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Vagner Mancini: ‘A Chapecoense é o maior desafio da minha vida’

Técnico foi o escolhido para guiar o renascimento do clube. E sonha com um 2017 brilhante para honrar o nome das vítimas do acidente, como o amigo Caio Jr.

Por Luiz Felipe Castro
Atualizado em 4 jun 2024, 20h40 - Publicado em 17 jan 2017, 10h25

Vagner Mancini, de 50 anos, se preparava para matar as saudades dos tempos de jogador, ao lado de amigos em Ribeirão Preto (SP), sua cidade natal, quando recebeu uma surpreendente ligação. “Topa dirigir a Chapecoense em 2017?” O treinador com passagem por grandes clubes como Grêmio, Santos e Cruzeiro, entre outros, não titubeou. Aceitou a missão de reerguer a equipe destruída pelo trágico acidente aéreo na Colômbia, no fim de novembro, sem perguntar sobre questões burocráticas e salariais. A VEJA, Mancini falou sobre a hercúlea missão de encontrar reforços que se encaixem no perfil e na realidade financeira da Chapecoense e em dar padrão a um time completamente novo. Mancini acredita que a torcida em breve voltará a sorrir na Arena Condá.

“Queremos nos fortalecer com tudo o que aconteceu. Não podemos contar com a tolerância de todos, temos de acelerar o projeto. Quem veio a Chapecó tem de estar decidido a fazer um grande ano.” Até o momento, a Chapecoense anunciou pouco mais de dez reforços, todos com perfis semelhantes aos dos 19 jogadores que morreram na mata colombiana. Mancini não dispensa a chegada de um craque consagrado, mas diz que todos têm de ter “a cara da Chapecoense” e se adequar ao teto salarial do clube – de 100.000 reais. O treinador agradeceu os clubes que ajudaram na reformulação de sua equipe e prometeu muita dedicação para honrar o pedido especial de duas senhoras de Chapecó. E já pensa – e sofre – até em como parar Messi, Neymar e Luis Suárez no Camp Nou.

Como aconteceu a oferta para o senhor ser o treinador da Chapecoense? Foi engraçado porque, no dia 6 de dezembro, eu estava numa academia da minha cidade, Ribeirão Preto, e um conhecido me perguntou: ‘Por que você não se oferece para ser técnico da Chapecoense?’ Não tinha pensado nisso, até então. Quando saí da academia, vi que o Levir Culpi tinha se oferecido e tirei isso da cabeça. Mas, no mesmo dia, fui jogar futebol com amigos e quando estava para entrar em campo, recebi uma ligação. Vi o prefixo 049, sabia que era de Santa Catarina e estranhei. Era o presidente Plínio De Nês Filho  me dizendo que eu era um dos nomes que eles pensaram para a reconstrução do clube. Ele perguntou se eu toparia – e foi uma conversa tão impactante que em dois minutos eu já tinha aceitado.

O que fez o senhor aceitar a proposta assim, de bate-pronto? Não tive dúvidas em nenhum momento. Eu me senti muito bem com o que ouvi e comecei a pensar em tudo aquilo que poderia fazer não só como técnico, porque essa missão vai muito além do trabalho no aspecto profissional. Ajudar na reconstrução do clube e do departamento de futebol está muito ligado com a forma de agir como ser humano. Nem falamos de parte financeira, isso só foi feito dois dias depois, com calma, mas já tinha aceitado a proposta.

Por que o senhor acha que foi o escolhido? As recomendações feitas ao clube a meu respeito tinham a ver com meu caráter, meu dia a dia, a forma como conduzo as equipes onde trabalho, além, claro, do trabalho de campo. Eu não tinha nenhuma relação com a Chapecoense, com a cidade de Chapecó, então foi de certa forma uma surpresa. É o maior desafio da minha vida não só como técnico, mas como ser humano, e seria assim para qualquer treinador. Neste momento, temos de escolher as pessoas certas e montar um time competitivo.

E como foi essa busca por reforços? Cheguei a Chapecó em 9 de dezembro e me encontrei com os dirigentes do clube. Sentamos, tivemos um papo de como seria a montagem do departamento de futebol e de uma equipe, que teria de ter equilíbrio emocional muito grande. Só tínhamos três jogadores (Martinuccio, Neném e Moisés Ribeiro) que não estavam no voo. Então fizemos uma grande lista com base no nosso banco de dados de atletas. Foi uma busca frenética, ligando para os clubes e amigos do futebol, para tentar o contato com os jogadores. Do dia 9 de dezembro até o final do ano, não fizemos nada além de buscar nomes, ligar para os atletas, ver vídeos, analisar situações, para desenhar mais ou menos o time.

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“Nem falamos de parte financeira, isso
só foi feito dois dias depois, com calma, mas
já tinha aceitado a proposta.”

Todos os grandes clubes do país ajudaram neste processo? Muitos clubes ajudaram, como o Palmeiras, o Cruzeiro, o Atlético-MG, várias outras, e em breve a Chapecoense fará um agradecimento formal a todos que ajudaram a convencer os atletas a vir, ajudaram no pagamento. Alguns clubes disseram que ajudariam, mas não conseguiram por questões financeiras ou de montagem de elenco. Em nenhum momento criticamos estes clubes, nós entendemos que a situação do futebol e de todo o país é muito difícil. Mas temos de exaltar quem nos ajudou.

A Chapecoense pode contratar uma estrela? Surgiram nomes como Ronaldinho Gaúcho ou Riquelme… Sim, discutimos muito esse assunto. Muita gente foi citada, mas não encontramos quem pudesse nos dar um retorno dentro de campo, no vestiário, e em marketing. Não é fácil encontrar alguém com esse perfil, principalmente porque o jogador teria de se encaixar no nosso teto salarial, que continua o mesmo.

