Novos hábitos de consumo impulsionam o fim da era do plástico
Comportamento sustentável põe em xeque o futuro dos produtos feitos de derivados do petróleo e levam as empresas a buscar alternativas
A cada minuto cravado no relógio, há menos tempo para salvar o planeta. Todos os anos, 8 milhões de toneladas de plástico produzido com derivados do petróleo vão parar nos oceanos mundo afora. Quando não se deposita no fundo do mar em sua forma original, tal material se degenera em uma infinidade de partículas de microplásticos que põem em risco o hábitat dos animais marinhos. Diante do problema, projetos de lei municipais contra o uso de sacolas, canudos e copos plásticos tramitam em assembleias legislativas no Brasil. A tendência inexorável mobilizou grandes companhias, startups e a sociedade, o que fez surgir um novo mercado. Hoje, já se pode dizer que é possível substituir o plástico de uso único (ou descartável) por alternativas mais sustentáveis. Há embalagens e canudos biodegradáveis à base de fécula de mandioca, cera de carnaúba, bambu, sêmola de trigo, amido de milho e até macarrão — alguns chegam ao ponto de ser comestíveis.
O aumento da demanda de consumidores empenhados em contribuir para um futuro mais sustentável ganhou campo na internet. Diversas campanhas foram criadas para chamar a atenção de produtores e varejistas. Não deu outra. Grandes multinacionais decidiram jogar esse jogo. Nestlé, Starbucks, McDonald’s, Burger King, Unilever e Procter & Gamble, entre outras, resolveram trocar seus itens plásticos por embalagens e canudos biodegradáveis. O movimento, porém, está forçando a indústria do plástico descartável a uma reinvenção.
A solução encontrada pelas companhias vai além da escolha automática dos biodegradáveis. Também se leva em consideração a economia circular. Um exemplo é a cervejaria Ambev, que está prestes a pôr nas gôndolas dos supermercados sua água mineral, a Ama, em lata de alumínio. A estratégia, segundo a empresa, é aproveitar a capacidade de reciclagem infinita do recipiente. Os foliões que frequentaram o Carnaval do Rio de Janeiro e de São Paulo puderam ter acesso ao produto em latinha por meio de amostras grátis. A companhia admite que os custos com o enlatado são mais altos, mas afirma que a diferença de valor não será repassada ao cliente. Hoje, uma garrafa de plástico de 500 mililitros de água da marca Ama custa cerca de 2 reais. Os mesmos argumentos foram usados por uma de suas concorrentes, a Minalba, que, apesar de ter anunciado posteriormente que venderia sua água mineral em lata — o lançamento estava sendo ensaiado desde outubro de 2019 —, já está com as latinhas em mercados da capital fluminense.
Pela facilidade de reciclagem e pela maior disponibilidade de matérias-primas, latas de alumínio e garrafas de vidro têm ganhado espaço com o plástico na berlinda. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio e a Associação Brasileira do Alumínio, o índice de reciclagem de latinhas é 97%. Isso significa que, das 303 900 toneladas de latas à venda, 295 800 toneladas são reutilizadas. Por outro lado, o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo, com 11,3 milhões de toneladas, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Índia.
Quem tem tirado vantagem dessa transformação no hábito do consumidor é a multinacional Owens-Illinois, fornecedora de embalagens de vidro para conglomerados de bebidas. Com faturamento anual de aproximadamente 3 bilhões de reais no Brasil, a indústria tem visto a demanda crescer. “É uma volta às origens. Antigamente, todas as bebidas eram embaladas em vidro. Hoje, além dessa tendência, temos ganhado clientes com a chamada ‘premiunização’ dos produtos e com a disseminação dos orgânicos”, explica Hugo Ladeira, CEO da companhia. A petroquímica Braskem, uma das maiores fabricantes de plástico no país, decidiu investir em um sistema que recicla copos de polipropileno em seu escritório, em São Paulo. O projeto cresceu e hoje conta com trinta empresas participantes.
Apesar do modelo de inovação no Brasil, a produção de plásticos recuou apenas 1,6% em 2019. Segundo José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico, a troca da matéria-prima por opções sustentáveis não preocupa o setor. “Os plásticos descartáveis são apenas 4% da produção. O caminho é investir em uma economia circular eficiente”, afirma. Entretanto, se depender do consumidor mais militante, a substituição definitiva será um caminho sem volta.
Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678