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A batalha de Charles III, o novo rei do Reino Unido

O príncipe, de 73 anos, passou sete décadas aguardando sua vez. Agora, deve conquistar o país enquanto faz escolhas acertadas

Por Amanda Péchy
Atualizado em 8 set 2022, 15h45 - Publicado em 8 set 2022, 14h39

Depois de uma vida inteira de espera, Charles, o príncipe de Gales, deve assumir o título de rei e o posto de chefe de Estado do Reino Unido, após a morte da mãe, rainha Elizabeth II, nesta quinta-feira, 8.

O príncipe, de 73 anos, tinha 3 quando sua mãe se tornou rainha e passou as sete décadas seguintes aguardando sua vez. Nesse longuíssimo treinamento, solidificou a imagem nada brilhante de sujeito paparicado, simpático e meio ingênuo, dado a conversar com plantas e capaz de trair publicamente a mãe de seus filhos.

Cabe agora aos “homens de terno cinza”, como são chamados os funcionários graduados do Palácio de Buckingham, espremer, polir e reformatar Charles de maneira que passe a ser visto pelos súditos não mais como herdeiro, mas como rei. Têm bastante trabalho pela frente.

Charles chega ao trono mergulhado em um escândalo: a revelação de que recebeu 3 milhões de euros, em dinheiro vivo, de Hamad bin Jassim bin Jaber Al-Thani, da família real do Catar – generosas doações do xeque a entidades filantrópicas patrocinadas pelo príncipe.

Em três encontros entre 2011 e 2015, maços de 500 euros passaram da mão de um para outro, dentro de maletas e, uma vez, de sacolas da Fortnum & Mason, loja de luxo que fornece chá e mantimentos para a família real britânica. Charles, ao que tudo indica, repassava imediatamente a dinheirama para assessores, que contavam as notas e as encaminhavam para os devidos bancos.

Doações em dinheiro vivo não são proibidas e ninguém acha que Charles embolsou a bolada, até porque não precisa disso, mas resta a dúvida sobre as verdadeiras intenções de Al-Thani. Antes dessas doações, a fundação de Charles já vinha sendo investigada por ter aceito contribuições de um príncipe saudita posteriormente condecorado com títulos da nobreza britânica.

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Depois das revelações sobre o xeque, soube-se que um empresário bilionário, David Brownlow — o mesmo que deu uma ajuda para Boris Johnson reformar de cima a baixo a ala residencial de 10 Downing Street e se propunha a financiar uma casa na árvore de 150.000 libras para o pequeno Wilfred, filho de 2 anos de Johnson —, foi, ao mesmo tempo, conselheiro, doador e empreiteiro contratado em uma outra fundação do príncipe, essa na Escócia. No meio desse intenso conflito de interesses, ganhou uma comenda e o título de lorde.

De acordo com o correspondente real Jack Royston e a comentarista real Kristen Meinzer, no podcast The Royal Report da revista Newsweek, o príncipe Charles vai enfrentar uma batalha na ascensão ao trono, pressionado por sua imagem menos calorosa que a da rainha e, também, para tomar boas decisões sobre assuntos espinhosos.

“A rainha é muito boa em sair de crises, como vimos ao lidar com a entrevista de Meghan e Harry com Oprah. Ela tem um instinto real para relações públicas de gerenciamento de crises, tendo feito o trabalho por setenta anos”, diz Royston, referindo-se a uma entrevista em que os Sussex acusam a Família Real de racismo.

“A tomada de decisão de Charles nem sempre foi tão boa quanto a da rainha”, completou o correspondente. “Algumas de suas decisões foram bastante questionáveis, por exemplo, ele trouxe de volta um de seus assessores, Michael Fawcett, duas vezes, apenas para ter que renunciar no contexto de uma investigação policial sobre as instituições de caridade de Charles.”

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Fawcett trabalhou para o príncipe desde a década de 1980, quando foi o manobrista pessoal de Charles. Em 2021, ele era chefe da The Prince’s Foundation, a organização guarda-chuva das instituições de caridade de Charles, quando renunciou no escândalo de propina de Brownlow.

Para Royston, a preocupação do novo rei será substituir uma das monarcas mais queridas do país enquanto alcança os objetivos esperados dele. “Ele deve fazer uma conexão realmente forte com seu público, como a da rainha, ao mesmo tempo em que toma a decisão certa quando a pressão está alta”.

Tentando desfazer a imagem de mau gestor e sair de debaixo do manto da mãe, ele ensaiou um estilo próprio, primeiro na abertura de uma nova sessão do Parlamento, em que o herdeiro leu o discurso que a mãe faria, e depois na reunião da Commonwealth, aliança que reúne várias ex-colônias britânicas, em Ruanda, em junho.

“Nada pode descrever meu profundo pesar pelo sofrimento de tantos. Sigo ampliando minha compreensão do impacto duradouro da escravidão”, declarou, passando raspando em um pedido de desculpas que poderia servir de aval para indenizações e reparações exigidas por nações africanas e do Caribe.

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Não foi a primeira opinião política “vazada” por Charles, mas o estilo denota o que pode ser esperado do rei Charles – ou rei George VII, como especula-se que ele talvez queira ser conhecido.

Antecipa-se a formulação de um soberano mais vocal em questões controversas do que a mãe, contrária a expressar suas próprias opiniões. Charles, que também tem dado palpites sobre questões climáticas e sugerido que pretende enxugar o quadro de membros da família real, pode abrir caminho para um reinado menos descolado do cotidiano.

O novo rei, de quebra, pavimenta assim a ascensão de William e Kate, um casal, ao que tudo indica, propenso a dar novo significado ao trono dos Windsor.

Se o príncipe Charles nunca conseguiu ser uma figura muito popular em seu próprio país, seus filhos vêm cultivando um rosto mais humanizado da realeza, com a essencial ajuda de suas respectivas parceiras plebeias e das mídias sociais.

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“Os membros mais jovens projetam uma imagem diferente da de seus antecessores. São parte de uma campanha de relações públicas da família real, e não do Reino Unido. A monarquia precisa ser vista como relevante e legítima no século XXI”, analisa Gary Rawnsley, professor de Diplomacia Pública da Universidade de Aberystwyth.

A popularidade de Charles com o público variou dramaticamente nas últimas quatro décadas. Uma pesquisa do Ipsos de 1991, um ano antes de sua separação da princesa Diana, mostrou que 82% dos britânicos acreditavam que Charles seria um “bom rei”. Isso caiu drasticamente para 41% em fevereiro de 1996, ano em que o casal se divorciou.

Hoje, Charles se sai melhor com o público, embora ainda seja o quarto membro da realeza mais popular de acordo com o YouGov, que registra que ele tem 56% de aprovação, atrás de Kate Middleton e do príncipe William, com 76% e 77%, respectivamente, assim como a rainha, que tinha aprovação de 81%.

Mas, por enquanto, Charles será o rei e permanece uma figura polarizadora tentando navegar em um mundo cada vez mais polarizado. O principal papel de um chefe de estado é unificar. Seu reinado, ao contrário do de sua mãe – mesmo com todos os escândalos e nuances –, pode ser turbulento.

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