Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

O papel do medo, a mais antiga das emoções, na evolução das espécies

Temos orgulho de ser corajosos, mas, sem o sentimento de autopreservação, os humanos não sobreviveriam. É o que revelam as mais recentes descobertas

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 14h56 - Publicado em 16 out 2020, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Pupilas dilatadas, mãos suadas, sensação de frio na barriga. Essas são manifestações orgânicas típicas de medo — emoção que, apesar de rejeitada e associada à covardia, tem uma importância evolutiva que salvou nossa espécie da extinção. Trabalhos acadêmicos e um novo livro jogam agora luz sobre uma das mais sombrias reações humanas, suscitando debates entre cientistas. “Trata-se de um mecanismo de sobrevivência universal”, define a professora de psicologia Elizabeth Phelps, da Universidade de Nova York. Segundo a especialista, passamos boa parte da vida aprendendo a diferenciar o que representa ou não perigo. A psicóloga clínica Neuza Corassa, diretora do Centro de Psicologia Especializado em Medos, de Curitiba, afirma que o sentimento é, de fato, inerente à espécie humana, mas ressalta que cada indivíduo reage a sua maneira: “Alguns precisam de terapia para lidar com isso, outros, não. Na última década, aprendemos a respeitar os temores de cada um”.

    Para além das fobias sociais, experimentos recentes comprovam que certas aversões nascem implantadas em nós, como um chip de computador, na forma de instinto. Tome-se, por exemplo, o pavor que muitas pessoas têm de aranhas e cobras. Um estudo conduzido pelas universidades de Leipzig, na Alemanha, e de Uppsala, na Suécia, chegou à conclusão de que até mesmo bebês apresentam uma reação de stress ao ver esses animais. Ou seja, mesmo sendo o primeiro contato, eles já sabem instintivamente o perigo que os bichos podem representar.

    No livro The Nature of Fear: Survival Lessons from the Wild (A essência do medo: lições de sobrevivência da natureza, ainda sem edição brasileira), Daniel T. Blumstein, estudioso do comportamento animal, debruça-se sobre a história natural do medo, exemplificando, com casos da vida selvagem, como ele tem sido benéfico para todos os seres vivos, especialmente o homem. “É uma ferramenta que, acima de tudo, nos mantém seguros”, disse Blumstein a VEJA. “O mundo é um lugar perigoso, e cabe a nós lidarmos com esses riscos, já que eliminá-­los por completo é impossível.”

    O medo tem papel fundamental na evolução humana, mas funciona melhor longe dos extremismos. O Homo sapiens, ao longo de milhares de anos, não teria escapado se partisse para cima de qualquer animal que encontrasse pela frente. E tampouco duraria se ficasse paralisado a ponto de não conseguir fugir quando necessário. O mesmo valeria no convívio com a própria espécie. Afinal, deixar o pavor atingir um nível debilitante poderia fazer com que um indivíduo se isolasse de seus pares, reduzindo sua capacidade de se proteger. Nenhum dos extremos permitiria que ele sobrevivesse por muito tempo.

    Quando se fala em evolução, é preciso lembrar que a função biológica do ser vivo é justamente sobreviver, ao menos até se multiplicar, passando adiante as suas características por meio do DNA. No mundo animal, já foi comprovado que a habilidade de identificar as coisas a se temer é um traço que pode ser geneticamente herdado. Ou seja: o indivíduo perseverante passa a sua prole o recurso instintivo de discernir entre uma situação perigosa e uma situação normal — como contatou-se no experimento com os bebês. Assumindo que nem o exageradamente corajoso nem o excessivamente covarde teriam vivido o suficiente para gerar descendentes, conclui-se que nossos ancestrais foram aqueles que ficaram alertas em relação às ameaças, mas não a ponto de abdicar da vida. Nós seríamos, portanto, fruto desses indivíduos, medrosos apenas quando as situações, de fato, exigiam.

    Continua após a publicidade

    Graças ao componente social do ser humano, nosso rol de fobias costuma aumentar ao longo da vida. Um sintoma disso é que, em tempos de Covid-19, novos medos parecem aflorar de todos os lados. Na Austrália, relatos de avistamento de morcegos — primeiro animal relacionado à disseminação do novo coronavírus — cresceram de forma expressiva, não necessariamente porque mais morcegos começaram a aparecer, mas porque as pessoas passaram a enxergar nesse animal um perigo que antes não viam — temor que, por sinal, talvez nem se justifique. A história mostra que o pânico em algumas sociedades já levou várias espécies locais à extinção, causando danos irreparáveis ao meio ambiente.

    Como então reagir adequadamente aos temores que, de um maneira ou de outra, estarão presentes na vida de todos? “Não há um número mágico quando o assunto é a medida certa do medo — tudo depende da circunstância”, responde Blumstein. “Se eu tivesse que deixar um recado para a sociedade sobre o tema, seria ligado à política: cuidado com o candidato que usa o medo para levá-los a votar nele. Se ele diz que é o único capaz de acabar com o risco, vote em outro. O risco não pode ser eliminado, só administrado.” Sábio conselho do escritor.

    Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709

    VEJA RECOMENDA | Conheça a lista dos livros mais vendidos da revista e nossas indicações especiais para você.

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.