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Hugo Calderano, o brasileiro na briga pelo pódio olímpico no tênis de mesa

Carioca de 27 anos tem chance de medalha nos Jogos de Paris, em um esporte historicamente dominado por chineses, e aposta na força mental para vencer

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 jun 2024, 08h00

A origem do tênis de mesa, o velho pingue-pongue revestido de regras mais rígidas, tem suas raízes fincadas na Inglaterra da era vitoriana. Foi lá, em meados do século XIX, que a aristocracia, já afeita ao tênis, começou a cultivar o rito de finalizar os jantares dividindo a mesa com objetos e improvisando a raquete com livros e caixas de charuto — a bolinha era a de golfe, outra atividade da qual os mais abastados gostavam. A moda pegou mundo afora, mas foi na China, em plena revolução comunista, que a brincadeira inglesa se disseminou sob o impulso do patriotismo. Era algo pouco custoso e, aos olhos de Mao Tsé-tung (1893-1976), ajudava a esculpir a forma física de potenciais soldados, daí o líder ter feito da prática um “esporte nacional”. Com montanhas de iuanes (a moeda local) investidos e milhões de adeptos, não deu outra: os chineses se tornaram soberanos nos pódios olímpicos, lá aonde quer subir o carioca Hugo Calderano, 27 anos, que sonha romper com o reinado oriental. Sim, ele tem chance de medalha nos Jogos de Paris.

A trajetória olímpica de Calderano começou em 2016, no Rio, sem muito brilho, mas seguiu ascendente em Tóquio — ali, em 2021, virou o primeiro brasileiro (e latino-americano) a alcançar as quartas de final. Agora, está em sua melhor forma, oscilando posições entre os dez melhores do mundo nos últimos sete anos. Ele figura neste momento em sexto no ranking global, mas o dado que mais chama a atenção dos observadores de plantão é a extraordinária marca recém-cravada no Mundial da Coreia do Sul: terminou como o único não chinês a chegar às semifinais na história do campeonato, o mais relevante da categoria. Para se destacar, deu raquetadas certeiras contra pesos-­pesados que parecem deslizar sobre a mesa de 2,74 metros de comprimento e 1,5 metro de largura. “Você não precisa ser melhor que eles para vencê-­los, mas estar em excelente forma e manter concentração total”, disse Calderano a VEJA.

De fala tranquila, o atleta nascido no bairro do Flamengo ganhou familiaridade com a bolinha bem cedo. Filho de professores de educação física, aos 2 anos já era estimulado pelo pai a manusear a pequena raquete emborrachada. Aos 8, foi jogar vôlei no Fluminense. Ingressou até na seleção mirim do Rio e, em paralelo, disputava competições de salto em distância, mas não deixou o pingue-pongue, que adorava. Mais velho, na hora de escolher, abraçou de vez o tênis de mesa. Não foi só porque, mesmo com seu 1,82 metro, se sentisse baixo para o vôlei, mas por encontrar na velocidade das raquetes algo que lhe serve de combustível. “O tênis de mesa sempre me estimulou por me fazer exercitar, no limite, o lado físico e o mental ao mesmo tempo”, explica ele, ex-aluno do tradicional Colégio Santo Inácio, que, aos 14, se mudou para São Caetano (SP) com o avô, para treinar num centro que reunia os melhores do Brasil na modalidade.

Abrindo mão da faculdade, aos 18 tomou a radical decisão de ir morar na cidadezinha de Ochsenhausen, a pouco mais de uma hora de Munique, onde fica um núcleo de treinamento que é referência mundial — tanto assim que centenas de asiáticos fazem preparação pelas bandas de lá, alimentados pela alta competitividade da Liga Alemã. Os que colhem sucesso precisam aliar à elevada resistência muscular e cardiorrespiratória uma afiada capacidade de tomada de decisões. “São tempos de reação curtíssimos. É preciso decidir o que fazer com a bolinha em milésimos de segundo, o que produz um imenso desgaste mental”, diz o especialista Miran Kondric, da Universidade de Liubliana, na Eslovênia.

LANCE POLÍTICO - Mao: tênis de mesa virou esporte nacional na China
LANCE POLÍTICO - Mao: tênis de mesa virou esporte nacional na China (Bettmann/Getty Images)
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Os treinos para Paris consomem até dez horas diárias, mas há exercícios que Calderano faz à parte, no tempo livre, que mantêm sua mente em constante ação. O cubo mágico ele resolve em piscar de olhos, e ainda é craque no xadrez. Fala espanhol, inglês, francês e alemão fluentemente e se vira em italiano e chinês. “Gosto de aprender línguas”, diz. Tem inteligência reputada. “Calderano consegue jogar agressivamente, mas também controlar o jogo por conta da cabeça boa”, afirma Hugo Hoyama, outro brasileiro que se lançou ao tênis de mesa, hoje longe das bolinhas. Em Atlanta, em 1996, chegou às oitavas de final.

Investimentos recentes da Confederação Brasileira do esporte ajudaram a ampliar os campeonatos locais e o número de filiados, 8 000 em todo o país, um recorde. A organização toca um programa que garimpa talentos, o Diamantes do Futuro, justamente de onde emergiu Calderano, que foi se profissionalizando. “Aqueles que percebemos que serão atletas de destaque passam a um outro plano, recebendo bolsas para participar de eventos internacionais e toda a estrutura”, explica Alaor Azevedo, presidente da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa e vice-presidente da Federação Internacional de Tênis de Mesa. Na capital francesa, haverá ao todo nove brasileiros na briga, cinco homens e quatro mulheres — entre as quais a catarinense Bruna Alexandre, 29 anos, que, com um braço amputado na infância, em decorrência de uma doença, concorrerá tanto nas disputas olímpicas como nas paralímpicas. No currículo, exibe dois bronzes no Rio e uma prata em Tóquio, as três em Paralimpíadas. “Quero mostrar que tudo é possível para pessoas com deficiência, somos iguais aos outros”, defende Bruna. Ao lado de Calderano, ela pretende fazer história, para espanto de muito poucos.

Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898

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