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Quem, afinal, foi o Barão Pierre de Coubertin?

O criador dos Jogos Modernos, parisiense de nascimento, já não pode ser celebrado como antes, dado o passado torto aos olhos de hoje

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jul 2024, 21h53 - Publicado em 21 jul 2024, 21h51

São 40 000 barreiras de metal que interrompem a passagem de todo cidadão, parisiense ou turista, que deseja chegar um pouco mais perto do Rio Sena, dos bouquinistes à margem da correnteza ou da Notre Dame ainda em obras. É preciso apresentar um QR Code solicitado pela internet, e não são poucos os que reclamam da instabilidade do sistema e da impossibilidade de conseguir o passe. Dezenas de estações de metrô e RER estão fechadas. A Avenue des Champs Elysées está coalhada de militares armados até os dentes. Os carros sumiram do asfalto. Os ônibus não circulam. O obelisco da Place de La Concorde divide a paisagem com arquibancadas. Um sujeito tenta tirar de um muro cartazes com denúncias contra a Rússia. Neles, vê-se a logomarca da Paris 2024, a moça à la garçonne, com as feições de Vladimir Putin.

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Nos muros: a logomarca da Olimpíada com as feições do neoczar russo Vladimir Putin  (//VEJA)

Para quem disse que sempre teremos Paris, como na famosa frase de Rick Blaine para Lund em Casablanca, um alerta: até pelos menos a próxima sexta-feira, 26, não haverá Paris como sempre houve. Policiais do interior do país, deslocados para a capital, têm dificuldade em dar orientações sobre os caminhos abertos, em eterno vaivém. A chamada zona cinza, de proteção contra possíveis atentados durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, virou terra de ninguém – de ninguém mesmo.

Cena do beijo final do filme
“Sempre teremos Paris”: ou quase sempre, a depender do caos a menos de uma semana da abertura dos Jogos (Popperfoto/Getty Images/VEJA)

A quem culpar por tanto incômodo? Os cidadãos de Paris reclamam. Muitos deixaram a cidade, como sempre fazem nos meses de férias de verão, especialmente agosto, mas agora a debandada começou um pouquinho mais cedo. Há quem aponte o dedo para o presidente Emmanuel Macron, que pretende fazer da Olimpíada seu palco iluminado. Mas, calma, ele tem responsabilidade por um outro nó, o político, com a crise instalada depois da dissolução da Assembleia Nacional, a falta de uma maioria absoluta de deputados e o impasse na escolha do futuro primeiro-ministro. Bem, se Macron pode tirar o corpo fora, para quem sobraria?

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Para um outro cidadão francês, parisiense de escol, o homem que entrou para a história por uma única frase: “o importante não é vencer, mas competir”. Pierre de Frédy, nascido em 1863 no coração de uma família aristocrática, e que depois se auto intitularia Barão de Coubertin, ficou conhecido como o pai da nova era do torneio, inaugurado em 1896. A frase mítica e envelhecida associada à paternidade da Olimpíada é o que restou do bigodudo, figura enigmática. Foi ele quem levou os Jogos para a cidade em 1900 e 1924 – e, de certa forma, iluminou o caminho para 2024. Dito de outro modo: não haveria o caos de agora não fosse ele.

Barreiras de metal ao redor da Torre Eiffel em Paris e o rio Sena: paisagem alterada para abertura dos Jogos Olimpíadas -
Barreiras de metal ao redor da Torre Eiffel em Paris e o rio Sena: paisagem alterada para abertura do dia 26 (Maja Hitij/Getty Images)

Mas quem, afinal, foi Coubertin, cuja história anda à sombra? Convém esmiuçar um pouquinho a trajetória do personagem, em alguns temas fundamentais. A edição de sábado do jornal esportivo L’Équipe pôs os pontos no i.

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Ele era misógino? Sim, como muitos de seu tempo. Coubertin escreveu bobagens machistas e outras mais sensatas. Em 1912, ele escreveu um artigo na publicação La Revue Olympique com uma afirmação bizarra: “Os Jogos Olímpicos devem ser reservados aos homens”. No atletismo, por exemplo, as mulheres só puderam participar a partir de 1928. Incoerente, em um mesmo artigo, de 1901, ele condenou a “tirania marital”, propondo resistência das mulheres, mas ressaltou também que o “papel da mulher no mundo é o mesmo que sempre foi: companheira do homem, futura mãe de família”.

Ele era racista? Em 1901, na American Monthly Review of Reviews ele não teve constrangimento em afirmar: “Sem naturalmente nos abaixarmos à escravidão ou uma forma amenizada de submissão, a raça superior tem razão em negar à raça inferior alguns privilégios da vida civilizada”. Contudo, apesar dessa postura absurda, do ponto de vista político foi moderado. Enquanto muitos de seus pares aderiram à extrema-direita representada pela Action Française do início do século 20, agremiação conservadora e antissemita, ele preferiu permanecer no centro. Contudo, numa mesma frase era capaz de denunciar “a influência do dinheiro dos israelitas” e o antissemitismo.

Ele apoiou Hitler? Sabe-se que Coubertin não esteve na Olimpíada de 1936, em Berlim, no tempo em que já não presidia o Comitê Olímpico Internacional. Mas se opôs ao boicote e, em 17 de março de 1937 escreveu uma carta a Adolf Hitler, dizendo sentir apreço e devoção pelo Führer, em documento de tom diplomático, mas inaceitável, aos olhos de hoje. Coubertin morreria em 1937, antes, portanto do início da guerra e da estúpida subida de tom do ditador nazista.

Pierre de Coubertin, figura fundamental do olimpismo, parece ter sido cancelado. Já não impõe o respeito do passado e o que ele pretendia para o esporte o mundo tratou de tirar de cena – por equivocado e preconceituoso. Claro, será um nome em voga nas próximas duas semanas, mas não como antes. E quem quiser criticá-lo, por ser o pai da ideia que virou Paris de cabeça para baixo, antes da inauguração da festa, tem em mãos um bom nome para bater. O importante não é só competir.

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