O esporte sempre fez parte da minha vida, desde muito pequena. Aos 5 anos, minha mãe me matriculou no balé. Não me encaixei. Achava tudo lento, delicado, gosto de mais força e ação. Com 9, entrei na ginástica rítmica na Vila Olímpica da Mangueira, no Rio, e então comecei a me encontrar. Mas ainda faltava alguma coisa. Dois anos depois, meio por acaso, dei de cara com um vídeo no YouTube de atletas da ginástica artística e meu coração bateu acelerado. Eu me apaixonei na hora e falei para minha mãe: “É isso o que eu quero”. Ela fez tudo o que podia para me ajudar. Mandou mensagem para vários clubes pedindo uma chance para mim, pelo menos um teste. Recebi muitos nãos, porque me achavam velha para iniciar na modalidade. Tinha 11 anos. Geralmente, as meninas estreiam com uns 5. Meus pais queriam achar outra atividade, porém eu não desistia: dizia que uma oportunidade ainda poderia aparecer. Quase não tinha mais esperanças quando fui aceita pelo Fluminense. Só que o sonho durou pouco. Após quatro meses, mesmo ganhando o primeiro lugar em uma competição, fui dispensada sob a mesma justificativa. Era velha.
Fiquei triste demais, mas desistir não era uma opção. E ainda bem que não desisti. Passei a treinar sozinha na casa onde moro, no Morro do Borel, na Zona Norte carioca. Na sala, tem um tapete bem grande que uso para fazer movimentos de solo, estrelas sem mão. Na laje, improvisei uma trave com alguns pedaços velhos de madeira. Para mim, não tem tempo ruim. Estava sem clube nenhum, até que o Centro de Treinamento da Vila Valqueire marcou um teste comigo para 4 de janeiro. Um dia antes, mesmo com muito calor, pratiquei sem cansar. Sabia que aquela era minha última chance. De repente, minha vida mudou. Um vizinho conhecido nosso viu minhas acrobacias na laje e perguntou se podia gravar. Deixei, sem nunca imaginar que tanta gente assistiria àquilo. Fiquei conhecida de uma hora para outra, foi estranho. Na mesma semana, chegou a notícia de que tinha sido aprovada. Nunca me senti tão, tão feliz.
Depois que o vídeo viralizou, recebi convites de grandes clubes, como o Flamengo. Mas a proposta deles, mesmo com uma bolsa, era para entrar na escolinha, e onde estou agora já sou do profissional. Ganhei bolsa até de um colégio particular. Começo a estudar lá neste mês. O vídeo me deu visibilidade. Além dos seguidores nas redes, pessoas de todos os lugares do Brasil, e até do mundo, me mandaram mensagens de carinho e incentivo. Mas também vi o outro lado, de gente falando coisas ruins. Várias diziam que eu era burra por ter recusado o Flamengo, que por isso minha carreira não daria em nada. Esse pessoal não me conhece nem tem sensibilidade. Mas não me abalei, não. Estou certa dos meus princípios, que aprendi com meus pais. E a humildade é o principal deles. Venho de uma realidade mais pobre e isso também me ensinou a não ser arrogante. Pego três ônibus todos os dias para chegar ao clube, levo em torno de duas horas e meia no trajeto. Nunca desanimo.
Sempre me perguntam se não tenho medo de explorar os meus limites na ginástica: medo de errar, de cair, de me machucar e, no fim, dar tudo errado. Enfrento o medo. Se caio, levanto e faço o exercício de novo até acertar. Treino três horas por dia, mas quando chego em casa vou para a laje e não paro. Faço minhas tarefas e corro para poder treinar mais e mais. Eu me inspiro na Rebeca Andrade, que também começou mais velha e chegou lá onde queria, no topo. Começaram a me reconhecer no meio da rua, mas isso não tira o foco do principal. Entre passar um dia na praia com os amigos e praticar ginástica, escolho a segunda opção de olhos fechados. No ginásio, não penso em mais nada. O que eu mais quero na vida é um dia competir em uma Olimpíada e ouvir na TV: “Ana Luisa dos Anjos ganhou um ouro para o Brasil”.
Ana Luisa dos Anjos em depoimento dado a Duda Monteiro de Barros
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774