Não será por falta de preparação: filho mais velho da rainha Elizabeth, Charles nasceu programado para assumir o trono do Reino Unido e passou os 73 anos seguintes esperando a vez. Nesse esticadíssimo meio tempo, até chegou a empolgar como príncipe elegante, atlético e namorador, na faixa dos 20 aos 30 anos, mas de lá para cá o brilho adquirido, que já não era fulgurante, foi se apagando. Ao assumir o trono agora, como Charles III, sua imagem é a de um sujeito mimado, um tanto ingênuo e sem noção do mundo real, plenamente capaz de cumprir os rituais e rapapés de uma alteza real, mas sem um décimo da digna altivez exalada pela mãe. Enquanto Elizabeth teve décadas para mostrar quem era e infiltrar-se nos sentimentos da população como uma figura acima do bem e do mal, o novo rei, muito menos palatável, precisa provar, em curto prazo, que possui estofo para preservar uma instituição que faz pouco ou nenhum sentido no mundo moderno.
Nessa nova e majestosa missão, Charles tem de abandonar hábitos e atividades que lhe são caros. Não poderá mais se envolver na arrecadação de fundos para suas entidades filantrópicas — entre outras ações pouco ortodoxas, aceitou dinheiro vivo em sacolas de um xeique do Catar. Sobre meio ambiente, causa que abraça, só deverá proferir opiniões vagas e que estejam de acordo com a política do partido no poder. No campo pessoal, os desafios serão emplacar Camilla, a amante eterna que infernizou a vida de Diana, como rainha consorte e aparar os espinhos da desandada relação com o caçula, Harry, e sua mulher, Meghan, ex-atriz americana de gênio difícil. O rei prepara ainda a armadura para resistir ao golpe de um novo desmembramento do reino, com vários que ainda o têm como monarca a um passo de virar república. Mas as primeiras pesquisas apontam boa vontade para com o rei Charles III: 63% dos britânicos acham que ele será um bom soberano. Caso algo dê errado, as esperanças da monarquia se depositam em William e Kate, um casal simpático, moderno e até agora impermeável aos escândalos dos Windsor. Com Charles ou com William, a era pós-elizabetana ainda está por ser desenhada.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821