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Até o momento, os atletas que chegaram têm perfil semelhante ao dos que lá estavam (jovens promissores ou jogadores mais experientes, mas com pouco espaço nos grandes clubes). Era importante manter “a cara da Chapecoense”? Na formação do elenco, em momento nenhum pensamos em mudar nossa política salarial. Temos um valor determinado para fazer as contratações e somos muito fieis ao orçamento, porque acreditamos que o modelo de gestão desenvolvido anteriormente era correto. Por isso, montamos uma equipe com a cara da Chapecoense, que tem um histórico de belas campanhas e uma união muito grande com a comunidade de Chapecó. Descaracterizar isso seria um perigo.

A população de Chapecó, de pouco mais de 200.000 habitantes, realmente tem a proximidade com os atletas como uma marca muito forte. Neste primeiro mês de clube, já teve algum contato mais intenso com torcedores? Aconteceu, sim. Um dia eu estava saindo da Arena Condá a pé e quando passei por uma esquina, vi duas senhoras, que suponho que sejam irmãs. Elas me puxaram pela mão e me disseram que estavam esperando que esse ano fosse maravilhoso, depois de uma dor tão grande. Chorando, elas me pediram que eu fizesse o máximo para homenagear os heróis que se foram. Isso realmente me deixou tocado. Foge um pouco do aspecto profissional, mas gestos como este nos dão força para seguir em frente.

O senhor era bastante próximo de seu antecessor Caio Júnior. Como recebeu a notícia da tragédia? Eu acordei e vi a notícia no celular. Liguei a TV, vi o que tinha acontecido e fiquei paralisado. Sabemos que esse tipo de coisa pode acontecer com qualquer pessoa. Em 34 anos no futebol, fiz várias viagens e já passei medo de avião algumas vezes. O Caio Júnior era um amigo próximo, me ajudou a fundar a Federação Brasileira de Treinadores de Futebol, que tenta melhorar as condições dos treinadores por meio de um projeto de lei, que deve ser aprovado em Brasília. E queremos que seja batizado de Lei Caio Júnior. E também tinha trabalhado com o filho do Paulo Paixão e com o Neto, Thiago, Arthur Maia e Cleber Santana. Foram dias muito difíceis.

Sobre o Neto, um dos sobreviventes da tragédia. Como foi encontrá-lo novamente, na reapresentação da equipe? Foi uma alegria tão grande quando o vimos entrar no vestiário, de muletas. Muita gente estava fazendo outras coisas no departamento e todos pararam para conduzi-lo ao restante do grupo. Todos têm um carinho especial por ele. Já tinham, porque ele é um cara extremamente sereno e profissional. E ter a chance de conviver com uma pessoa que passou por um momento como a tragédia é inspirador. A luta e o esforço dele, do Alan Ruschel e do Follmann, fazem com que nossos problemas sejam minimizados.

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“Chorando, duas senhoras
me pediram que eu fizesse o máximo para
homenagear os heróis que se foram”

O senhor já conversou com Ruschel e o goleiro Follmann? Ainda não os encontrei, mas certamente serão bem recebidos como o Neto foi. Mesmo sem poder voltar a jogar, Follmann seguirá de alguma forma ligado à Chapecoense. Não conversamos com ele sobre isso, mas contamos com ele para exercer uma função no clube tão importante quanto a que ele exercia antes.

O clube tem os compromissos mais importantes de sua história neste ano. Quais são as metas da Chapecoense? Temos objetivos grandes e para isso teremos de passar pelos menores. Hoje meu maior objetivo é formar uma equipe, desenhar os 11 jogadores iniciais, e implantar em todo o elenco uma forma de jogar. Queremos nos fortalecer com tudo o que aconteceu para que possamos queimar etapas. Queremos render cedo o que muita gente não espera. Não podemos contar com a tolerância de todos, temos de acelerar o projeto. Quem veio a Chapecó tem de estar decidido a fazer um grande ano. Oscilações serão normais, mas nossos objetivos são: ser campeão estadual, fazer uma boa Primeira Liga, disputar a Recopa Sul-Americana contra o Atlético Nacional (COL) em pé de igualdade, fazer uma Libertadores marcante e um bom Brasileiro.

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Por que a Chapecoense não aceitou a sugestão de ficar imune ao rebaixamento no Brasileirão? Porque sabemos que não é justo para o futebol. Sabemos do risco que corremos, mas confiamos muito no trabalho que vem sendo desenvolvido. Necessitamos de uma palavra fundamental no futebol: confiança.

Neto disse que não sente mágoa do piloto nem da empresa LaMia, apesar da comprovação de responsabilidades na tragédia. Tem como não se revoltar com o que ocorreu? Desde que cheguei a Chapecó, escutei pouca gente falando sobre isso. Tenho a impressão de que a comunidade está mais preocupada em ver a sequência da Chapecoense como uma homenagem aos heróis que se foram do que em criticar a empresa e o piloto. Claro que haverá sanções na esfera jurídica, há famílias que sofreram muito e querem lutar por seus direitos, assim como o clube. A declaração do Neto só fortalece aquilo tudo que nós pensamos dele, porque não vai adiantar ficar botando culpa em alguém. Isso só vai fazer as pessoas que sofrerem mais ainda do que já sofreram.

Em agosto, a Chapecoense participará do Troféu Joan Gamper, contra o Barcelona, no Camp Nou. O senhor já pensou em como parar Messi, Suárez e Neymar? Rapaz, isso vai me encher de cabelo branco a partir de julho. (risos) Mas é uma satisfação enorme para todos nós, nos permite sonhar com coisas grandes. Jogar contra estas feras todas é um sonho para todos em Chapecó.

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