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Petrodólares no futebol: o plano saudita para limpar a imagem do país

MBS, o príncipe no comando, usa o esporte para incrementar 'soft power' de um lugar onde direitos humanos são afrontados e dissidentes, assassinados

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h30 - Publicado em 18 jun 2023, 08h00

Fundado em 1932, o Reino da Arábia Saudita passou quase toda a sua existência fechado em si mesmo, limitando os contatos com o mundo exterior às questões referentes ao petróleo, do qual é o segundo maior produtor (atrás dos Estados Unidos) e o maior exportador. Não mais. Por obra e graça do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o notório MBS, detentor de fato do poder em um regime explicitamente autocrático, uma enxurrada de petrodólares vem sendo usada para dar, tanto ao país quanto ao próprio príncipe, uma cara nova, mais moderada e aberta à modernidade. Por enquanto, o foco dos investimentos para incrementar o chamado soft power saudita é o esporte e, dentro dele, o futebol (quem não se lembra da seleção local vencendo de virada a Argentina no início da Copa do Mundo do Catar?). Neste mês, o Ministério dos Esportes anunciou que o Fundo de Investimento Público (PIF, na sigla em inglês) adquiriu 75% do controle dos quatro maiores times e reservou 1 bilhão de dólares para atrair ao menos vinte jogadores estrangeiros da lista dos melhores do mundo.

O primeiro já chegou: Cristiano Ronaldo, em fim de carreira, joga desde janeiro pelo Al Nassr, contratado para duas temporadas por 200 milhões de dólares por ano (horas após o anúncio, o site do clube ganhou 2,5 milhões de seguidores). Em seguida, rendeu-se ao canto dos cifrões o atual detentor da Bola de Ouro, Karim Benzema, contratado pelo Al Ittihad. A Lionel Messi, “embaixador do turismo” da Arábia Saudita desde 2022, foi oferecido o dobro do que recebe Cristiano Ronaldo, mas o argentino resistiu à tentação e optou pelo Inter Miami. O PIF comprou ainda o Newcastle, da primeira divisão inglesa.

REFORÇO - Caça aos craques: ofertas de contratos milionários já garantiram a presença de Cristiano Ronaldo (à dir.) e Benzema em times sauditas
REFORÇO - Caça aos craques: ofertas de contratos milionários já garantiram a presença de Cristiano Ronaldo (à dir.) e Benzema em times sauditas (Yasser Bakhsh/Khalid Alhaj/Getty Images)

Tornar-se uma potência no futebol faz parte do projeto Saudi Vision 2030, lançado por MBS em 2016, que ambiciona diversificar a economia do país, reduzindo sua dependência da exportação de petróleo, e fazer dele um dos principais centros políticos e financeiros do planeta. Investir em esporte, diversão e turismo entram nessa empreitada como ferramentas para varrer para debaixo do tapete o carregado histórico de abusos dos direitos humanos da Arábia Saudita, onde a homossexualidade é crime, as mulheres são submissas aos homens por lei, a liberdade de expressão é nula e a pena de morte é aplicada com assustadora frequência. Inclusive através de puro e simples assassinato: MBS é acusado de haver ordenado pessoalmente o sumiço do jornalista dissidente Jamal Kha­shoggi, sequestrado e esquartejado na Turquia em 2018.

Entre a população majoritariamente jovem (63% têm menos de 30 anos), grandes e chamativos eventos, além de bem recebidos, ajudam a gerar empregos — as vagas em clubes esportivos aumentaram 129% em três anos — e evitar turbulências internas. “Tudo que o governo não quer é ver grupos de jovens tomando as ruas e planejando derrubar a família real porque não quer uma vida diferente da do resto do mundo”, argumenta Simon Chadwick, autor de The Geopolitical Economy of Sport: Power, Politics, Money and the State.

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NO JOGO - Messi: ele preferiu ir jogar em Miami, mas segue como “embaixador”
NO JOGO - Messi: ele preferiu ir jogar em Miami, mas segue como “embaixador” (Yasser Bakhsh/Getty Images)

Indo além do futebol, a LIV Golf, torneio de golfe que o PIF criou em 2021 e que paga aos atletas prêmios estratosféricos, acaba de anunciar sua fusão com a megarrival PGA Tour, encerrando meses de hostilidades com um acordo que dá aos sauditas a palavra final na nova empresa. O fundo soberano tentou ainda, sem sucesso, comprar o campeonato de Fórmula 1 — em que a estatal de petróleo Aram­co já é uma das maiores patrocinadoras. “Eventos esportivos atraem turistas para conhecer o país e sua cultura”, diz Lujain Alotaibi, do Centro Rei Faisal para Pesquisa e Estudos Islâmicos. Fora da arena esportiva, o governo tem o hábito de oferecer viagens com tudo pago a influenciadores que falem bem da Arábia Saudita, abriu a capital para sediar grandes festivais de música e está erguendo uma megacidade de 500 bilhões de dólares no deserto. No jogo para polir a imagem do reino saudita, a bola segue rolando.

Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846

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