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Restaurantes estrelados aderem ao cardápio com pouca ou nenhuma carne

Em nome da sustentabilidade e da boa saúde (e por exigência dos clientes), as casas apostam em um novo patamar para a gastronomia vegana

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h43 - Publicado em 4 jun 2021, 06h00

Nada como uma receita depois da outra. Há duas décadas, o chef francês Alain Passard, do estrelado L’Arpège, de Paris, anunciou, em um arroubo de ousadia, que não mais serviria pratos que levassem carne. Os clientes reprovaram, ele retomou o uso limitado de aves, peixes e frutos do mar e, tempos depois, reconheceria que o público não estava preparado para virada tão radical. Agora, ao que tudo indica, está. Cresce o número de restaurantes sofisticados, de alta gastronomia, que, seja em nome da sustentabilidade, seja em prol da boa saúde, estão removendo ou reduzindo a quantidade de artigos de procedência animal de seu cardápio. O mais recente foi o três-estrelas Eleven Madison Park, de Nova York, famoso pelo pato com ameixas e daikon (um tipo de rabanete), único item do menu que permanecia intacto desde 2006. Pois quando o Eleven reabrir em 10 de junho, depois de mais de um ano de portas fechadas pela pandemia, será sem ele: o novo cardápio do chef Daniel Humm é inteiramente à base de plantas. A mudança foi celebrada e as reservas estão fechadas para os próximos dois meses, mesmo com o preço seguindo nas alturas: pelo menu degustação de doze pratos, cobram-se 335 dólares (cerca de 1 800 reais), sem bebidas.

Embora não esteja amplamente disseminada no mundo, e no Brasil ainda engatinhe, a mudança de patamar do cardápio vegano, de comida insossa para culinária sofisticada, é cada vez mais evidente, impulsionada por influenciadores como o chef-celebridade Jamie Oliver, autor de Veg, livro só de receitas sem carnes, e entusiasta da cozinha plant-based. “O mundo inteiro tem passado por uma transformação de mentalidade. Existe um desejo de comer melhor e de forma mais saudável, tanto pelo bem-estar quanto pelo impacto ambiental”, diz a VEJA a francesa Claire Vallée, dona do único restaurante vegano a receber até hoje uma estrela do Guia Michelin, o ONA (de “Origine Non Animale”). Para especialistas, a tendência é irreversível. “Trata-se de uma mudança decorrente da preferência do consumidor, e não de uma regulamentação”, frisa Anthony Leiserowitz, diretor do Programa para Comunicação e Mudança Climática da Universidade Yale.

REVIRAVOLTA - Humm, chef do Eleven, três-estrelas de Nova York: agora, só pratos plant-based, como a receita ao lado, à base de cenoura em variadas cores e texturas, urtiga cremosa, flor de mostarda e tomilho -
REVIRAVOLTA – Humm, chef do Eleven, três-estrelas de Nova York: agora, só pratos plant-based, como a receita, à base de cenoura em variadas cores e texturas, urtiga cremosa, flor de mostarda e tomilho – (Reprodução/Instagram)

Em funcionamento desde 2016 em Arès, cidadezinha no sul da França, o ONA é radical: utiliza energia sustentável, faz compostagem, opta por produtos de limpeza não testados em animais e montou sua decoração sem seda nem couro. “A ideia de abrir um restaurante vegano na minha terra de ostras e caçadores foi considerada loucura”, diz Claire. “Hoje 95% da minha clientela nem é vegana”, comemora. Até a Epicurious, conhecida revista digital de culinária da editora Condé Nast, anunciou em maio que não mais publica receitas que levam carne, em uma atitude “pró-planeta”.

Ainda que existam alguns exageros, tal movimento não é apenas um discurso marqueteiro. Cerca de 15% das emissões de gases causadores do efeito estufa vêm da criação de gado. Está comprovado que a produção de bovinos tem seis vezes mais impacto climático que a de suínos, oito vezes mais do que a de aves e 113 vezes mais do que a de ervilhas, ressalta uma análise global feita pela revista Science. Junte-se a isso o impacto das proteínas gordurosas nas coronárias dos millennials adeptos da vida saudável e está formado o caldo da alta culinária vegetariana, que aceita ovos e laticínios, e vegana, sua versão radical.

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No Brasil, a boa culinária sem carne é rara, mas está avançando. “Ainda estamos atrás nessa trilha, mas vamos chegar lá”, confia Alberto Landgraf, do duas-estrelas Oteque, no Rio de Janeiro, que só serve um prato de carne, entre os oito que compõem seu menu degustação. Em pesquisa recente, 14% dos brasileiros se declaram vegetarianos, um aumento de 75% em relação a 2012. Mais numeroso ainda é o contingente dos flexitarianos (“vegetarianos flexíveis”), que preferem as receitas com vegetais sem deixar de, de vez em quando, consumir um filé ou um hambúrguer. De olho nessa realidade, Jefferson Rueda, dono do paulistano A Casa do Porco — carnívoro até a alma, como o nome indica —, lançou um cardápio vegetariano, com ingredientes vindos das hortas orgânicas de seu sítio (ele também cria os porcos que abastecem o restaurante). “Mesmo sendo açougueiro, gosto muito de trabalhar com vegetais”, afirma Rueda. Quando até A Casa do Porto flerta com veganos e vegetarianos, é sinal de que a chapa deles, definitivamente, está quente.

Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741

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