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A falta de psicologia do psicólogo Tite

Técnico da seleção brasileira recusou a a presença de um profissional da área em sua comissão. Será mesmo que não fez falta?

Por Gustavo Bonini Castellana *
14 dez 2022, 08h06
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  • É bastante comum no Brasil que o fracasso de um atleta ou de uma seleção esportiva seja atribuído a fatores emocionais. Já vimos esse debate acontecer diversas vezes nas Olimpíadas e na Copa do Mundo. No Mundial do Catar não foi diferente. Muitos jornalistas esportivos questionaram o preparo psicológico da seleção, relembrando que Tite recusara a presença de um profissional de psicologia alegando que sua equipe faria esse trabalho. Mas será que o treinador gaúcho estava preparado para exercer esse papel?

    Antes de responder, é preciso destacar que a atitude de Tite é regra e não exceção entre os treinadores brasileiros. Entre os clubes da série A, a minoria conta com psicólogos em seu departamento. Isso se deve em parte à arrogância dos treinadores, que julgam entender de psicologia mais do que os psicólogos, e em parte à ignorância, pois não sabem qual é o papel do psicólogo em sua equipe. Entre as exceções, nada menos que o atual campeão brasileiro Palmeiras que, coincidentemente ou não, vem acumulando vitórias importantes nos últimos anos. Mas vale lembrar que a psicóloga Gisele Silva já estava lá muito antes de Abel Ferreira, e não foi demitida quando o clube performava mal. Da mesma forma, o Departamento médico e o Núcleo de performance do atleta seguem sob gestão dos Drs Gustavo Maglioca e Pedro Pontin desde 2016.

    A experiência com clubes de sucesso mostra que os profissionais da saúde mental fazem parte da equipe de saúde do atleta que, ao contrário da comissão técnica, não devem ter a qualidade de seu trabalho medida em número de títulos. Isso porque o psicólogo da equipe tem como compromisso ético principal o cuidado à saúde mental do atleta, da mesma forma que a equipe médica cuida da saúde física: ninguém pensa em demitir o médico da seleção, Dr Rodrigo Lasmar, porque o Brasil caiu nas quartas e nem mesmo porque alguns atletas se machucaram. A não ser que ocorra uma preparação física e reabilitação inadequadas, a equipe medica seguirá com a nova comissão técnica. Tem sido assim há quase 30 anos na CBF, e não deveria ser diferente com a equipe de saúde mental.

    Mas esse não parece ser o entendimento da CBF e nem de Tite. Durante a competição, o treinador insistiu que os jogadores deveriam estar “mentalmente fortes”. A frase parece ter sido repetida como um mantra pelos jogadores, e o próprio Neymar revelou em carta aberta que “jamais esqueceria dessa frase”. Tite nunca deixou claro como conseguiria esse objetivo. Aparentemente, apenas mandou gravar nas paredes do CT palavras de auto ajuda, mostrando um conhecimento bastante superficial da preparação emocional de um atleta, e fazendo ressoar sua fama de “encantador de serpentes” no meio esportivo.

    Durante a Copa, Tite fez questão de demonstrar a união de seu grupo e seu compromisso com os jogadores, inclusive ao fazer a dança do pombo no jogo contra a Coreia. No Brasil, esse tipo de cumplicidade entre líderes e liderados é, muitas vezes, superdimensionado, e ter “o grupo na mão” é tomado como um objetivo em si. Embora a união do grupo seja importante, não é o principal ingrediente numa competição de curto prazo como a Copa. Muitas vezes, a confiança individual de um jogador, fruto de um trabalho psicológico bem feito – como testemunhado pelo goleiro argentino Emiliano Martinez – poderá ser determinante para o sucesso do grupo como um todo.

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    Assim como outros treinadores, Tite parece reduzir a psicologia ao ato de fé na vitória, utilizando-se de um sincretismo psíquico-religioso bem típico da cultura brasileira. Não à toa, boa parte dos treinadores tem algum santo ou santa como maior inspiração para a vitória. Mas esse tipo de crença, chamada de pensamento mágico, tão valorizado no meio corporativo, pode ser bastante danoso no meio esportivo. Funcionam como uma ideia infantil: “se eu acreditar muito em algo, isso vai acontecer”. O problema está em não se preparar para os momentos de dificuldade.

    Um exemplo claro é a disputa por pênaltis: é bastante comum uma seleção enfrentar ao menos uma disputa de pênaltis durante a Copa, e é necessário se preparar mentalmente para esse momento. Mas a impressão que ficou é de que tudo ali foi improviso: parecia que ninguém havia estudado para que lado cai o goleiro da Croacia, que ninguém havia orientado Alisson em que lado costumam bater os jogadores croatas, e nem pensou na ordem dos batedores (como já bastante discutido). Parece que a comissão técnica, que tem especialistas em pênaltis como Taffarel, não se preparou para estar “mentalmente fortes” numa eventual disputa de pênaltis. Eis o pensamento mágico: se eu acreditar que vou ganhar a partida no tempo normal, não vou precisar me preparar para os pênaltis.

    E foi justamente ao fim da cobrança de pênaltis que Tite demonstrou ainda mais seu desconhecimento de psicologia. Ao sair de campo após a derrota na disputa por pênaltis, justificou sua atitude com uma racionalização: “é o que sempre faço, mesmo quando ganho”. Nesse momento Tite deixou claro que ele mesmo poderia se beneficiar da ajuda profissional – e aqui não há nenhuma ironia – pois parece não ter entendido o impacto emocional nos jogadores naquele momento, ao contrário de Modric que, como um pai, abriu mão de sua comemoração para consolar o filho (chamado assim por ele) Rodrygo.

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    Rodrygo é consolado pelo croata Luka Modric
    Luka Modric, de 37 anos, consola Rodrygo, de 21, que perdera o primeiro pênalti (- Maja Hitij - FIFA/Getty Images)

    É tempo de reconhecer que as frases de efeito e o “titês” que encantaram o meio esportivo há seis anos não foram capazes de esconder o que já estava escancarado na Copa de 2014, quando a presença de uma psicóloga de urgência não foi capaz de evitar a tragédia dos 7×1: o trabalho emocional começa agora, antes mesmo da escolha do novo treinador, recolhendo os cacos deixados pelo caminho com o fracasso do psicólogo Tite.

    * Gustavo Bonini Castellana é psiquiatra clínico e forense, Mestre e Doutor em Ciências pela FMUSP.

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