Um meme que circula pela internet francesa desde a eleição, no dia 23 de abril, mostra uma troca de mensagens SMS fictícia entre Marine Le Pen e seu pai, Jean-Marie. “Muito bem, minha garota!”, cumprimenta o veterano direitista, antes de completar: “Será que agora já podemos parar de fingir que estamos brigados?”.
A piada se baseia na crença de muitos franceses de que o rompimento político entre os dois, ocorrido em 2015, não passa de pura fachada ou pelo menos parte de uma estratégia para descolar de Marine a imagem de antissemita da qual Jean-Marie não consegue mais escapar. Para chegar onde chegou, atingindo 21,53% das intenções de voto e repetindo o feito do pai ao se qualificar para o segundo turno, Marine precisou submeter seu discurso a uma forte transformação que incluiu o fim de qualquer referência à questão judaica.
“O antissemitismo é a linha vermelha que Marine Le Pen estabeleceu como limite que não deve ser ultrapassado”, diz a cientista política Nonna Mayer, do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Esta linha era frequentemente borrada quando Jean-Marie liderava o partido.
Mas alguns episódios desta campanha despertam a desconfiança do eleitorado sobre o que Marine Le Pen realmente pensa sobre o tema. Em março, ela foi fotografada em um encontro com o deputado russo Vitali Milonov, conhecido por suas posições antissemitas e homofóbicas, sendo autor de uma lei que pune “propagandas homossexuais”.
Florian Philippot, braço-direito de Marine, garante que ela não teria aceitado posar para a foto se soubesse quem era o deputado. Philippot, ele próprio homossexual, é considerado um dos criadores da “nova Marine Le Pen”, de imagem mais palatável ao público.
Nova Le Pen?
Também nesta eleição, Marine cometeu uma gafe sobre o holocausto. No dia 9 de abril, afirmou que o “velódromo não foi culpa da França”. Ela fazia referência aos episódios de 16 e 17 de abril de 1942, quando mais de 13.000 judeus foram aprisionados no Velódromo d’Hiver, em Paris, pelo regime de Vichy, antes de serem enviados para campos de extermínio. O discurso vai na linha seguida por Marine de “não culpabilizar os franceses pelo seu passado”, o que, segundo ela, seria uma obsessão da esquerda ao reler a história.
“Marine muda seu discurso em relação a seu pai em 2002 quando o assunto é antissemitismo. Os judeus não são mais o problema da Frente Nacional”, disse a VEJA Thierry Vedel, especialista em comunicação política também do CNRS. “Neste assunto, é preciso distinguir entre eleitores e dirigentes. Entre os dirigentes do partido há uma ideologia muito identitária, nacionalista, de extrema direita. Em bom francês: há lá dentro verdadeiros racistas”, descreve Vedel.
O fenômeno, no entanto, não se repetiria entre a imensa massa operária que agora vota Marine. “Nas nossas entrevistas com eleitores, percebemos que eles podem até não gostar da imigração, mas não são necessariamente racistas”, diz o especialista.