A caverna dos segredos
A descoberta de mais de 200 objetos de um milênio atrás reunidos em uma gruta no México pode ajudar a desvendar os mistérios da civilização maia
As grandes descobertas da arqueologia costumam ter origem no acaso. Foi assim também com um novo achado relativo à civilização maia, cultura pré-colombiana de escrita notável, que habitou a região hoje correspondente à Península de Yucatán, no México, Belize, Guatemala e Honduras pelo menos entre o primeiro século antes de Cristo e o século XVI. O capítulo em questão teve origem em 1966. Naquele ano, moradores da Península de Yucatán informaram o Instituto Nacional de Antropologia e História sobre a existência de uma caverna chamada Balamkú (“deus jaguar”, na língua maia), próxima à histórica cidade de Chichén Itzá. Com a intenção de preservarem o local, mas julgando-o pouco relevante do ponto de vista histórico, os arqueólogos fecharam a gruta, que permaneceu lacrada até 2018, quando um grupo de pesquisadores pediu permissão para adentrá-la com o objetivo de alcançar e estudar um aquífero. Antes de poderem explorar o lugar, eles tiveram de participar de uma cerimônia espiritual a pedido da população local, que, desse modo, acreditava poder evitar catástrofes durante a expedição — que, de fato, não ocorreram; pelo contrário. Um ano mais tarde, no último dia 4, uma equipe de arqueólogos mexicanos anunciou que havia descoberto, dentro da caverna, uma extraordinária coleção de mais de 200 artefatos maias, a maioria de cerâmica, excepcionalmente bem preservados.
Coalhado de passagens tortuosas e câmaras apertadas, a 24 metros de profundidade, o ambiente, claustrofóbico, está longe de ser confortável para explorações de qualquer natureza. Foi em um dos corredores dessa sinuosa estrutura que se encontrou o novo tesouro pré-colombiano, formado por itens com idade estimada entre 1 000 e 1 300 anos. Não se sabe ainda por que os maias de no mínimo um milênio atrás agruparam lá tantos itens — de incensários a vasilhas. Uma das suposições é de que se tratava de oferendas, em troca de chuva e fertilidade. Isso porque alguns dos incensários contam com gravuras que lembram imagens de Tlaloc, o deus da chuva para povos que viviam na parte central do atual México, região a mais de 1 000 quilômetros de onde se deu a descoberta.
A observação desses ícones em Chichén Itzá pode ajudar historiadores a entender como se deu a relação entre os maias e outras civilizações, como os astecas, por exemplo. Segundo os cientistas, já se pode afirmar que houve certa troca de conhecimento entre esses povos. “Balamkú é uma descoberta crítica por permitir a reinterpretação de muitos achados antigos, ou mesmo de como observamos a cidade de Chichén Itzá em si”, explicou a VEJA o arqueólogo americano James Brady, que participou da reabertura da gruta. “O local fica a 3 quilômetros da histórica cidade maia, porém parece ainda fazer parte dela, que deveria ser maior do que imaginávamos.” Os pesquisadores pretendem estudar os artefatos na expectativa de que eles possam ajudar a preencher o quebra-cabeça que é a história maia. Aliás, muito sobre os contornos das sociedades pré-colombianas continua obscuro — como a também mexicana Teotihuacán. Datada de 100 a.C., ela chegou a ter mais de 100 000 habitantes. Os arqueólogos, contudo, ignoram quem a construiu — se mixtecas, toltecas, maias ou algum povo desconhecido. De acordo com James Brady, o importante no caso da caverna de Balamkú é reconhecer que a descoberta pode ter relevância para decifrar mistérios como esse, impactando “muito do saber sobre quem vivia nas Américas milênios atrás”.
Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626
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