Gertrude Ederle é uma das atletas mais notáveis da história, embora seja provável que você nunca tenha ouvido falar dela. Em 1926, aos 20 anos, essa nadadora americana se tornou a primeira mulher a atravessar a nado o Canal da Mancha, um trecho do Atlântico Norte que separa a ilha da Grã-Bretanha do continente europeu, entre a Inglaterra e a França. Na época, a travessia era considerada um dos maiores desafios atléticos do mundo. Agora, ela ganha uma cinebiografia que está disponível no serviço de streaming da Disney.
Trudy, como era carinhosamente chamada, nadou 56 quilômetros em 14 horas e 31 minutos, superando em quase duas horas o recorde anterior, do argentino Enrique Tiraboschi. Na época, apenas cinco homens tinham conseguido realizar a travessia, e nenhuma mulher sequer havia tentado. O recorde de Trudy permaneceu imbatível por 35 anos. Há quase um século, essa conquista transformou a percepção do que era possível para as mulheres no esporte, pavimentando o caminho para a profissionalização das atletas femininas.
Apesar de extraordinária, a façanha foi apenas uma entre muitas em sua carreira. Ao longo da vida, ela se destacou como uma das principais referências no estilo crawl, que até então era pouco praticado pelo sexo feminino. Entre 1921 e 1925, Trudy quebrou 29 recordes nacionais e mundiais, sete deles em uma única tarde, em 1922, enquanto nadava em Brighton Beach, Nova York. Exatamente 100 anos atrás, na segunda edição dos Jogos Olímpicos de Paris de 1924 – que também foi a sede da última edição das Olimpíadas – ela conquistou três medalhas: ouro no revezamento 4×100 metros livre, e bronze nas provas de 100 metros livres e 400 metros livres.
Embora hoje quase ninguém conheça sua história, um novo filme pode reintroduzi-la ao grande público. A Jovem e o Mar narra a trajetória de Ederle, desde sua sobrevivência ao sarampo na infância até a audaciosa quebra das convenções de gênero da época, ao mergulhar em uma piscina e transformar a história da natação.
O filme é estrelado por Daisy Ridley, conhecida por seu papel como Rey Skywalker na nova trilogia de Star Wars, e produzido por Jerry Bruckheimer, cujos créditos incluem filmes como Top Gun: Maverick e a franquia Piratas do Caribe. “O triunfo de Trudy foi mundialmente reconhecido, mas acabou se perdendo no tempo”, disse Bruckheimer à VEJA. “Gostamos de fazer filmes sobre pessoas que realizaram feitos extraordinários, mas que, infelizmente, foram esquecidas e merecem ser lembradas. Essa é uma maneira de educar e entreter o público”.
A produção foi dirigida por Joachim Rønning, conhecido por trabalhos como Malévola e Kon-Tiki, o primeiro filme norueguês a ser indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro. A cinebiografia de Trudy representou um desafio à parte para Rønning, levando quase uma década para ser concluída, com cenas de natação reais filmadas nas águas geladas da Bulgária. “Fiquei muito feliz por termos conseguido realizar este filme”, comentou ele em entrevista. “Este é o tipo de projeto que, infelizmente, é muito difícil de produzir em Hollywood. Mas estou muito contente de poder compartilhá-lo com o mundo. Acho a história inspiradora; foi assim que me senti quando a ouvi pela primeira vez.”
Ederle entrou para a história conquistando o que parecia impossível naquele longínquo 6 de agosto de 1926. No entanto, a façanha teve um custo: ela sofreu lesões nas costas e perdeu a audição. Após sua conquista, a atleta se aposentou da natação competitiva e dedicou o restante de sua vida a ensinar crianças surdas a nadar. Trudy faleceu em 2003, aos 98 anos, praticamente esquecida, mas com o inegável mérito de ter mudado a história do esporte feminino.