2018 registrou número mais baixo de ataques terroristas em 7 anos
Novo relatório aponta a Ucrânia como a nação que mais registrou atentados no último ano; Afeganistão teve maior número de mortos
O total de ataques terroristas registrados em todo o mundo em 2018 foi o mais baixo desde 2011, segundo relatório do Jane’s Terrorism and Insurgency Centre (JTIC), que monitora as tendências nessa área. Em comparação com 2017, ocorreram 33,2% menos atentados no ano passado. O número de civis mortos também caiu para 13.483 vítimas fatais – um quarto a menos do que no ano anterior.
Segundo Matthew Henman, diretor do JTIC, a principal razão para a diminuição da violência terrorista está nas vitórias consecutivas de forças locais e internacionais contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
O pico da hostilidade na última década aconteceu em 2016, quando o grupo jihadista estava em seu auge. Em julho daquele ano, ao menos 213 pessoas morreram em atos coordenados com carros-bomba em regiões xiitas de Bagdá.
Pouco antes, em 12 de junho, um homem armado invadira uma boate gay em Orlando, nos Estados Unidos, e matara 50 pessoas naquele que foi considerado um dos mais mortais atentados do país. O atirador, Omar Mateen, jurara lealdade ao Estado Islâmico antes do massacre.
Em todo o mundo, os ataques organizados ou motivados pelo Estado Islâmico caíram em quase três quartos no ano passado, segundo o JTIC. As mortes causadas pelo grupo também diminuíram pela metade, em relação a 2017. Só na Síria, foram registrados 63,6% menos atentados em 2018 do que no ano anterior. No Iraque, 31,6% a menos.
“O Estado Islâmico perdeu alguns de seus redutos mais importantes em 2017 e, consequentemente, em 2018 não houve lutas territoriais tão violentas”, afirma Henman. Para ele, a capacidade de o grupo jihadista motivar ataques internacionais foi limitada por suas seguidas derrotas.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou em dezembro a retirada das tropas americanas da Síria, afirmando que o Estado Islâmico já havia sido derrotado. Desde então, o republicano vem recebendo inúmeras críticas de organismos internacionais e de potências aliadas.
Forças globais e locais estão agora se desdobrando para descobrir como preencher o vácuo deixado pelos americanos no país. Todos concordam que é cedo demais para falar em derrota, apesar da queda expressiva na violência.
Alex Wilner, professor especializado em Terrorismo da Universidade Carleton, de Ottawa, no Canadá, lembra que o Estado Islâmico surgiu justamente depois de os Estados Unidos terem retirado suas forças do Iraque, quando julgaram que a Al Qaeda estava destruída no país.
“Da mesma forma, grupos como a Al Qaeda ou o Estado Islâmico podem ressurgir em algum lugar do Oriente Médio ou do norte da África nos próximos anos”, afirma. “Talvez não tão ricos ou organizados como essas organizações, mas é seguro dizer que a ideologia não foi derrotada”, completou Wilner.
Líder em ataques
A Ucrânia foi a nação que mais registrou atentados no último ano, com 4.422 ataques. O cenário tem como consequência o aumento das atividades operacionais de grupos militantes separatistas pró-Rússia que atuam na região de Donbass, no extremo leste do país.
Segundo o JTIC, os atos terroristas liderados pela milícia da República Popular de Donetsk – região separatista que declarou independência da Ucrânia em 7 de abril de 2014 – aumentaram em mais de 12% em 2018. No último ano, portanto, o grupo ultrapassou o Estado Islâmico em termos de ataques registrados.
O apoio de Moscou às milícias tende a tornar o embate ainda mais hostil, assim como as eleições presidenciais e parlamentares marcadas para 31 de março. “Há poucas expectativas de resolução do conflito, e o pleito no país deve potencializar a organização de ataques pelos separatistas”, diz Matthew Henman.
O especialista alerta, contudo, que o número alto de eventos registrados é também consequência da metodologia escolhida pelo centro para elaborar o relatório. Os dados são compilados por meio de dados públicos divulgados por organizações governamentais e não-governamentais.
Os atentados, portanto, são mais facilmente registrados pelas instituições ou noticiados pela imprensa na Ucrânia, onde o fogo cruzado entre grupos separatistas e forças do governo acontece em áreas restritas, todos protegidos por trincheiras e com pouca movimentação. Na Síria e Afeganistão, ataques menores podem passar desapercebidos.
