A pequena Albânia, país de 2,8 milhões de habitantes do tamanho do Estado de Alagoas, situado no sudeste da Europa, tem 175 000 abrigos nucleares. A proliferação de bunkers se deve à obsessão de Enver Hoxha, ditador comunista que fechou as fronteiras e jogou fora as chaves por quase meio século, do que via como ameaça de uma iminente invasão estrangeira para destruir o autoproclamado “farol do socialismo”. Passadas três décadas da derrocada, em 1991, do regime ferrenhamente stalinista, que fez do país o mais isolado e atrasado do continente, a invasão se concretizou, só que com pleno apoio dos albaneses. Neste ano a Albânia, repaginada como destino turístico dos mais procurados, deve receber 6 milhões de visitantes, o mesmo número de turistas que vêm ao Brasil.
Nenhuma capital europeia experimentou nos últimos anos transformação tão radical quanto a pacata Tirana, que nos tempos de Hoxha era classificada como “uma das cidades mais chatas da Europa”, com poucas lojas, nenhum carro particular na rua e entretenimento zero. “A experiência da Albânia era única e complexa. Lembro que absolutamente tudo era estatal, até o serviço do engraxate que lustrava meu sapato”, diz o jornalista brasileiro Bernardo Joffily, que lá viveu exilado entre 1974 e 1979. “As pessoas eram simpáticas e gostavam de bater papo na calçada no fim de tarde.” Desde a mudança de regime e a abertura das fronteiras, a população se multiplicou por quatro, atingindo os atuais 850 000 habitantes, e Tirana, lotada de restaurantes de comida mediterrânea e cafés moderninhos, virou um ponto turístico descolado e não muito caro, o que atrai principalmente os jovens. No centro histórico todo reformado mesclam-se mesquitas, igrejas e edifícios herdados do período comunista. Aberto em 2016, o Museu da Tortura, dedicado às vítimas do antigo regime, está instalado justamente dentro de um bunker.
A Albânia ainda é um dos países de menor renda per capita da Europa, com metade da população vivendo da agricultura, mas o turismo, que deve injetar cerca de 4 bilhões de euros na economia este ano, está mudando esse estado de coisas. O maior chamariz turístico do país fica na faixa de 150 quilômetros ao longo do Mar Adriático. A Riviera Albanesa, como é chamada, leva uma grande vantagem sobre sua xará francesa: como demorou a ser descoberta, preserva as últimas praias praticamente intocadas, sem prédios, sem lixo e sem hordas de banhistas — ao menos por enquanto.
No interior, o país é cortado pelos Alpes Albaneses, uma cordilheira que se eleva a 3 000 metros, coberta de florestas. Nos picos nevados, inexplorados por longas décadas, um punhado de estações de esqui foi inaugurado nos últimos três anos. Ao lado das belezas naturais, a Albânia oferece um sítio arqueológico, no Parque Nacional de Butrint, e as cidades históricas de Ohrid e Berat, declaradas Patrimônio da Humanidade pela Unesco. “Nosso passado é complicado, mas aprendemos a fazer piada disso”, diz Genti Mati, dono de uma agência de turismo de Tirana. Prova da nova imagem do país, é ali que estão as origens de duas cantoras de sucesso, Dua Lipa e Rita Ora. E vem de lá a mocinha de Mister, o novo romance da britânica E.L. James, autora do best-seller erótico Cinquenta Tons de Cinza. A Albânia, quem diria, agora é pop.
Publicado em VEJA de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662
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