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Incríveis coincidências entre os Jogos parisienses de 1924 e os de agora

Elas mostram como, na França, tudo muda para ficar sempre igual — e fascinante

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 jul 2024, 22h52 - Publicado em 19 jul 2024, 06h00
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  • O Palais Bourbon, sede da Assembleia Nacional francesa, andava em polvorosa — até mesmo a figura pétrea de Napoleão a cavalo na batalha de Austerlitz, a emoldurar o frontispício do prédio de doze altivas colunas gregas, parecia incomodada. As eleições legislativas tinham levado ao semicírculo uma maioria de deputados de esquerda. Na marra, o presidente da República, atávico conservador, indicou um primeiro-ministro de direita, que não durou dois dias no cargo. A saída foi encontrar um nome nem tanto para cá, nem tanto para lá. O sol mal amanhecera na Place de la Concorde, ali onde está pousado o palácio e em 1789 havia uma guilhotina, e os parlamentares foram avisados de que o chefe de Estado renunciara — novas eleições presidenciais foram chamadas, e em seu lugar tomou assento, depois do voto popular, um sujeito à droite. Cabe um alerta, e que não se perca o fio da meada: não é a França de hoje, os personagens não são o premiê Gabriel Attal e o presidente Emmanuel Macron, tampouco Jordan Bardella, da extrema direita, ou Jean-Luc Mélenchon, da esquerda mais radical. Era junho de 1924, há exatos 100 anos. E para quem duvida da máxima de Karl Marx — “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa” — é bom pôr as barbas de molho. Alguma dúvida das coincidências? Naqueles dias de um século atrás, a cidade se preparava para abrigar a Olimpíada, a oitava da Era Moderna.

    Pois é. Tudo igualzinho a 2024, sem tirar nem pôr — ou quase —, em analogia interessante demais para ser desdenhada. Vive la France! “Estaremos prontos para os Jogos?”, indagava na manchete o Le Petit Journal. “Um horror”, reclamava um cidadão ouvido pelo La Patrie a respeito da multiplicação exorbitante dos preços dos ingressos. Os donos de hotéis e restaurantes eram acusados de avareza, ao cobrar o impossível pela comida e por quartos minúsculos e calorentos, em um verão canicular. Temia-se o trânsito de carros e charretes. Os sindicatos de condutores de transportes públicos ameaçavam greve.

    FESTA - Cerimônia de abertura: a pompa em Colombes
    FESTA - Cerimônia de abertura: a pompa em Colombes (Keystone/Hulton Archive/Getty Images)

    O torneio fora quase uma imposição de um certo barão Pierre de Coubertin, parisiense de nascimento. A cidade tinha abrigado a Olimpíada de 1900, mas esta fora ofuscada pela Exposição Universal. Na segunda chance, seria diferente, com a criação da primeira vila de atletas, um desfile de abertura grandioso no moderno estádio de Colombes e o despontar das primeiras estrelas brilhantes do esporte, a exemplo do nadador americano Johnny Weissmuller, o futuro Tarzã do cinema, e o extraordinário fundista finlandês Paavo Nurmi, que venceu as provas de 1 500 metros e 5 000 metros numa mesma tarde. Os uruguaios do futebol venceram todas as cinco partidas — e, campeoníssimos, deram uma volta em torno do campo, que dali para a frente seria olímpica.

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    ESTRELA - O americano Johnny Weissmuller: o Tarzã dos cinemas
    ESTRELA - O americano Johnny Weissmuller: o Tarzã dos cinemas (Bettmann/Getty Images)

    Tudo muito bonito e entusiasmante, não fosse a seriedade cartesiana da competição, um tanto apartada dos humores da Paris daquele tempo — não por acaso, muita gente pôs o pé na estrada naquele julho. Eram os “anos loucos”, como se diria depois. Tempo de hedonismo. De Ernest Hemingway e F.Scott Fitzgerald, de Picasso e Man Ray, de Henry Miller, da nudez provocante de Kiki de Montparnasse. O bairro de Montparnasse, aliás, recendia a “gasolina, café, álcool, suor, perfume, ambição, tabaco, poluição de cavalos e de motores, frivolidade, pólvora e sexo”, anotou um morador. Era toada que colidia com o conservadorismo retrógrado de Coubertin. O mundo precisava mudar e ele não queria. Para o cartola, ter mulheres numa Olimpíada era decisão “impraticável, desinteressante, inestética e, não hesitamos em acrescentar, incorreta”. Em 1924, foram 135 atletas do sexo feminino ante 2 954 homens. Agora, em Paris, um século depois, haverá igual quantidade delas e deles. Não há melhor exemplo da mudança de humores e de avanços, em 100 anos da aventura olímpica na cidade. Disse o escritor italiano Edmondo De Amicis, do final do século XIX: “Nunca vemos Paris pela primeira vez. Sempre a vemos de novo”. Por isso é fundamental beber do jazz de 1924 para entender os passos do breaking de 2024.

    Leia durante a olimpíada o blog 100 Loucos Anos, a costura dos Jogos de 1924 com os de 2024

    Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902

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