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Sem arrependimentos, Alexandre Pato encontra a paz na China

Atacante elogia a estrutura do país e de seu clube e revela detalhes de sua rotina. 'Falam muitas bobagens sobre a China. Quero ficar muitos anos mais'

Por Silvio Nascimento Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 fev 2018, 15h34 - Publicado em 16 set 2017, 10h11

Se não estiver jogando ou treinando pelo clube Tianjin Quanjian, talvez Alexandre Pato esteja provando iguarias locais (escorpião e cachorro jamais) ou jogando jiantzi, uma espécie de peteca, junto a chineses comuns pelas ruas da cidade de Tianjin, a cerca de 130 quilômetros de Pequim. Após anos vivendo em metrópoles como Milão, São Paulo e Londres, sempre trabalhando em clubes gigantes, o atacante de 28 anos topou a aventura de viver na China e atuar por um clube recém-chegado à primeira divisão. E não se arrepende: Pato diz estar muito satisfeito com sua nova vida na Ásia e adaptado aos costumes locais.

“Falam muitas mentiras sobre a China. Antes de vir, fiquei com medo do que ouvia, não sabia se iria me adaptar. Mas agora tenho vontade de ficar, quem sabe mais uns cinco anos”, contou o atacante, que tem contrato de três anos com o Tianjin. No ano passado, durante a disputa da segunda divisão, passaram pela equipe o técnico Vanderlei Luxemburgo, Luis Fabiano, Jadson e Geuvânio. Todos foram embora e atualmente os amigos mais próximos de Pato são os italianos da comissão técnica, comandada pelo ex-zagueiro italiano Fabio Canavarro, Bola de Ouro de 2006, seu vizinho de prédio.

Pato não sente solidão e a boa fase em campo contribui para a alegria: após um início cambaleante, ele já marcou 13 gols em 21 jogos e sua equipe, que estreou na elite em 2017, é a atual quarta colocada da liga chinesa. O desempenho já permite que sonhe com um retorno à seleção brasileira, ainda que isso pareça improvável, inclusive pela relação com Tite, de quem levou uma dura quando desperdiçou um pênalti de “cavadinha”, diante do Grêmio, em lance que praticamente sacramentou sua saída do Corinthians, em 2013.

Pato garante que não ficaram mágoas, nem de Tite, nem do Corinthians, que segundo ele será campeão brasileiro. Ele ainda fez previsões para São Paulo e Inter, revelou que teve uma proposta do PSG barrada por seu chefe no Milan (e, à época, sogro) Silvio Berlusconi e contou histórias divertidas sobre sua rotina em Tianjin.

Você tem marcado gols e sua equipe está bem na tabela. Acredita ser uma das melhores fases de sua carreira? Já tive ótimos momentos e esse aqui com certeza é um deles. Estou muito bem fisicamente e mentalmente, numa boa fase pessoal. Acabo de completar 28 anos e tenho uma maturidade que me ajuda a ver as coisas com pontos de vista diferentes, dentro e fora do campo.

O nível da liga te surpreendeu? É óbvio que não tem o mesmo nível e a tradição de futebol da Europa ou do Brasil, mas aqui tudo está mudando rapidamenteÓtimos jogadores têm vindo, os investimentos são grandes. Quando cheguei, muitos diziam que seria fácil jogar, mas não é tão simples assim. Já vi progressos impressionantes nestes cinco meses aqui e ainda há muito a melhorar.

Nos últimos anos, você passou por cidades como Milão, São Paulo e Londres. Como foi chegar à Tianjin? O impacto inicial é sempre muito estranho, muita gente nas ruas, a língua é um problema sério.. (risos). Mas logo se percebe que aqui há muita coisa para fazer, o futebol e muitas outras áreas de negócios estão crescendo. A cidade é superbonita e bem organizada.

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Como é a sua rotina em Tianjin? Quando o treino é à tarde, acordo e às vezes vou à academia, passeio pela cidade. E quando o treino é de manhã, descanso à tarde, e depois dou uma passeada, janto e durmo. Sou um cara curioso, gosto de conhecer o lugar onde vivo. Viajo muito, conheço os monumentos, os bairros típicos, gosto de experimentar a comida chinesa. Às vezes jogo jiantzi, uma espécie de peteca, sou bom no tênis de mesa… E até uso as redes sociais chinesas.

