Dois assuntos contemporâneos se cruzam no horizonte do futebol brasileiro: a venda de grandes clubes para investidores internacionais e o aumento da exposição e da cobrança por uma ética pública de pessoas com exposição na mídia. Em especial a segunda cresce de alcance quando entendemos que as redes sociais são mídias e que quase todos nós estamos expostos a ela e seus efeitos, oportunidades e cobranças.
As Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs) vêm se formando no Brasil sob uma característica típica nacional do paternalismo. Torcedores e imprensa – em sua imensa maioria representada por um público ainda majoritariamente masculino – querem saber quem são as pessoas físicas por trás do negócio que está sendo firmado e as celebram como novos ídolos, de maneira personalista. Das três maiores negociações recentes, o Cruzeiro tem a figura do já ídolo Ronaldo nessa posição, enquanto os botafoguenses celebraram a chegada do americano John Textor como um messias, com direito a festa no aeroporto para sua chegada. Já os vascaínos aguardam ansiosamente a chegada do também americano Josh Wander, prevista para os próximos dias, para bater os recordes de recepção estabelecidos pelos torcedores do Botafogo.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, vemos que a guerra iniciada pela invasão da Rússia à Ucrânia gerou um movimento de boicote a dezenas de empresários ligados ao governo de Moscou e teve o seu caso mais emblemático na figura de Roman Abramohvic, um dos sete oligarcas russos que tiveram bens congelados e punições definidas pelo governo do Reino Unido.
Um desses ativos foi o Chelsea, atual campeão mundial de futebol. Por conta das sanções, a iniciativa de vender o clube depois de 19 anos – que já era consequência das pressões iniciadas pela guerra – foi proibida. E mais, os canais de receitas do clube foram bloqueados, tais quais novas venda de ingressos para os jogos futuros do Chelsea, além de limitações de gastos em viagens internacionais, que dificultam drasticamente a logística necessária para a disputa de uma competição como a Champions League.
A punição vem depois do dono do clube ser classificado pelo governo britânico como “um oligarca pró-Kremlin” e apontado por estar “associado a pessoa que está ou esteve envolvida em desestabilizar a Ucrânia e ameaçar ou destruir sua integridade territorial. Abramovich nega essa relação, mas o fato é que suas atividades pessoais se confundem com a promoção de sua imagem a frente da equipe inglesa. Os efeitos desse comprometimento, como se vê, podem ir além da esfera política e atingir diretamente os interesses esportivos do time e seus milhares de fãs por todo o mundo, sendo difícil imaginar que alguma cláusula de negócio proteja a entidade das atitudes individuais de seus investidores
Em um aspecto mais cultural, declarações que cruzem a fronteira da ética pública, sejam aquelas que cometem crimes, sejam as que ofendem valores de grupos sociais, têm causado efeitos direto em reputações individuais. Mais recentemente, o deputado estadual Arthur do Val sofreu as consequências de se ver exposto no debate público por suas declarações misóginas sobre as mulheres ucranianas, que o levaram a perder o posto de pré-candidato ao governo de SP, ser desfiliado de seu partido (Podemos) e ver iniciarem-se processos para cassação de seu mandato. Não foi o primeiro caso e, infelizmente, não será o último de homens misóginos com atos repugnantes, a passar pelo tribunal do debate público. Alguém pode se lembrar do caso de Rogério Caboclo, que por uma acusação de abuso moral a uma funcionária, foi afastado da presidência da entidade. Ocorre que Caboclo não é dono da CBF, ao contrário do que passa a acontecer com a chegada das SAFs nos grandes clubes.
Misoginia, abusos sexuais, envolvimento em corrupção ou crimes de colarinho branco, sustentação financeira de grupos ou governos mafiosos são apenas algumas dos itens mais comuns do corolário obscuro que pode ser transferido para os clubes por seus donos. Fora do futebol, um deslize, ou um crime, cometido por essas lideranças, na esfera privada de suas vidas, costumam atingir menos às empresas das quais fazem parte por uma série de blindagens contratuais que são estabelecidas nas estruturas de diligências corporativas. O futebol brasileiro terá que estar muito atento a isso desde já.
Ao contrário do que acontece em outras empresas dessas mesmas pessoas, as de esporte, principalmente os clubes, envolvem elementos menos usuais nos mundo dos negócios, como a paixão. Por isso está sujeito a chuvas e tempestades que transcendem o próprio contrato e suas diligências. É preciso muito cuidado para minimizar danos, ainda mais em uma cultura paternalista como a brasileira para que heróis fabricados pela imaginação e carência dos torcedores, não se tornem algozes da própria expectativa criada.
*Bruno Maia, CEO da Feel The Match e executivo de inovação no esporte. Autor do Livro “Inovação é o Novo Marketing” – https://www.brunomaia.cc