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Um recorde olímpico: os imóveis alcançaram valores inéditos em Paris

Os Jogos nem começaram, mas o fenômeno estimula os locais a alugar suas casas e sair de férias

Por Mafê Firpo e Sara Salbert
Atualizado em 3 jun 2024, 16h57 - Publicado em 11 Maio 2024, 08h00
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  • Os parisienses estão habituados a organizar a vida em imóveis de área espremida, adaptação histórica a um fato que se faz agora presente com vigor renovado: o valor do metro quadrado na Cidade Luz está entre os mais elevados da Europa, quase sempre no topo de um ranking que castiga o bolso de quem resolve residir entre os encantadores bulevares e ruelas. Pois com a aproximação da Olimpíada, entre 26 de julho e 11 de agosto, as cifras imobiliárias alcançaram altitudes inéditas mesmo para esse mercado já movido a quantias que espantam os vizinhos, como Espanha e Alemanha. A disparada é retrato de um acentuado desequilíbrio na gangorra entre oferta e demanda — 15,3 milhões de turistas são aguardados para os Jogos, o equivalente ao que Paris recebeu em todo o ano de 2023, marca extraordinária que torna qualquer teto ultravalioso.

    Diante de tão extraordinária procura, os franceses se puseram a fazer conta (de multiplicar, claro) e concluíram ser para lá de vantajoso alugar suas casas e zarpar para outro canto da França, enquanto o mais encarecido ponto do planeta é tomado por uma multidão da qual também querem fugir. São muitos os termômetros que dão os contornos de uma inflação sem precedentes no profícuo setor, como o que recentemente mediu os preços em plataformas de aluguel de curta temporada, tipo Airbnb: a média de 232 euros a diária aumentou para 619, salto de 166% que, transposto para reais, dá uns 3 400, segundo a consultoria AirDNA. A pesquisa ressalta que, sob o impulso olímpico, os números já vinham galopando desde o fim do ano passado. Sem interesse em esportes nem ânimo ao vislumbrar um cenário de ruas abarrotadas, a diretora de elenco Julie Navarro, 49 anos, decidiu debandar da cidade e aproveitar a bonança imobiliária para tentar alugar seu apartamento de 95 metros quadrados em Pigalle, em frente ao Moulin Rouge, cabaré que sacudiu a boemia do século XIX, bem ao lado das competições de ciclismo. “O mês de agosto é calmo, vazio, todo mundo sai de férias, mas este ano será um inferno”, prevê ela, que vê amigos selando bons negócios e vai pedir 1 000 euros pela diária.

    VALE OURO - A parisiense Ana Toutain: sublocando seus 23 metros quadrados
    VALE OURO - A parisiense Ana Toutain: sublocando seus 23 metros quadrados (//Arquivo pessoal)

    Mesmo com cifras salgadas, o que faz muitos turistas percorrerem a via do aluguel é o avanço ainda mais surpreendente na diária dos hotéis: uma noite na temporada olímpica vai girar em torno de 700 euros, contra os 169 do julho que passou — isso acomodando menos gente do que num apartamento. No circuito das muitas estrelas, um quarto de 218 metros quadrados no Ritz, cercado pelo alto luxo da Place Vendôme, custa até inacreditáveis 53 000 euros (eram 40 000), ou cerca de 290 000 reais — um exemplo extremo, sem dúvida, porém ilustrativo de até onde alcança a estratosférica maré. Tantos zeros enchem os olhos dos locais, até da turma que não tem imóvel próprio e pensa em sublocar: uns fecham a transação no boca a boca, sem avisar o proprietário, outros combinam de rachar o lucro com o dono. “A chance de ganhar dinheiro com valores muito acima do normal me fez querer alugar meu apartamento, com a ciência do proprietário”, conta a relações-públicas Ana Toutain, 25 anos, que cobra 600 euros a noite por seus 23 metros quadrados.

    A gula dos locatários às vezes os obriga a calibrar a pedida. No nicho dos apartamentos amplos e bem localizados, 66% estavam por alugar até abril, daí o mercado ter se ajustado um pouco. Veterano de plataformas como Airbnb, o cineasta Hippolyte Dard, 49 anos, se viu tão deslumbrado com a farra dos preços que caprichou — queria 1 300 euros a diária por um quatro quartos na Praça da República. Como não apareciam interessados, bateu o martelo em 1 000 e se deu por satisfeito. “Fora dos Jogos, custa muito menos, uns 350 euros”, entrega, contando que terá como inquilino um atleta cujo nome não revela.

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    À BIENTÔT - Julie Navarro: plano é fugir da muvuca e alugar o apartamento
    À BIENTÔT - Julie Navarro: plano é fugir da muvuca e alugar o apartamento (//Arquivo pessoal)

    Um efeito colateral dessa festa à parte é a súbita escassez de ofertas para os próprios franceses, já que proprietários têm preferido não renovar contratos para explorar a raia dos preços olímpicos, voltada para estrangeiros. Como a lei do país tende a proteger inquilinos, alguns tentam reaver sua morada na Justiça, processos que se acumulam. A Agência Departamental de Informação sobre Habitação de Paris (Adil) constatou que cerca de 30% dos pedidos de rescisão não estão de acordo com as normas. “Uma noite na Olimpíada equivale a até 100% do valor mensal do aluguel, e os donos de imóveis querem lucrar com os Jogos”, resume Pierre-Louis Monteiro, representante da Adil.

    Os reflexos da Olimpíada se fazem sentir em outros departamentos da vida parisiense, como a entrada em museus. Para ver a Mona Lisa e fazer um passeio por toda a história da humanidade na vastidão do Louvre, o preço agora é 22 euros, ante os 17 de não muito tempo atrás. Nos Jogos, o metrô pulará de 2,10 para 4 euros, tema de acirrada controvérsia que, se bobear, pode insuflar um daqueles protestos com o típico furor local. Tudo isso pesa numa enquete na qual 47% da população diz que pretende sair temporariamente da cidade. Há muita gente irritada com o excesso de guindastes, tapumes e détours. A aposta é que a chama dos Jogos acabe lhes acendendo algum entusiasmo, mas, certamente, o que mais faz os franceses deixarem hoje de franzir a testa são os olímpicos preços do aluguel.

    Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892

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