“A natureza entrincheirada do conflito também explica o baixo número de mortos registrado em 2018 na Ucrânia”, afirma.
O país mais mortal
Na contramão do movimento do terrorismo em outros países, o Afeganistão foi palco de sangrentos atentados do Talibã e do Estado Islâmico, tornando-se a nação mais mortal em termos de número de fatalidades de civis.
Desde a invasão americana em 2001, a nação nunca esteve tão insegura. Os talibãs controlam atualmente mais território do que em qualquer momento desde que foram expulso do poder, há 17 anos. Seus ataques têm se tornado maiores e mais fatais.
Atualmente, uma delegação do governo americano negocia com o grupo um acordo de paz. Desde o início do ano, ambos os lados tem demonstrado otimismo em relação aos progressos. Contudo, ainda há muitas dúvidas se será possível alcançar um cessar-fogo definitivo, principalmente porque o Talibã se recusa a dialogar diretamente com o governo afegão.
O crescimento da presença do Estado Islâmico, que muitas vezes disputa poder e território com os talibãs, também adiciona ainda mais tensão ao cenário já hostil do país.
Já no Iêmen, foram registrados 1.192 ataques terroristas no ano que passou, de acordo com o Jane’s Terrorism and Insurgency Centre. Apesar de a guerra civil no país ter levado a uma das piores crises humanitárias da atualidade e causado mais de 60.000 mortes desde 2011, o número de vítimas fatais de atentados terroristas caiu em 2018.
O quadro é o reflexo de uma mudança territorial no conflito, que agora se tornou muito mais concentrado na região sudoeste, particularmente na cidade portuária de Hoddeida, segundo Matthew Henman. “Mas, ainda que as batalhas não estejam mais tão espalhadas por todo o país, a intensidade do conflito continua muito alta”, diz.
África e Sul da Ásia
Entre os países com mais atos terroristas em 2018, Camarões foi o que apresentou o maior crescimento na violência no último ano. A nação africana sofre há muito com o grupo jihadista Boko Haram, mas recentemente também se tornou palco de um conflito separatista.
O embate começou em 2016 nas regiões anglófonas do país, a noroeste. As milícias da chamada República da Ambazônia causaram grande perturbação nas eleições de presidenciais de outubro do ano passado e são acusadas de incendiar escolas e vilarejos que se recusam a aderir ao seu movimento, deixando muitos mortos.
Também na África, a Somália é constantemente vítima de ataques dos jihadistas do Al Shabab. Filiado da Al Qaeda, o grupo matou mais de 26.000 pessoas desde 2008.
A República Democrática do Congo é desestabilizada por dezenas de milícias armadas que aterrorizam a população e controlam áreas onde os governos locais são fracos. A instabilidade aumentou ainda mais no final de 2018, quando protestos e conflitos contra a recusa do ex-presidente Joseph Kabila em realizar eleições acabaram com centenas de prisões arbitrárias e mortes.
Índia e Paquistão também são vítimas do terrorismo, principalmente na disputada região da Caxemira. Desde a partilha de 1947, os dois países lutam pelo controle da região. O conflito resultou na criação de um movimento separatista na parte indiana e uma guerra não declarada entre os muçulmanos e hindus.
A Índia acusa o Paquistão de armar e treinar os rebeldes do grupo separatista Lashkar-e-Taiba (LeT) e de outras milícias da área. O governo paquistanês, contudo, nega as alegações.
Além disso, as regiões fronteiriças do Paquistão com o Afeganistão também costumam ser palcos de incidentes terroristas protagonizados por grupos separatistas e pelo Talibã, principalmente as províncias do Baluchistão e de Khyber Pakhtunkhwa (KPK).
América do Sul
No início de 2019, um ataque com carro-bomba em Bogotá, na Colômbia, chamou a atenção de todo o mundo. Apesar de o país ser vítima da violência das guerrilhas há décadas, atentados como esse não são comuns na região.
O ato terrorista deixou 21 mortos e 68 feridos, e foi reivindicado pelo Exército de Libertação Nacional (ELN). Depois do acordo de paz de 2016 assinado pelo ex-presidente Juan Manuel Santos e as guerrilhas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o grupo insurgente é considerado o último ainda ativo no país.
Segundo Matthew Henman, contudo, ataques como esse não devem se repetir neste ano. “Acredito que tenha sido um atentado bastante isolado”, afirma.