A história da organização criminosa Mão Negra, terror de Nova York
O grupo fazia sequestros, extorsões de dinheiro e chantagem, visando imigrantes italianos que enfrentavam discriminação e dificuldades econômicas
Antes da máfia ítalo-americana iluminada pelo cinema de Hollywood, havia a Sociedade da Mão Negra. A organização criminosa operou nos Estados Unidos, entre o fim do século XIX e o início do século XX. O grupo fazia sequestros, extorsões de dinheiro e chantagem, visando imigrantes italianos que enfrentavam discriminação e dificuldades econômicas. Como resultado, algumas dessas pessoas aderiam ao crime organizado como meio de sobrevivência. Operavam sobretudo em áreas urbanas, como a cidade de Nova York. Os métodos incluíam o envio de cartas assinadas com a impressão de uma mão em tinta preta, o necessário aviso às vítimas de que o não cumprimento das exigências resultaria em violência.
Em A Mão Negra, lançado no Brasil pela Editora Cultrix, o escritor americano Stephan Talty resgata a história da organização sob o ponto de vista de um personagem fascinante, o tenente Joseph “Joe” Petrosino (1860-1909), da polícia de Nova York. Batizado Giuseppe Petrosino, ele ficou famoso por seu trabalho pioneiro no combate ao crime organizado na metrópole americana. Nascido em Padula, uma cidade na Província de Salerno, na Itália, migrou com a família para os Estados Unidos em 1873, quando tinha 13 anos. Os Petrosino se estabeleceram no bairro de Little Italy, em Manhattan, destino comum para os grupos de italianos naquele tempo de alimentar esperanças.
Petrosino trabalhou como engraxate de sapatos, músico e gari antes de entrar para a força policial nova-iorquina, em 1883. No início, patrulhava as ruas e respondia aos chamados de emergência. Como era nativo, falar italiano fluentemente o tornou valioso na comunicação com a crescente população de imigrantes italianos. A dedicação o levou a trabalhar em casos cada vez mais complexos, envolvendo principalmente sua comunidade e as ações criminosas da Mão Negra. Até que, em 1895, foi promovido a detetive, em reconhecimento a sobejas habilidades investigativas, muitas vezes se disfarçando como um dos malfeitores para coletar informações em torno de atividades ilícitas.
Um dos episódios mais rumorosos pelo qual Petrosino ficou conhecido envolveu o celebrado cantor de ópera italiano Enrico Caruso, que estava sendo chantageado pela Mão Negra. Por esse e outros eventos, o policial ganhou o apelido de “Sherlock Holmes Italiano” dos jornais americanos. A comparação com o famoso detetive fictício criado por sir Arthur Conan Doyle ajudou a tecer uma imagem pública de herói popular. “Quando Petrosino estava preocupado com um caso difícil, era seu hábito se refugiar nas óperas de Verdi, seu compositor favorito”, escreve Talty no livro, aproximando-o ainda mais do Holmes de Conan Doyle. “Ele pegava seu violino e arco e tocava uma música em particular, Di Provenza il Mar, a ária de Germont de La Traviata.”
No início dos anos 1900, Petrosino havia se tornado um líder da polícia no combate ao crime organizado dentro da comunidade ítalo-americana. Com habilidade e muita ousadia, ele havia conquistado a confiança do comissário de polícia Theodore Roosevelt, que mais tarde se tornaria o 26º presidente dos Estados Unidos. Tudo isso permitiu que ele criasse, em 1904, o Esquadrão Italiano, composto inicialmente por cerca de cinco agentes fluentes na língua e familiarizados com os costumes e dialetos italianos. A força-tarefa influenciaria depois a criação de outros destacamentos semelhantes no país, como o liderado por Eliot Ness na polícia de Chicago, nos anos 1930, que combateu o contrabando de bebidas alcoólicas, proibidas então pela Lei Seca, e as atividades mafiosas do chefão Al Capone — o grupo de policiais inspiraria o filme Os Intocáveis (1987), de Brian De Palma.
A fama de Petrosino acabaria cobrando um preço alto. Em uma atitude ousada, ele viajou para a Itália em uma missão secreta para reunir informações sobre criminosos italianos que operavam nos Estados Unidos. Em 12 de março de 1909, em Palermo, na Sicília, o tenente da polícia americana foi surpreendido na Piazza Marina enquanto aguardava um contato e morto a tiros por agressores desconhecidos. Seu assassinato permaneceu sem solução por décadas.
Em 2014, o caso teve um avanço significativo e surpreendente. Durante uma operação de rotina de grampo telefônico visando a Cosa Nostra, a polícia italiana gravou uma conversa na qual Domenico Palazzotto, um chefe da máfia local, se gabava de que seu ancestral Paolo Palazzotto havia matado Petrosino sob as ordens de Vito Cascio Ferro, um poderoso líder mafioso da época. Foi o primeiro elo concreto com os assassinos de Petrosino, embora tenha chegado tarde demais para qualquer ação legal devido à passagem do tempo e às mortes dos envolvidos. O que fica é elementar: o crime nunca compensa, e um bom modo de evitá-lo é mergulhar nas entranhas de sua destruição.
Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909