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Aprovada em 9 estados, tendência ‘antiaborto’ avança nos EUA

Do total de 353 senadores estaduais, 284 aprovam leis mais restritivas ao aborto; desses, apenas 23 são mulheres e 14, democratas

Por Pietra Carvalho
Atualizado em 30 jul 2020, 19h45 - Publicado em 6 jun 2019, 18h16
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  • Em nove dos 50 estados americanos, leis mais restritivas ao aborto foram aprovadas apenas neste ano por Congressos bicamerais de maioria republicana e com raros votos democratas e de mulheres de ambos os partidos a favor. Outros sete Congressos estaduais ainda vão votar projetos neste sentido nos próximos meses, dentre os quais o de Nova York.

    Levantamento feito por VEJA mostra que, no conjunto dos nove senados estaduais, 248 legisladores – 70% do total – votaram a favor do projeto mais restritivo ao aborto. Desse conjunto, apenas 23 eram mulheres. As posições contrárias foram assumidas por 104 senadores ou 29,4%. Apenas um, do Arkansas, se absteve de votar.

    Nos Estados de Alabama, Georgia, Missouri, Ohio e Utah nenhum democrata aprovou o texto. Mas nos outros quatro estados – Arkansas Kentucky, Louisiana e Mississippi -, 14 senadores estaduais democratas votaram em favor das regras mais restritas para o aborto.

    Motivados pelo perfil mais conservador da Suprema Corte, depois de duas nomeações feitas pelo presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, os legislativos estaduais desafiam a última instância da Justiça do país, com a esperança de reversão da jurisprudência favorável à interrupção da gestação válida desde 1973.

    Naquele ano, a Suprema Corte garantiu o direito ao procedimento até a 28ª semana de gestação. Para os legisladores estaduais “pró-vida”, defensores do início da existência a partir da concepção, esse entendimento configurara assassinato. As esperanças dos grupos antiaborto aumentaram quando a corte, em fevereiro, vetou por 5 votos a 4 uma lei na Louisiana que manteria apenas um médico fazendo abortos em todo o estado. No passado, o veto teria mais votos.

    A margem apertada da votação deu a largada para uma corrida conservadora contra a norma vigente. Segundo a Federação de Paternidade Planejada da América, a Planned Parenthood, o avanço do movimento “pró-vida” não deve parar por aí. Mais 250 medidas antiaborto foram apresentadas em 41 dos estados americanos apenas nos primeiros cinco meses de 2019 e podem ser discutidos já no segundo semestre. 

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    Maior empecilho aos projetos “pró-vida” dos congressistas americanos, a Roe versus Wade é uma jurisprudência da Suprema Corte americana em 1973, que permite a interrupção voluntária da gravidez nos 50 estados do país e proibindo a punição jurídica de mulheres que realizem o procedimento, protegidas pelo “direito constitucional à privacidade.”

    A jurisprudência foi baseada no caso de Norma L. McCorvey (sob o nome fictício de Jane Roe no processo), que exigiu o direito do aborto do feto fruto de um estupro. A demora e a burocracia em sua terra natal a obrigaram a ter o filho, enviado para adoção. Mas história abriu precedentes para a decisão da instância mais elevada da Justiça americana que, em teoria, não pode ser desrespeitada. 

    Em todo o país, 162 clínicas habilitadas para realizar abortos fecharam entre 2011 e 2016 com a aprovação de leis estaduais mais duras, criando “desertos” para o procedimento. Hoje, cerca de 1.600 clínicas ainda estão em funcionamento, apoiadas pelo governo, pela iniciativa privada e por organizações não governamentais.

     

    Kentucky, o pioneiro

    Em 15 de março, o Kentucky tornou-se o primeiro estado a sancionar a “lei do batimento cardíaco” desta onda anti-aborto. A proposta do senador estadual Matt Castlen, a mais restrita do país, prevê a condenação à prisão de grávidas e médicos envolvidos na interrupção de gestações com mais de seis semanas.

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    Este limite está baseado no momento em que o coração do feto começa a bater. Segundo a nova lei, as mulheres com apenas duas semanas de atraso em um ciclo menstrual regular já não poderiam mais fazer um aborto legal.

