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Tecnologia em campo: o 1º dia de aula de um árbitro de vídeo

Antes de o VAR estrear no Brasileirão, é preciso muito treino e estudo. Saiba como funciona o curso de capacitação da arbitragem promovido pela CBF

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 fev 2018, 12h17 - Publicado em 5 out 2017, 11h00
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  • “Não é a mais forte das espécies que sobrevive, nem a mais inteligente, mas a mais sensível à mudança.” A frase equivocadamente atribuída a Charles Darwin, o pai da teoria evolucionista, aparece no convite da Fifa enviado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e aos 64 juízes e auxiliares que participam do primeiro curso de capacitação para árbitros assistentes de vídeo (VAR, na sigla em inglês) no Brasil. O treinamento, que acontece em um resort em Águas de Lindóia (SP) até o próximo dia 11, foi antecipado pela CBF depois que um gol de braço marcado pelo corintiano Jô reforçou a urgência do auxílio tecnológico no esporte. Mas apesar do clamor popular e da pressa do presidente Marco Polo Del Nero, a entidade percebeu que a adoção do VAR, ainda que prevista no regulamento do Brasileirão de 2017, não poderia ocorrer da noite para o dia. Além de caro, o processo é complexo.

    “O árbitro de vídeo tem de ter 100% de certeza para tomar uma decisão. Ter 90% não basta”, afirmou o ex-juiz Manoel Serapião Filho, principal instrutor do curso, durante aula na última segunda-feira. Os árbitros e assistentes foram divididos em quatro grupos de 16 e passarão três dias de intenso estudo na adaptação à nova ferramenta.

    Curso de árbitros de vídeo da CBF em Águas de Lindóia (SP)
    Descontração: árbitros batem bola (Luiz Castro/VEJA.com)

    Os apitadores de elite, como Héber Roberto Lopes, Jean Pierre Gonçalves de Lima e Dewson Freitas, demonstraram entusiasmo durante as aulas teóricas e práticas. E também no pitoresco momento em que foram a campo para bater bola e simular situações espinhosas para o VAR. “Chega de brincadeira, isso aqui é coisa séria”, lembrou o disciplinador Dewson diante do excesso de firulas dos colegas.

    A mesma empolgação se via nos jovens da equipe do Brasilis FC – clube criado por Oscar, ex-zagueiro da seleção brasileira e dono do espaçoso resort onde o curso acontece – que servem de “cobaias” para os experimentos da CBF. Os atletas, inclusive, foram orientados a complicar ao máximo a vida dos juízes durante as aulas, com simulações de falta e até gols de mão… Tudo para testar a capacidade de decisão dos juízes de vídeo.

    Protocolos e prazos

    Sérgio Corrêa, líder do projeto de árbitro de vídeo no Brasil, ressalta que a entidade brasileira foi uma das primeiras a levar o projeto do árbitro de vídeo à Fifa. Na decisão do Campeonato Carioca do ano passado, foi realizado o primeiro experimento no país, com o VAR “off-line” – os árbitros tiveram acesso a um simulador, mas ainda não estavam autorizados a se comunicarem com o juiz de campo. Na decisão do Campeonato Pernambucano deste ano, o árbitro de vídeo foi usado de forma efetiva pela primeira vez no Brasil e causou bastante controvérsia – assim como na estreia internacional, no Mundial de Clubes da Fifa do ano passado. “Alguns erros nos primeiros testes assustaram um pouco a CBF”, confessou Serapião, justificando o atraso na adoção do projeto. A comissão de arbitragem, então, decidiu que os apitadores precisariam de treinamento específico para não aumentar a insatisfação geral.

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    “O árbitro de vídeo atuará dentro de um protocolo com limites rígidos que não podem ser ultrapassados”, avisa Serapião. Seguindo as normas da International Board, o VAR só poderá intervir em quatro situações: lances de gol; lances de pênalti; cartão vermelho ou amarelo; e erro na identificação dos jogadores. Todos os envolvidos no treinamento repetem, com os mais variados termos, uma espécie de mantra: o VAR não erradicará todos os maus do futebol, mas diminuirá os erros grosseiros e decisivos. Serapião rebateu com firmeza o principal argumento dos críticos do VAR, incluindo diversos treinadores e atletas ao redor do mundo: o de que jogo ficará muito tempo parado e perderá emoção. “Nossa preocupação é justamente que o jogo não seja seccionado. Por isso, o protocolo se limita a lances claros e indiscutíveis e não de interpretação. Não queremos o árbitro de vídeo apitando as partidas.”

