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Alberto Fernández a VEJA: “Deus é argentino”

Depois de dois dias de maratona em conversas com líderes de países vizinhos, o presidente da Argentina concedeu entrevista em um hotel de Buenos Aires

Por Caio Saad, de Buenos Aires
Atualizado em 4 jun 2024, 10h57 - Publicado em 27 jan 2023, 06h00

A América Latina tem pouca relevância no cenário geopolítico. A eleição de Lula pode ajudar a reverter essa situação? Sim. Durante a era Bolsonaro, houve a decisão de trancar o Brasil e manter apenas um eixo com Donald Trump. A ausência do país nos fóruns internacionais é grave, deixa um vácuo enorme. Lula entende isso muito bem. Além de ser reconhecido no Brasil e nas Américas, ele tem voz no mundo todo.

O que a Argentina tem a ganhar nessa reaproximação com o Brasil? Como argentino, e latino-americano, preciso que o Brasil esteja ao nosso lado. É o principal sócio comercial da Argentina, inclusive nos anos de Bolsonaro. No governo dele, apesar dos maus-tratos a que fui submetido, preferi me calar e privilegiar o vínculo entre nossos países, em vez de romper com tudo.

E para o Brasil, quais são as vantagens? Brasil e Argentina formam 75% do PIB da América do Sul. A ideia é potencializar nossos esforços.

O senhor esteve pouquíssimas vezes com Bolsonaro. Houve algum diálogo marcante? Nunca tivemos uma conversa frente a frente. Na pandemia, nos falamos por videoconferência, quando passei para ele a presidência do Mercosul. Lembro que coincidia com a partida que a Argentina jogou na Copa América, e a única vez que Bolsonaro realmente me dirigiu a palavra foi ali, para antecipar que perderíamos na final. Graças a Deus isso não aconteceu.

O senhor disse que na Argentina o vandalismo golpista de 8 de janeiro não aconteceria. Por quê? As nossas instituições militares e de segurança são mais sólidas e mais comprometidas com a democracia, com a constitucionalidade. Eu tenho certeza absoluta de que eles seguem minhas ordens e que eu sou o comandante das Forças Armadas. Isso não está acontecendo no Brasil.

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E qual é a razão? Ela está na existência do bolsonarismo. A complacência da Polícia Militar em Brasília e certa passividade das Forças Armadas são coisas que chamam a atenção. Mas confio muito na perícia de Lula para reverter isso.

Faltou ao Brasil ajustar as contas com o passado, como fez a Argentina? O Brasil não teve a mesma tragédia que a Argentina, felizmente. Houve anos de ditadura, de perseguição, e também prisões e torturas. Mas nada com a dimensão da Argentina, que contabiliza mais de 30 000 desaparecidos e dezenas de milhares de pessoas torturadas e mortas. Nosso país precisava se reencontrar com sua democracia e suas instituições, e isso foi feito com os julgamentos.

A direita avança no Brasil e em toda parte. De onde vem a força dessa corrente ideológica? A extrema direita, sobretudo, está crescendo em todo o mundo. Acredito que é um produto das mexidas da pandemia e de certos discursos que fazem com que alguns sintam que é possível sair de crises com uma facilidade que não existe.

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A Lava-Jato teve falhas na sua condução, que acabaram invalidando o processo, mas expôs a existência de uma rede de corrupção. Há alguma comparação com o julgamento de sua vice, Cristina Kirchner? Com a situação pontual de Cristina, sim. No Brasil houve corrupção, evidentemente. Muitos declararam que haviam sido corrompidos. O que Lula e Cristina têm em comum é que as acusações contra eles foram forçadas para envolvê-los em processos criminais. O ato pelo qual condenaram Lula é absurdo. O mesmo ocorre com Cristina, com uma acusação juridicamente inaceitável.

A Argentina tem engatado uma crise na outra. Quando o senhor acha que o país vai começar a respirar? A Argentina já está respirando. Batemos recorde de exportação e de crescimento do turismo. Ao final do meu mandato, pela primeira vez desde a era Kirchner o país terá crescido por três anos consecutivos.

A Argentina manifestou o desejo de receber a Copa do Mundo de 2030, com outros países sul-ame­ricanos. Não é um risco, neste momento econômico difícil? Não. Temos de promover nosso continente, e o turismo é um caminho.

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Messi ou Maradona? Falei uma vez que a comparação sobre quem é melhor, Maradona ou Pelé, me irrita, e o mesmo acontece quando Messi é colocado na equação. Não dá para comparar gênios tão distintos: Messi ganha pela técnica, Maradona pela entrega. Lula comentou comigo que a final desta Copa, vencida pela Argentina, foi a melhor que já viu. Para mim, foi a mais emocionante, mas a melhor mesmo foi Brasil e Itália em 1970. Aquela era uma equipe única (Fernández lista de cabeça toda a escalação da seleção brasileira).

Rio de Janeiro ou Buenos Aires? É o mesmo que comparar Messi e Maradona. Buenos Aires tem um rio onde o horizonte se une ao céu, algo incomparável. Mas o Rio é o Rio, uma mescla de cidade com praias maravilhosas.

Deus é argentino ou brasileiro? Argentino, sem dúvida. Sempre que estamos mal, ele nos ajuda.

Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826

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