    A medida foi criticada por não abrir exceção para os casos de estupro e de risco de vida para a mãe, mas foi endossada por 31 dos 38 senadores e aprovada também na Câmara estadual por 79 deputados, com oposição de apenas 19.

    O governador do Kentucky, o republicano Matt Bevin, sancionou a lei em 15 de março, mas a proposta foi vetada pelo juiz federal David Hale no mesmo dia. O bloqueio  continua em vigor. 

    Na ocasião, a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), organização em favor do direito ao aborto, entrou com um processo na Corte de Kentucky contra a lei por considerá-la  inconstitucional. A entidade alega que a maioria das mulheres não sabe que está grávida antes de seis semanas. 

    “Em mais uma página da cartilha antiaborto, o Kentucky aprovou uma lei que banirá o aborto antes mesmo que as mulheres saibam estar grávidas. Essas proibições são descaradamente inconstitucionais, e nós pediremos a Corte para derrubá-las”, declarou em comunicado a diretora-executiva da ACLU, Brigitte Amiri.

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    Apesar do bloqueio, outras leis em vigor no Kentucky já dificultam o aborto legal. Em março de 2017, Matt Bevin assinou uma lei do Senado estadual proibindo o repasse de verbas públicas para clínicas e organizações dedicadas ao procedimento.

    Dos seis senadores contrários ao projeto neste ano há apenas um republicano. Julie Raque Adams, de 49 anos, ocupa o cargo desde 2015. Católica e mãe de dois filhos, ela está envolvida em projetos para melhorar as condições de vida de grávidas encarceradas nos Estados Unidos e defendeu um projeto, aprovado pelo Senado estadual em março, para aumentar a fiscalização sobre os locais de trabalho das gestantes.

    Arkansas

    Também em 15 de março, o governador republicano Asa Hutchinson assinava o projeto de lei 1439 no Arkansas, proibindo o aborto depois das dezoito semanas de gestação. 

    “Este projeto é um ataque extremamente perigoso ao acesso ao aborto e uma intrusão pesada do governo nas decisões pessoais das mulheres. A Suprema Corte já deixou claro: decisões médicas importantes devem ser tomadas pelas mulheres e por seus médicos, e não ditadas por políticos ou burocratas do governo”, escreveu a diretora da ACLU no estado, Rita Sklar, em artigo no jornal Northwest Arkansas.

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    “Já desafiamos com sucesso este tipo de proibição inconstitucional e estamos preparados para agir de novo. Governador Hutchinson: nos vemos no tribunal”, completou.

    Em resposta, Hutchinson disse estar seguro de que a lei resistiria aos recursos da oposição. Sem intervenção de juízes federais, as novas normas deveriam começar a valer 90 dias depois da primeira aprovação na Câmara, em maio. Mas as objeções da ACLU estão atrasando o processo.

    O Arkansas, porém tem outras munições contra o aborto. Em 20 de fevereiro, os deputados estaduais aprovaram o Ato 180 que, em caso de revogação da decisão Roe versus Wade pela Suprema Corte dos Estados Unidos, proibirá o aborto desde o momento da concepção, inclusive fruto de estupro e incesto, no Arkansas. A única exceção será em caso de emergência médica.

    Mississippi

    Terceiro estado a aprovar mudanças em sua legislação sobre o aborto, o Mississippi já havia barrado cinco projetos de lei idênticos. O projeto 2.116, que impõe o batimento cardíaco do feto como fator limite para o aborto e ameaça revogar a licença de médicos que realizarem o procedimento depois da sexta semana de gestação, foi apoiado por 34 de seus 52 senadores no dia 13 de fevereiro.

    Depois da assinatura do governador, o republicano Phil Bryant, a lei foi contestada pelo Centro para os Direitos Reprodutivos dos Estados Unidos e está bloqueada por um Tribunal Federal.

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    No ano passado, uma proposta mais branda, o projeto de lei 1.510, também foi barrada pela Justiça americana. Ela diminuía de 20 para 15 semanas de gravidez o prazo para a realização de abortos no Mississippi.

