Lais Souza: “A esperança voltou”
A ex-ginasta comemora um novo passo na recuperação do acidente que a deixou tetraplégica
Estava em casa com minha namorada quando ela apertou minha mão e aconteceu algo que, para mim, foi de grande intensidade: senti a ponta do dedo anelar esquerdo. Não acreditei e tive medo de que aquele sinal tão raro dado por meu corpo desde que fiquei tetraplégica, em 2014, não se repetisse. Ficava testando, testando, e a sensibilidade continuava lá. E ainda está. Havia muito tempo que não tinha um progresso como esse, pequeno, é verdade, mas cercado de esperança. Uns anos atrás, senti a barriga e as costas, sem conseguir ainda movimentar nenhum membro, nada. Andava angustiada e desmotivada por trabalhar tanto para avançar — com fisioterapia, terapeuta — sem nunca mais ter colhido uma conquista como a de agora. Um dedo me fez acreditar que, quem sabe um dia, consiga voltar a mexer alguma parte, além da cabeça — que, aliás, vai muito bem.
Meu caso é grave. Tive fratura nas vértebras 2 e 3 da cervical e um esmagamento de medula. Ela ficou fininha, parecendo um papel. A sorte é que não rompeu. Eu estava nos Estados Unidos quando sofri o acidente que mudou tudo. Durante um treino, às vésperas de competir no esqui aéreo da Olimpíada de Inverno em Sochi, na Rússia, encarei uma pista de alta dificuldade. A descida estava tão rápida que olhei para trás e avisei Josi Campos, a atleta que treinava comigo: “Vem devagar”. Foi um segundo em que perdi o foco em meu exercício. Levantaram a hipótese de ter batido em uma árvore. Não sei. Só lembro que, já no chão, acordava e desmaiava. Gritava por ajuda e apagava. Quando me acharam na neve, estava com um esqui para um lado, fincado no chão, o outro na direção oposta, e o pescoço deslocado para a lateral. Era o começo de uma nova vida, que me exigiu muitas adaptações.
O esqui veio no fim da carreira de mais de duas décadas como ginasta, que incluiu a conquista de 53 medalhas e inúmeras participações em pan-americanos, mundiais e olimpíadas. Àquela altura, estava cansada, queria uma coisa diferente. Por isso, aceitei o convite da Confederação Brasileira de Desportos na Neve, deixando os tablados aos 25 anos. Passei a minha vida inteira na ginástica artística, onde comecei aos 4. Para minha mãe era ótimo: tinha energia demais para gastar e ali era um prato cheio. Ao longo de toda a carreira, sempre me diverti no esporte. Claro que ganhar é bom, mas o que me preenchia mesmo eram os treinos, a sensação de me superar, de evoluir e tentar alcançar o movimento perfeito. Essa lógica de atleta eu não perdi. A cobrança que me acompanhou até o acidente, apenas um ano depois de iniciar as competições na neve, seguiu intacta. O objetivo agora é fazer o máximo possível para chegar o mais longe que der.
Minha rotina é repleta de repetições voltadas para cuidar do corpo e da cabeça. Todos os dias faço de duas a três horas de fisioterapia. Trabalho glúteo e coxas, para ajudar na sustentação do corpo. Também exercito braços e pernas e chego a levantar pesos com o auxílio dos profissionais. Uso ainda um aparelho que me permite ficar de pé, posição em que é muito desejável estar de vez em quando para evitar uma série de complicações. Adoro a sensação de me levantar. Abraço minha namorada, faço brincadeiras, é como se estivesse dançando. Gosto também de ficar na minha altura real, olho no olho com as pessoas — tudo isso contribui para a autoestima. Pelo menos uma vez por semana, vou a sessões de terapia. Na casa onde moro, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, pinto quadros. Já quando saio, vivo as dificuldades de qualquer cadeirante no Brasil: calçadas esburacadas, falta de infraestrutura. Às vezes, passar tanto tempo na cadeira de rodas me deixa angustiada. São longos períodos sem ver uma evolução palpável. Aí assisto a vídeos das sessões de fisioterapia comparando passado e presente e percebo que estou menos rígida e mais forte. Acompanho atenta os avanços velozes da ciência e da tecnologia com bastante otimismo, sonhando que um dia recuperarei algum movimento. Vocês não imaginam o que esse dedo na mão esquerda que não paro de sentir significou para mim.
Lais Souza em depoimento a Valentina Rocha
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968
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