    Serapião explica qual deve ser o procedimento nos lances mais complicados – como por exemplo, os de impedimento, para o qual os auxiliares de campo receberam uma orientação. “Criamos o princípio da convicção absoluta: se o assistente não tiver certeza, é melhor esperar. Melhor que saia o gol e depois, se houver impedimento, ele será anulado.” A CBF diz não ter um prazo para estrear o VAR no Brasileirão, pois isso depende mais de questões financeiras e técnicas, como a compra dos equipamentos de transmissão, do que dos treinamentos. “O fato é que estamos capacitando os árbitros e quando o processo se iniciar, estaremos prontos”, garante Sérgio Corrêa.

    Como funciona a tecnologia

    Nos testes no interior paulista, os árbitros se revezam em três posições: cabine off-line, cabine on-line e, claro, o campo. Na primeira, os juízes apenas assistem aos lances da partida e se acostumam à posição e função das câmeras (devem ser no mínimo sete), enquanto na mesa ao lado os VARs treinam para valer, se comunicando sempre que preciso com o árbitro de campo. Cabe ao VAR solicitar ao operador de vídeo o replay de um lance, jamais o contrário. Como ocorre no gramado, há nas cabines um árbitro de vídeo principal (responsável por avaliar faltas, bola na mão, etc) e um auxiliar (atento a impedimentos e se a bola ultrapassou a linha de gol).

    O árbitro principal também terá uma televisão à disposição na beira do gramado caso queira checar um lance. Se nenhuma das sete câmeras for conclusiva, será mantida a primeira decisão do juiz de campo. Seguindo os protocolos da Fifa e como já ocorre nas principais ligas europeias, as imagens analisadas pelos árbitros de vídeo deverão ser geradas pelas TVs responsáveis pela transmissão oficial, idênticas às que o telespectador tem acesso.

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    As cabines do VAR, no entanto, não deverão ser montadas nas tribunas de imprensa, mas em um contêiner do lado externo dos estádios. Uma curiosidade: ao menos por enquanto, os árbitros de vídeo devem usar uniforme idêntico ao dos de campo, incluindo meião (levantado). Apenas a chuteira de cravo pode ser substituída por tênis.

    Árbitros tem dois monitores para acompanhar os lances
    Árbitros tem dois monitores para acompanhar os lances (Rafael Bertanha/Futura Press/Divulgação)

    ‘Para, checando, gol’… Linguagem deve de ser clara e direta

    Ana Paula de Oliveira, ex-bandeirinha que ganhou fama na década passada ao trabalhar na elite do futebol brasileiro, é hoje coordenadora nacional de instrução de arbitragem da CBF. Bastante ativa durante as aulas, ela explica aos alunos a importância da comunicação entre os juízes. “No começo, a grande dificuldade era acertar a linguagem e a comunicação oral e corporal. Eles aprendem que é preciso usar palavras-chave, como ‘para’, ‘checando’, ‘siga’, ‘gol’, ‘impedimento’ e ‘pênalti’. E controlar a ansiedade”, conta Ana Paula, que pendurou a bandeira há quase dez anos.

    Para conter o ímpeto dos árbitros de ficar “apitando o jogo” também na nova função, a CBF escalou duas psicólogas para marcá-los em cima. “O pilar mental é fundamental. O árbitro de vídeo deve estar tranquilo e controlar a ansiedade, porque só vai atuar no momento certo. Não adianta ficar gritando da cabine”, afirma o árbitro paraense Dewson Freitas, que faz parte do quadro da Fifa. Ele disse estar feliz com a iniciativa, mas acredita que nenhum dos participantes preferirá atuar como árbitro de vídeo. “Creio que ninguém vá abrir mão do campo.”

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    Possibilidade de alongar a carreira

    Apesar de estarem treinando todos os seus melhores árbitros e assistentes de campo para a nova função, inclusive alguns jovens, a CBF acredita que, quando o VAR estiver consolidado no país, a tendência é que profissionais prefiram se especializar no apito tecnológico. “No passado, os árbitros trabalhavam como assistentes e vice-versa, o que já não ocorre mais. Acredito que o mesmo acontecerá com o árbitro de vídeo, ele será exclusivo”, diz Serapião. Ana Paula levanta outra questão relevante e acredita que o novo emprego deva ser ocupado por ex-árbitros.

    “Todo mundo se preocupa com o pós-carreira dos árbitros. Entendo que esses profissionais que construírem uma carreira dentro de campo e se destacarem nessa nova função, poderiam continuar exercendo a função como árbitro de vídeo. É uma opinião pessoal: creio que o VAR pode representar um prolongamento na carreira dos árbitros.” Com bom humor, Serapião confirmou a possibilidade de árbitros aposentados trabalharem nas cabines: “Para ser árbitro de vídeo há um único pré-requisito: enxergar bem.”

     

     

     

     

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