Em um movimento inédito, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apelou na quinta-feira 30 ao adiamento das eleições gerais deste ano, que estão marcadas para o dia 3 de novembro. Constitucionalmente, porém, Trump não pode adiar o pleito.
Constitucionalmente, como explicou a VEJA o cientista político Leonard Wantchekon, da Universidade de Princeton, cabe ao Congresso americano decidir a data das eleições gerais. Segundo o Artigo II da Constituição americana, “o Congresso pode determinar a hora de escolher os eleitores e o dia em que eles deverão dar seus votos; o dia deverá ser o mesmo em todo os Estados Unidos”.
A Carta Magna não prevê nenhum poder ao presidente para agendar a data das eleições por conta própria. Nas primeiras décadas da democracia americana, com exceção da primeira eleição presidencial, vencida pelo general George Washington em 1789, o Congresso americano permitia que cada estado realizasse o pleito quando quisesse desde que fosse dentro de um intervalo de 34 dias entre o final de outubro e o início de dezembro.
Esse processo que se estendia por mais de um mês não desrespeitava a Constituição americana, como reportou a emissora americana CNN, devido a questões burocráticas envolvendo o sistema de colégio eleitoral, que define as eleições presidenciais americanas. Em 1845, os congressistas aprovaram uma lei para uniformizar as eleições gerais em um mesmo dia em todo o país, prevendo que a votação seja realizada na terça-feira que suceder a primeira segunda-feira de novembro.
Essa lei federal está em vigor até hoje. “A data da eleição nunca foi mudada na história deste país desde então”, lembra Wantchekon. Foram mais de 40 eleições gerais sem nenhuma exceção à lei, mesmo durante as duas Guerras Mundiais e a Guerra Civil Americana.
Para que as eleições gerais deste ano não ocorram na terça-feira, 3 de novembro, o Congresso americano precisaria aprovar uma nova lei para se sobrepor à determinação da legislação de 1845.
A ratificação de uma nova lei federal sobre a data das eleições demandaria o apoio da maioria de ambas as casas do Congresso: o Senado, que está sob a situação republicana, e a Câmara dos Deputados, controlada pela oposição democrata. “Mesmo que os republicanos tentem por em votação uma lei para adiar as eleições, os democratas têm o controle da maioria da Câmara. Então, o adiamento não vai acontecer”, acredita Wantchekon.
Votação por correio
No tuíte de quinta-feira em que Trump apelou pelo adiamento das eleições, o presidente disse que, em meio à pandemia da Covid-19, “com a votação universal por correio, 2020 será a eleição mais imprecisa e fraudulenta da história”.
“Será um grande embaraço para os EUA. Adiem a eleição até que as pessoas possam votar de maneira adequada, segura e protegida???”, concluiu.
With Universal Mail-In Voting (not Absentee Voting, which is good), 2020 will be the most INACCURATE & FRAUDULENT Election in history. It will be a great embarrassment to the USA. Delay the Election until people can properly, securely and safely vote???
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 30, 2020
Mais de 180 milhões de americanos — 77% do eleitorado nacional — em mais de 40 estados americanos e no Distrito de Columbia (Washington) poderão votar por correspondência nas eleições gerais deste ano sem precisar de justificativa além do receio de contrair a Covid-19.
Alguns estados, como o Oregon, permite a prática de votação por correspondência sem necessidade de nenhuma justificativa há décadas, enquanto outros, como o Tennessee, permitiram que os eleitores votem por correio excepcionalmente devido à pandemia.
Diferentemente do que Trump afirma, os votos por correspondência não geram grandes fraudes. Como cita o jornalista da CNN Chris Cillizza em um artigo para a sua coluna The Point, um estudo conduzido pelo professor Justin Levitt, da Loyola Law School, indica que houve apenas 31 casos de voto fraudado dentre mais de um bilhão entre 2000 e 2014.
O apelo para o adiamento das eleições gerais mostra, segundo Wantchekon, que “Trump está desesperado eleitoralmente, buscando apenas fazer barulho com esse comentário”.