Foi ineditismo aplaudido como passo inaugural de um movimento. No início de março, as redes sociais do time feminino de futebol do Arsenal, centenário clube inglês, celebraram as boas novas. Em lugar de uma aquisição milionária, o anúncio envolvia o futuro da estrela da equipe, a zagueira sueca Amanda Ilestedt, grávida do primeiro filho. “Vamos revelar algo que nos afetará por um motivo muito, muito feliz”, disse o técnico Jonas Eidevall, antes de mostrar a foto da jogadora exibindo o resultado de um exame de ultrassom. “Vamos dar todo o apoio e ajuda durante a gestação.” O gesto — aparentemente singelo — tem o poder revolucionário de abrir caminhos, sobretudo no seio do mais machista dos esportes.
A tendência não pode ainda ser ancorada em estatística, mas há evidente avanço. A tenista americana Naomi Osaka, quatro vezes vencedora de Grand Slams, tornou-se mãe de Shai em julho do ano passado. Em janeiro, após 500 dias afastada — mergulhada em depressão e, depois, de mãos dadas com a maternidade —, celebrou o retorno às quadras cutucando o status quo. “Ver que há tantas mulheres que têm de voltar ao trabalho logo depois de dar à luz é muito triste”, disse ela. Ecoou, de algum modo, a postura corajosa — e pioneira, antes da hora — da campeoníssima americana Serena Williams, hoje mãe de duas crianças, uma delas nascida quando ainda estava em atividade.
O comportamento que agora ganha alguma solidez ajuda a iluminar o inaceitável preconceito de antes. O caso da futebolista islandesa Sara Björk é emblemático. Em 2021, a meio-campista não se calou ante o pagamento interrompido pelo Lyon, ao se afastar para o nascimento de Ragnar. Depois de apelar para a Fifa e receber o que lhe era devido, ela se transferiu para a Juventus, na Itália. E então, em rotunda vitória de Björk, os cartolas anunciaram a garantia de 14 semanas de licença-maternidade remunerada para as atletas. É estrada que tinha sido pavimentada, em 2018, pela velocista americana Allyson Felix, que viu o valor do seu contrato com a Nike cair em 70% depois de sair da maternidade. O episódio estimulou uma louvável mudança nas políticas da empresa de material esportivo.
Necessária e urgente, a onda de reforma também chegou ao Brasil. Uma lei federal de 2023 garantiu remuneração e proteção para bolsistas de alto desempenho em fase de gestação ou lactação. “Em alguns esportes, contudo, ainda falta apoio logístico sobre a condução da gestação”, diz Ágatha Bednarczuk, medalha de ouro do mundial de vôlei de praia em 2015, mãe de Kahena, de 1 ano e meio. Mas melhorou, não há dúvida. Em 2016, Sheilla Castro, bicampeã olímpica de vôlei, decidiu ser mãe. Ao anunciar os planos de maternidade, um clube que negociava seu passe desistiu imediatamente. “Nem deixava a ideia de ser mãe passar pela minha cabeça”, diz ela, que tem gêmeas.
A estrada é longa, ainda, mas foi-se o tempo terrível, no início dos anos 1970, em que os dirigentes da extinta Alemanha Oriental incentivavam a gravidez e depois o aborto das nadadoras — o procedimento criminoso fazia disparar as taxas hormonais, atalho para suposto desempenho melhor na piscina, como se fosse um doping “natural”. Hoje, felizmente, o incentivo é outro, real e digno. Até porque há benefícios para o corpo feminino. “A prática regular e controlada de esporte reduz o risco de complicações como diabetes gestacional e eclâmpsia”, diz Andrea Fioretti, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Que as mulheres tenham, cada vez mais, sem tabu, o direito de subir ao pódio com filhos no colo.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886