Agricultores de toda a França organizaram grandes protestos nesta segunda-feira, 18, contra o acordo comercial proposto entre os países da União Europeia e o Mercosul, que visa estabelecer a maior zona de livre comércio do mundo, abrangendo 700 milhões de pessoas.
O pacto, que pretende reduzir tarifas e impulsionar o comércio entre os blocos europeu e sul-americano, enfrenta forte resistência na França, onde os produtores rurais reclamam da “concorrência desleal” e riscos ambientais associados a fazer negócios com nações cujas leis nesta área são, supostamente, mais frágeis.
Os manifestantes argumentam que os alimentos produzidos no Mercosul não seguem os mesmos padrões ambientais, sociais e sanitários exigidos na Europa, o que colocaria a agricultura francesa em desvantagem ao abrir espaço para a importação de carne bovina, frango, milho e açúcar mais baratos do Brasil e da Argentina.
“Somos contra a conclusão de um tratado desequilibrado que provavelmente destruirá parte do setor agrícola francês”, afirmou Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional de Sindicatos de Agricultores (FNSEA), ao jornal financeiro francês La Tribune Dimanche.
Durante uma visita a Buenos Aires no domingo 17, antes de partir para o Rio de Janeiro para se reunir com os líderes das maiores economias do mundo no G20, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que “a França não assinará este tratado como está”. Suas palavras ecoam as do primeiro-ministro do país, Michel Barnier, que no dia anterior declarou: “Não a este tratado”.
Pelo menos 600 deputados e senadores de direita e esquerda se uniram na semana passada para pedir que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, respeite “a expressão democrática quase unânime dos parlamentares franceses”.
Bloqueio de estradas
No total, são 85 pontos de manifestações planejados, segundo Pierrick Horel, presidente da organização Jovens Agricultores (JA). Na comuna francesa de Vélizy-Villacoublay, perto de Paris, os manifestantes bloquearam duas das três faixas da estrada nacional 118.
O ministro do Interior, Bruno Retailleau, por sua vez, alertou no domingo que haveria “tolerância zero” a qualquer “bloqueio longo” nas estradas.
As manifestações ocorrem menos de um ano após os agricultores franceses realizarem protestos sem precedentes em janeiro, bloqueando várias rodovias do país em resposta ao aumento das importações de produtos agrícolas da Ucrânia após a invasão russa.
Agora, o descontentamento dos agricultores é ainda maior após suas colheitas terem sido afetadas pelas chuvas e seu gado, por surtos de doenças, além do atraso em medidas prometidas pelo governo, em meio às eleições parlamentares.
Acordo UE-Mercosul
Apesar da oposição da classe política e do setores agrícola franceses, a UE se mostrou determinada a assinar o acordo até o final deste ano.
Vários países europeus, como Espanha e Alemanha, são favoráveis ao acordo, argumentando que ele abriria as portas para maiores exportações de carros, máquinas e produtos farmacêuticos europeus. O objetivo é finalizar o pacto antes da cúpula do Mercosul, que acontecerá no Uruguai em dezembro, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
As negociações para um pacto comercial entre a UE e o Mercosul se arrastam há cerca de 25 anos. Um acordo chegou a ser anunciado em 2019, mas teve sua formalização bloqueada devido a exigências europeias por garantias mais rígidas contra o desmatamento da Amazônia e compromissos relacionados às mudanças climáticas, no contexto do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No ano passado, pareceu que o texto seria ratificado, enfim. Mas novamente ficou para depois, devido a divergências sobretudo da França, mas também pela troca de governo na Argentina, o segundo maior país do Mercosul, que trocou o governo de esquerda do ex-presidente Alberto Fernández pelo do ultraliberal Javier Milei.