Já se arrisca em mandarim? (risos) Falo ni hao (olá), xie xie (obrigado)… Aprendi algumas palavras para sobreviver no restaurante ou no táxi. Mas a língua é muito difícil para aprender em pouco tempo. Temos vários tradutores que nos ajudam no trabalho, mas fora do campo, eu tento fazer tudo sozinho.

E a culinária? Já comeu escorpião? Não, essas coisas não são para o meu estômago  (risos).  Mas aprendi a comer coisas como bambu, a comida dos pandas, e é muito bom. Tem pãezinhos tradicionais, tenho comido muito noodles (tipo de macarrão). A culinária chinesa é fantástica.

E carne de cachorro? Falam disso, mas nunca vi nem soube. Se tiver por aí, não é fácil de encontrar fácil. Acho que as pessoas falam muito da China sem conhecer. Antes de vir, fiquei com medo do que ouvia, não sabia se iria me adaptar. Mas agora dá vontade de ficar, sei lá, quem sabe mais uns cinco anos. É bom, moro bem, tem tudo o que preciso, a comida é boa, o povo é supereducado, dá para ir a Shangai, Pequim, Hong Kong, o transporte público funciona tranquilamente. Quem não conhece, deveria conhecer.

Mas a cultura é muito diferente. Já pagou algum mico? Olha, tentei cantar uma música em chinês e não me perdoaram, cantei tão mal que foi gozação sem fim. Um dia eu estava jantando e saiu da cozinha um funcionário do restaurante sem camisa, e começou a passar a mão embaixo do braço. O tradutor disse que era o chef do restaurante e ele estava sem camisa porque era muito quente na cozinha. Foi uma situação engraçada.

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Seus pais estão passando um período com você. Sente muitas saudades do Brasil? Estou muito feliz com a visita deles, vão passar uns dias aqui. Fui feliz nos três anos que joguei no Brasil, gostei de tudo no Corinthians, no São Paulo. Mas também encontro de tudo aqui na China. Arroz e feijão é mais difícil, mas a gente se vira. Estou muito contente, o clube me dá tudo que preciso, sou feliz dentro e fora de campo. O que ficou no Brasil é o meu carinho pelos clubes.

Ainda acompanha o futebol brasileiro? Lógico, sempre, e espero que meus ex-times fiquem bem. O Corinthians é muito forte e está encaminhado para ser campeão, e o São Paulo quero que saia desse momento crítico e volte a ser o grande time que sempre foi. E espero que o Inter volte logo à primeira divisão porque é o clube no qual cresci e pelo qual tenho muito carinho.

Considera ter deixado uma boa imagem no Brasil após suas últimas passagens? O torcedor brasileiro se acostumou com grandes ídolos, como Ronaldo e Romário… e ele espera sempre muito dos jogadores de ataque, só que cada um tem sua característica. Mas recebi muito carinho no Brasil, tanto de corintianos como de são-paulinos… Também passei momentos difíceis no Corinthians, nem todos gostavam de mim, mas até hoje muitos me tratam bem. No São Paulo fui muito bem recebido, sempre me trataram com carinho. Mas acho que o torcedor brasileiro, em geral, apoia muito no momento bom, mas nem tanto no ruim.

Nos outros países não é assim? Na Itália, eles idolatram o jogador pelo que ele é. Sempre que vou para lá eles se lembram dos meus gols, pedem para que eu volte. E na China é assim também, eles amam o futebol como o brasileiro, vão ao estádio, pulam, gritam… Mas apoiam sempre, mesmo na dificuldade. Tem diferenças, mas acho que o amor pelo time é o mesmo.

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Já recebeu vaias ou críticas da imprensa por aí? Não. Em geral, os chineses são críticos, mas apoiam muito. Meu time acabou de subir para a primeira divisão, o que já foi um grande feito, então recebemos muito apoio. Nos outros clubes até criticam, vaiam, xingam, o mesmo esquema do Brasil, mas não tem agressividade.