    “A Suprema Corte dos Estados Unidos já sinalizou que o Estado teria alguns benefícios com a regularização do aborto. Um deles é proteger a vida da mãe, outro é proteger uma vida humana em potencial”, disse o senador republicano Joey Fillingane ao jornal Mississippi Today, reforçando a confiança dos conservadores na atual configuração da corte. 

    Entre os senadores democratas, apenas dois votaram a favor do projeto 2.116, fugindo da opinião acordada por seu partido: J.P Wilemon, de 78 anos, e Russell Jolly, de 63.

    Utah

    O projeto de lei da Câmara dos Deputados de Utah, sancionado pelo governador Gary Herbert no último dia 25 de março, é o mais flexível entre os aprovados em 2019. A lei 136 proíbe o aborto no estado depois das 18 semanas de gestação, abrindo exceção para casos de estupro e incesto. Também permite o procedimento em casos de riscos para a mulher e de má formação do feto.

    Por outro lado, o documento, aprovado por 23 votos a 6 no Senado local, estabelece pena de até 15 anos de prisão e multa de 10.000 dólares para médicos e mulheres denunciados por desrespeitar a lei.

    A nova regra, que já deveria estar em vigor desde 14 de maio, também está no centro de uma disputa judicial com a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) e com a Planned Parenthood, uma organização sem fins lucrativos que fornece cuidados de saúde reprodutiva nos Estados Unidos.

    Mas, em abril, o procurador-geral de Utah, Sean Reyes, anunciou o adiamento da execução da lei até que o impasse seja resolvido pela Justiça.

    Ohio

    Uma rebelião democrata acompanhou a aprovação das leis 68 e 23 no estado de Ohio, em março deste ano. Na Câmara e no Senado, nenhum membro do partido votou nas propostas, unificadas pelos legisladores.

    O primeiro projeto, o 68, tramitou na Câmara. Proíbe abortos a partir da detecção dos batimentos cardíacos do feto. No segundo, o 23, os senadores complementaram com a previsão de prisão e multa de 20.000 dólares para os médicos que realizarem o procedimento depois do limite fixado.

    Depois da assinatura do governador, Mike DeWine, em 11 de abril, a ACLU e a Planned Parenthood também moveram uma ação contra a proposta, tentando evitar que ela passe a valer na data inicialmente prevista, 10 de julho. O procurador-geral de Ohio ainda não deu seu parecer sobre o assunto, deixando dúvidas sobre o futuro da lei.

    Apesar das barreiras, a mera aprovação política das medidas já foi uma vitória para os conservadores do estado, que investiam em propostas da “lei do batimento cardíaco” desde 2011. Em 2016, um outro projeto já havia passado pelas duas casas legislativas, mas foi barrado pelo antecessor de DeWine, John Kasich, que o vetou duas vezes alegando inconstitucionalidade, de acordo com a Associated Press.

    Georgia

    A Georgia foi o sexto estado americano a aprovar restrições ao aborto neste ano e o quarto a adotar a “lei do batimento cardíaco”. O ato de “Justiça e Igualdade” da Câmara estadual reconhece o feto como cidadão desde a sua formação, afirmando que, a partir da sexta semana de gravidez, ele já deve ser levado em conta na declaração de imposto de renda dos pais, como dependente, e no censo populacional.

    Os médicos habilitados poderiam realizar o aborto em mulheres com até 20 semanas de gestação em casos de estupro e incesto, mas apenas se a vítima tiver o boletim de ocorrência comprovando a alegação. Além disso, a lei também abre exceção para os casos de anomalia congênita ou cromossômica do bebê.

    Para sustentar sua ideia, o projeto inclui possíveis auxílios do governo para as mães que, mesmo sem condições financeiras, sustentarem a gravidez. “Os pais ainda podem colocar o feto como um ‘menor dependente’ para receber uma dedução de seu imposto de renda”, argumentam os autores da lei, três deputados republicanos, dois deles mulheres.

    O projeto de lei 481 foi assinado pelo governador Brian Kemp em 7 de maio, mas também sofre oposição de grupos “pró-escolha.” 

