de protagonista no cinema em 1983, trinta anos depois de seu último curta, no filme O Conto de Natal do Mickey, adaptação do livro A Christmas Carol de Charles Dickens. Com a mesma roupagem, o personagem mostra o “talento” para atuação, ao deixar de lado a personalidade travessa para assumir o papel do protagonista tímido, de jeito brando, que até sofre nas mãos de um patrão muquirana. A produção ganhou uma indicação ao Oscar de melhor curta animado. Em 1990, outra adaptação leva Mickey às telas em O Príncipe e o Mendigo, filme inspirado em um conto de Mark Twain sobre um camponês que troca de lugar com um monarca por um dia.

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Momento Black Mirror

Mickey e seu Cérebro em Apuros (1995) é um dos curtas mais ousados e comentados do personagem por seu tom de terror e ficção científica, digno de um episódio de Black Mirror. Na trama, Mickey precisa de dinheiro para levar Minnie ao Havaí. Ele então aceita participar de um experimento científico. Ao chegar na mansão macabra, acaba preso e tem sem cérebro transferido para um monstro gigantesco – que, por sua vez, assume a carcaça de Mickey, dando ao personagem uma aparência e atitudes bem distantes do fofo camundongo da Disney. A produção é uma releitura de outro curta da casa, O Médico Louco, de 1933, em que Mickey também acaba vítima de uma experiência bizarra, mas ele estava apenas tentando salvar Pluto.


Reformulado para os anos 2000

Já com a técnica da animação computadorizada, Mickey e sua turma ganham uma série totalmente voltada para crianças, diferentemente do resto das animações, em um canal também infantil — o Disney Junior. Os conhecidos personagens propõem brincadeiras educativas em um cenário colorido, seguindo a tendência dos anos 2000. Com a técnica 3D, as estrelas do show adquirem feições mais realísticas e suas roupas passam a ser mais detalhadas. O programa ficou no ar entre 2006 e 2013. A versão vai bem na internet. No YouTube, o primeiro episódio dublado em português soma atualmente mais de 56 milhões de visualizações.

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Retorno às origens

Em 2013, o Disney Channel lançou uma nova série animada com um tom bem diferente do programa infantil anterior. Com desenhos curtos (boa parte com menos de 4 minutos cada), em 2D, e personagens travessos, a nova fase, que continua no ar, é uma clara homenagem aos primeiros filmes de Mickey e sua turma entre as décadas de 1920 e 1930. Além da exibição na TV, a animação também vai bem no YouTube no canal oficial do personagem.


Disney Tsum Tsum

Nem parece o Mickey, mas é. Os personagens da Disney ganharam, desde 2013, uma linha de brinquedos colecionáveis japoneses chamados Tsum Tsum, com corpos arredondados e rostos simples de olhos achatados, originalmente de pelúcia. O sucesso em vendas dos produtos rendeu também histórias em animações e jogos de videogame.


Pronto para o celular

Em busca de reconquistar o público da primeira infância, que agora assiste animações em celulares e tablets, os animadores da Disney voltaram a imaginar o Mickey adequado para os novos tempos. Em Mickey: Aventura sobre Rodas, lançado em 2017 no canal Disney Junior, a turma participa de corridas de carros em episódios que raramente ultrapassam os 3 minutos – tempo sob medida para crianças com cada vez menos paciência para capítulos longos. A textura dos personagens também foi simplificada e as cores ganharam mais vida.

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Exposição em NY

Exposição em Nova York celebra os 90 anos do personagem com mais de cem obras de artistas contemporâneos. Confira fotos

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