E o assédio nas ruas? Aqui é tranquilo, eles pedem foto, abraço, mas são muito educados. É como no Brasil, eles primeiro pedem foto e, se permito, aí vem todo mundo (risos). Mas é tranquilo.

Você dirige carro na China? Não, temos motorista. Não podemos dirigir porque as placas são em chinês, seria difícil andar.

Atualmente, muitos ex-companheiros seus jogam na China (Oscar, Renato Augusto, Gil, Hulk, Diego Tardelli, Alan Kardec, etc). Vocês se encontram com frequência? Conversamos, mas é difícil encontrar. Às vezes dá para se ver em Shangai ou em Pequim, mas é um pouco longe. Temos pouco tempo de folga. Converso mais com Gil, Tardelli, Kardec, mas não nos vemos muito.

E o Zizao, que foi seu colega no Corinthians? O “Zizão” está no Guangzhou R&F, já nos enfrentamos duas vezes.  Ele está bem, acho que aprendeu muito com a experiência no Corinthians, hoje está na seleção chinesa, os torcedores gostam dele.

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Apesar de ainda jovem, você vivenciou muitas situações importantes, dentro e fora de campo. Se arrepende de alguma escolha que fez? Acho que cada escolha que fiz foi no momento certo e em alguns casos não pude passar por cima dos meus chefes. Por exemplo, no Milan tive um período de lesões que me atrapalhou e nesse período eu poderia ter ido para o PSG, mas o (Silvio) Berlusconi não deixou. Depois escolhi voltar para o Brasil para retomar a confiança e estava bem no Corinthians até que houve uma reviravolta porque eu errei um pênalti…

No São Paulo as coisas melhoraram…. Sim, lá eu fui muito bem, depois fui ao Chelsea e não foi aquilo que eu esperava dentro e fora de campo. Depois veio o Villarreal, estava jogando, fazendo gol, mas apareceu a chance de vir para a China. Achei que era o melhor momento. No futebol nunca se sabe o que virá amanhã. Olhe o caso do Neymar: quem imaginou que ele deixaria o Barcelona, com Messi e Suárez? Fiz minhas escolhas e estou muito bem, hoje falam bem de mim novamente, sou bem tratado. Já tive alguns contatos da Europa… e no futebol não sabemos o que pode acontecer a cada seis meses.

Quando ainda pertencia ao Corinthians, você negou uma proposta do mesmo Tianjin, que seria muito vantajosa para o clube paulista. Por que não aceitou naquela ocasião? Porque aquele não era o momento certo para vir pra cá.

Aos 28 anos, qual o balanço que faz de sua carreira? Comecei com 16 anos e sempre tive altos e baixos, em todos os clubes e na seleção. Só no São Paulo estive sempre bem, mas infelizmente não conseguimos ser campeões. E  no Chelsea estive sempre mal, só joguei duas vezes. Mas posso falar que tive momentos mais altos do que baixos e sou jovem, ainda tenho uma carreira longa ainda.

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Pretende jogar mais quantos anos? Até uns 38. Vejo jogadores de 35 anos fazendo sucesso, jogando em alto nível. Basta querer, se preparar, alimentar-se bem, cuidar do tipo de repouso que terá, descansar. Hoje a parte física conta muito e só depende do jogador.

Como ficou a sua relação com o Tite após a passagem pelo Corinthians? É uma relação de muito respeito. Mandei uma mensagem de parabéns quando ele foi para a seleção e sempre tivemos uma amizade boa. Infelizmente aconteceu aquele episódio do pênalti contra o Grêmio, mas meu carinho e admiração por ele sempre vão existir. Desejo muita sorte a ele na seleção.

Ainda sonha com seleção? Claro, sempre foi meu sonho e agora voltou a ser um objetivo concreto. Estou trabalhando muito para voltar. No futebol atual há possibilidades para quem não joga no Brasil ou na Europa, temos alguns exemplos.  É um pouco mais difícil, mas não é impossível.

Alexandre Pato e Tite
Alexandre Pato e Tite durante treino no Corinthians (Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians)
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