O isolamento social provocado pelo novo coronavírus afetou a forma como as pessoas e as empresas ocupam espaços. Áreas de convivência familiar passaram a ser usadas para as aulas dos filhos e o trabalho dos pais. Com a desaceleração abrupta da economia, escritórios e comércios viram o movimento cair e muitos tiveram de migrar para lugares menores. Ao mesmo tempo, outras atividades aproveitaram as mudanças de comportamento para adequar os negócios à crescente demanda pelo comércio eletrônico, o que obrigou grandes e pequenos varejistas a recorrer a locais específicos para estocar e distribuir mercadorias com agilidade. O novo cenário criou o ambiente perfeito para o avanço dos self storages. O conceito surgiu nos Estados Unidos na década de 60, mas apenas nos últimos anos se profissionalizou a ponto de atrair investimentos. Agora, virou febre. Para quem não conhece, os self storages são galpões onde é possível alugar boxes — que vão de 1 a 200 metros quadrados. Os usos são os mais variados: podem servir para guardar o berço aposentado até o estoque de cosméticos vendidos pela internet.
Fernanda Orbite, 40 anos, consultora de vendas do setor farmacêutico, se mudou há dois anos com a filha Lara, de 4, para a casa da mãe, que na época se recuperava de uma cirurgia. Ela optou por alugar seu imóvel e parte da mudança foi parar em um self storage. Com a pandemia, foi preciso fazer um novo ajuste na área do apartamento para que Lara assistisse às aulas pelo computador e Fernanda pudesse trabalhar em casa. “Só mantenho comigo o que realmente preciso usar”, diz. “Guardo de tudo, de aquecedor a impressora, além de brinquedos e roupas que não uso.” O boxe da consultora de vendas de São Paulo tem 3 metros quadrados e não lembra em nada os antigos e empoeirados guarda-móveis. O acesso é com senha e é possível chegar de carro até as docas para descarregar os volumes.
Os números confirmam a expansão do setor. Uma recente pesquisa encomendada pela Associação Brasileira de Self Storage (Asbrass), realizada pela consultoria Brain, mostra que, na comparação entre o primeiro e o segundo trimestre do ano, o total de boxes no país subiu de 69 445 para 79 300. Com mais clientes, houve uma pressão nos preços. O valor médio do aluguel mensal do metro quadrado passou de 94 reais para 99 reais. “Com a pandemia e a necessidade de isolamento social, as pessoas estão buscando mais espaço em casa”, diz Rafael Cohen, presidente da Asbrasss. “Além disso, muitas empresas entregaram seus escritórios depois de migrar para o home office.”
O crescimento também vem sendo puxado pelas vendas do e-commerce. Concentrados nas maiores cidades do país, os galpões têm avançado para regiões centrais, o que torna o serviço de armazenamento uma espécie de extensão dos centros de distribuição. Com isso, as empresas conseguem descentralizar seus estoques e reduzir o prazo de entrega dos pedidos. Maior companhia do setor, a GuardeAqui Self Storage, com 25 pontos, detectou uma disparada na procura por boxes. No primeiro semestre, o número de novas locações aumentou 33%, em comparação aos primeiros seis meses de 2019. Mariane Wiederkehr, CEO do GuardeAqui, conta que a demanda maior vem de contratos assinados por pessoas físicas, mas que o atendimento a empresas tem aumentado. “O self storage passou a ser uma extensão da casa e também atende ao novo mercado de trabalho”, diz a executiva.
Não à toa, as companhias do setor têm atraído um volume expressivo de recursos. O GuardeAqui recebeu nos últimos anos aportes do Pátria Investimentos e da Equity International. Outra empresa do ramo, a GoodStorage captou 300 milhões de dólares no mercado. Na GoodStorage, o processo de contratação do espaço é on-line e o acesso aos galpões é feito por senhas e biometria. Segundo o fundador Thiago Cordeiro, a pandemia impulsionou a procura em cerca de 20%. Apesar de o maior volume de negócios ainda vir de pessoa física, Cordeiro acredita que os pequenos empresários que voltarem seus empreendimentos para o comércio eletrônico deverão aderir a esse tipo de armazenamento. “Com o crescimento do e-commerce, as entregas aumentaram muito, o que foi facilitado pela quantidade menor de veículos em circulação durante a pandemia”, diz o executivo. Como será quando o tráfego voltar ao normal? “As empresas e as pessoas vão precisar de espaços pulverizados pelas cidades para diminuir o tempo de entrega dos pedidos, e é aí que nós entramos”, diz o presidente da companhia. Tudo indica, portanto, que o bom e velho quartinho da bagunça ficará definitivamente para trás.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704