    Alabama

    No último dia 14 de maio, 25 homens republicanos aprovaram o “Ato de Proteção da Vida Humana do Alabama” no Senado do estado. Legislação mais dura apresentada a um plenário estadual até o momento, a lei define que os profissionais responsáveis pelo aborto serão processados e punidos  por homicídio comum e seus atos serão comparáveis aos do Holocausto e outros genocídios. As mulheres que contratarem o serviço não serão indiciadas.

    Apesar da hegemonia masculina entre os senadores favoráveis, o projeto foi aceito também pela governadora do Alabama, a republicana Kay Ivey.

    Handout photo of Alabama Governor Kay Ivey signing into law the Alabama Human Life Protection Act in Montgomery
    A governadora Kay Ivey, ao sancionar a lei: ‘esta lei é um testamento das crenças do povo do Alabama: de que toda vida é um presente sagrado de Deus’ – 15/05/2019 (Office of the Governor State of Alabama/Reuters)

    Se a lei entrar em vigor, uma mulher do Alabama poderia fazer um aborto legal apenas em duas situações: se o feto tiver uma “anomalia letal”, que causará sua morte pouco depois do parto, e para prevenir “riscos sérios de saúde” para a mãe.

    A legislação também deixa claro que transtornos mentais e “condições emocionais” instáveis não são suficientes para justificar o procedimento – a não ser que um médico diagnostique o problema como um risco para a vida da gestante ou de seu filho.

    A Planned Parenthood, a ACLU e a ACLU Alabama entraram com recurso contra a aprovação no dia 24 de maio, em nome das clínicas de aborto cadastradas no estado. A Justiça ainda não deu seu parecer sobre o assunto.

    Missouri

    No dia 24 de maio, o governador do Missouri, Mike Parson, assinou o projeto de lei 126, da Câmara estadual, proibindo abortos a partir das oito semanas de gestação. O “Ato de Apoio aos Nascituros” não abre exceções para vítimas de estupro ou incesto e impõe até 15 anos de prisão para os médicos que realizarem a interrupção da gravidez, isentando as pacientes de processos legais.

    O projeto da Câmara afirma que o Estado e suas instituições são “santuários da vida” e ainda prevê expansões da restrição ao aborto caso a Suprema Corte reverta a decisão Roe versus Wade.

    “Assinando este projeto hoje, nós enviamos um grande sinal para a nação de que, no Missouri, nós defendemos a vida, a proteção da saúde da mulher e dos nascituros”, escreveu o governador em sua conta no Twitter, logo depois de assinar o documento. “Toda vida tem valor e merece ser protegida.”

    Já prevendo a oposição de organizações não governamentais, o projeto de lei 126 inclui alternativas para o caso de essa legislação ser rejeitada pela Justiça. Dependendo das decisões da corte, a data limite para o aborto pode ser de 14, 18 ou 20 semanas de gravidez. Depois disso, o feto já estaria totalmente formado e, portanto, capaz de sentir dor. No Missouri, apenas uma clínicas está credenciada para realizar abortos.

    Louisiana

    Se em Ohio os democratas estavam na linha de frente da oposição à lei mais restritiva ao aborto, em Louisiana, os membros desse partido se alinharam às ideias “pró-vida” dos republicanos, guiados pelo governador do estado, John Bel Edwards.

    No último dia 30, após vitórias esmagadoras no Senado e na Câmara, Edwards sancionou a lei 184, proibindo abortos depois da detecção de batimentos cardíacos do feto, com exceção para casos de risco à saúde da mulher. O projeto também foi idealizado por um senador democrata, John Milkovich, e é um dos mais radicais aprovados por ignorar os casos de gravidez resultantes de estupro e incesto.

    “Em 2015, concorri ao governo como um candidato pró-vida, depois de servir como um legislador pró-vida por oito anos. Como governador, me mantive fiel a minha palavra e às minhas crenças sobre este assunto”, explicou Edwards, um católico praticante, por meio de comunicado, após críticas da liderança democrata.

    Médicos que não obedecerem à lei podem ser condenados a até dois anos de prisão e revogação de sua licença médica.

     

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