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O que o promotor que instaurou a torcida única acha da tragédia de Recife

O promotor Paulo Castilho defende que a torcida única reduz a violência, mas alerta que só ela não basta; punição e identificação rigorosa são essenciais.

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 fev 2025, 08h00

O episódio de violência entre as torcidas organizadas de Santa Cruz e Sport, no sábado (1º), reacendeu o debate sobre medidas de segurança nos estádios brasileiros. Horas antes do clássico pernambucano, diversos bairros do Recife foram palco de confrontos brutais entre torcedores, resultando em ao menos 13 feridos e 14 presos. Vídeos registraram cenas chocantes, incluindo espancamentos, depredação e agressões extremas. Em resposta, o governo estadual proibiu a presença de torcedores nos cinco jogos seguintes dos dois clubes, mas a decisão foi derrubada pela Justiça, que determinou a adoção da torcida única nos próximos clássicos em Pernambuco.

Mas será que essa medida, adotada em São Paulo desde 2016, pode realmente conter a violência? Para discutir o impacto da torcida única e as soluções para o problema, VEJA entrevistou Paulo Castilho, promotor de Justiça responsável por implementar a restrição em clássicos paulistas. Com mais de 20 anos de atuação no combate à violência nos estádios, ele avalia o caso de Recife e aponta caminhos para o Brasil enfrentar esse desafio.

Os episódios de violência em Recife demonstram um problema pontual ou indicam uma falha estrutural na segurança dos estádios no Brasil?

Paulo Castilho – O que aconteceu em Recife não é um caso isolado e muito menos uma questão meramente esportiva. É um problema grave de segurança pública, que envolve criminosos infiltrados nas torcidas organizadas. Se olharmos o histórico da violência no futebol brasileiro, veremos que há uma repetição desses episódios sempre que medidas realmente eficazes não são implementadas.

A falha estrutural está na falta de identificação e punição dos infratores. Hoje, um torcedor envolvido em atos violentos pode simplesmente sair do estado e continuar frequentando jogos em outro lugar sem ser barrado. Não existe um sistema unificado de controle, e isso compromete qualquer estratégia de segurança.

O senhor acredita que a torcida única poderia ter evitado os confrontos no Recife?

Paulo Castilho – A torcida única é uma ferramenta de contenção da violência dentro e no entorno imediato dos estádios, mas ela sozinha não resolve o problema. O que vimos em Recife foi um confronto que aconteceu antes da partida, em diferentes pontos da cidade, o que mostra que a violência já estava programada independentemente da configuração do estádio.

O que posso afirmar, com base nos números, é que a torcida única reduziu a violência em cerca de 95% a 97% nos clássicos paulistas desde sua implementação. Antes da medida, era comum vermos depredação no transporte público, batalhas campais em avenidas e até homicídios em dias de jogo. Com a adoção da torcida única, esse cenário mudou completamente. Hoje, não há mais grandes confrontos dentro ou nos acessos aos estádios de São Paulo.

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Para Pernambuco, a torcida única pode ajudar a reduzir a violência dentro dos estádios, mas se não houver cadastramento obrigatório, reconhecimento facial e punição rigorosa, as brigas continuarão acontecendo em outros lugares.

Então o modelo de torcida única deve ser expandido para outros estados ou há alternativas mais eficazes?

Paulo Castilho – Em clássicos de alto risco, a torcida única deveria ser a regra, como já acontece em São Paulo. Tivemos exemplos trágicos de emboscadas e mortes em jogos como Palmeiras x Cruzeiro e Atlético-PR x Cruzeiro. No Rio de Janeiro, uma torcedora do Palmeiras morreu após ser atingida por uma garrafa em um jogo contra o Flamengo. Se aquele jogo tivesse sido com torcida única, essa morte não teria acontecido.

Agora, a torcida única não pode ser a única solução. O Brasil precisa de um sistema de identificação rigorosa dos torcedores, semelhante ao que acontece na Europa. Em países como a Inglaterra, torcedores banidos não entram mais nos estádios, e isso é monitorado de forma eficiente. Aqui, sem um cadastro nacional, a punição não funciona.

Clubes e federações alegam que não são responsáveis pela violência das torcidas organizadas. Isso é verdade ou eles também têm culpa?

Paulo Castilho – Clubes e federações não só podem como devem ser responsabilizados. Hoje, algumas agremiações continuam dando ingressos, espaços e apoio para torcidas organizadas que já foram flagradas em atos violentos. O que elas alegam é que essas torcidas também têm membros pacíficos – e isso é verdade –, mas o problema é que, dentro delas, há criminosos que continuam agindo impunemente.

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Se os clubes quisessem mesmo combater essa violência, eles deveriam exigir cadastramento obrigatório de seus torcedores. O futebol brasileiro precisa adotar esse tipo de controle.

O que falta para o Brasil resolver o problema da violência entre torcidas?

Paulo Castilho – Vontade política para aplicar a lei. Temos leis para punir crimes como homicídio qualificado, formação de quadrilha, lesão corporal, dano ao patrimônio público. O que falta é fazer com que esses criminosos sejam de fato responsabilizados.

Além disso, precisamos de um plano nacional de combate à violência nos estádios, que não dependa da troca de governos. Hoje, o que acontece é que, quando há um episódio grave de violência, se forma uma comissão, fazem-se promessas, e depois tudo volta ao normal. Isso não pode continuar.

Se São Paulo conseguiu reduzir drasticamente a violência nos estádios, outros estados também podem. Mas isso exige comprometimento, tecnologia e um plano eficiente, e não apenas medidas paliativas que perdem força com o tempo. O Brasil precisa tratar esse problema com a seriedade que ele exige.

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