Aqui e lá: as reformas previdenciárias no Brasil e na Argentina
Reforma brasileira definha em ano eleitoral enquanto no vizinho foi aprovada em dezembro; ambos países tentam solucionar mesmo problema por meios diferentes
Reformas previdenciárias não costumam ser populares em parte alguma do mundo. Governos em geral querem dificultar o acesso ou valor do benefício para preservar o sistema de maneira mais sólida. Em alguns casos, há até propostas de privatizar parte dos fundos previdenciários, como ocorre no Reino Unido.
Ao contrário do governo brasileiro, que ainda luta para emplacar uma minirreforma em 2018, a vizinha Argentina conseguiu aprovar sua reforma em dezembro passado, em uma vitória do presidente Mauricio Macri. O caminho até a aprovação encontrou forte resistência popular, com protestos violentos em Buenos Aires e greves ao longo de dezembro pelo país.
Com a aprovação, a Argentina espera resolver o alto déficit em seus sistemas de arrecadação—mesmo motivo que leva o Brasil a também buscar uma reforma.
A previdência argentina gera um déficit fiscal de 3% do produto interno bruto (PIB) do país anualmente. Já no caso brasileiro, o rombo é crescente: o déficit previdenciário (isto é, a diferença entre o que foi arrecadado e o que é pago em aposentadorias) passou de um valor igual a 0,3% do PIB, em 1997, para cerca de 2,7% em 2017.
No Brasil, o rombo não ocorre de maneira uniforme, já que há regimes diferentes para trabalhadores do setor privado, para servidores públicos civis e militares, além do regime para trabalhadores rurais.
Considerando o setor privado, o déficit do INSS em 2017 foi de 182,45 bilhões de reais em aposentadorias e pensões pagas a cerca de 29,8 milhões de beneficiários. O déficit dos servidores civis e militares chegou em 86,34 bilhões no último ano, mas esse rombo é produzido pelos benefícios de somente cerca de 1,1 milhão de pessoas.
Isso quer dizer que, na média, cada aposentado ou pensionista do setor privado gera uma dívida anual de cerca de 6.120 reais aos cofres públicos para além do que o INSS arrecadou, enquanto cada inativo do setor público custa aproximadamente 78.135 reais por ano aos contribuintes para além do que o regime dos servidores arrecada dos funcionários ativos — proporcionalmente, cada servidor inativo gera um déficit de quase treze vezes em comparação aos contribuintes do setor privado.
O fato de a expectativa de vida ter aumentado em ambos os países é outro fator de preocupação. Como as pessoas vivem mais, elas recebem o benefício por mais tempo.
“Existe um clima regional de se fazer reformas opostas àquelas feitas durante os governos Lula e Kirchner. O Brasil faz um caminho mais extremo do que a Argentina e é uma referência inversa. Maurício Macri faz o que considera um gradualismo”, analisa o cientista político e professor da Universidade de Buenos Aires, Julio Burdman.
Argentina: mudanças no reajuste e na idade para se aposentar
Até a entrada em vigor do novo sistema previdenciário no próximo mês, a Argentina realiza um reajuste das aposentadorias de forma semestral, utilizando índices que levam em conta a arrecadação previdenciária e a variação salarial média no período em todos os setores do país. No novo sistema, o reajuste passa a ser trimestral e o cálculo terá como base a inflação e a variação dos salários de servidores.
“Seriam cerca de 17 milhões de pessoas afetadas”, comenta o deputado do Partido dos Trabalhadores Socialistas, Christian Castillo. Isso se veria refletido diretamente no bolso dos aposentados, pensionistas e dos beneficiados pela versão argentina do Bolsa Família, a “Asignación Universal por Hijo“.
“O índice reduziria as correções nos benefícios, e os aposentados poderiam chegar a ganhar cerca 600 pesos (aproximadamente 112 reais) menos já em março de 2018”, explica Castillo.
Uma das críticas à reforma é que, com a implantação do novo sistema em março, o reajuste não levaria em conta a inflação do último trimestre de 2017. Para conseguir aprovar a reforma, Macri incluiu na proposta o pagamento de um bônus único para compensar a perda de cerca de 10 milhões de aposentados e pensionistas.
A reforma argentina também impacta os trabalhadores da ativa. No sistema do país, a idade mínima para se aposentar é de 60 anos (mulheres) e 65 (homens) ou um mínimo de trinta anos de contribuição. No entanto, a partir dessa idade, empregadores podem intimar seus funcionários a se aposentarem, criando, na prática uma idade limite para trabalhadores ativos. Aqueles que se aposentam por idade antes de completar os trinta anos de contribuição têm o valor do benefício diminuído.
Pela nova regra, opcionalmente, homens e mulheres podem continuar trabalhando e contribuindo até os 70 de idade.
A reforma brasileira
A versão brasileira da reforma contém uma proposta de mudança muito mais abrangente que a argentina e inclui a criação da uma idade mínima independentemente do tempo de contribuição fixada inicialmente em 62 anos (mulheres) e 65 (homens). Há no entanto uma barreira: no Brasil só será possível se aposentar ao se atingir um tempo de contribuição equivalente a quinze anos para trabalhadores da iniciativa privada e 25 para funcionários públicos independentemente da idade do trabalhador, algo que não ocorre na Argentina.
Segundo Julio Burdman, a reforma extrema que o Brasil tenta aprovar em grande parte se explica pelo contexto político, com um governo que tenta aproveitar o momento de transição para aprovar reformas impopulares.
Aprovação
A aprovação da reforma brasileira depende do apoio do Congresso. O texto aprovado pela comissão especial em maio ficou parado depois das denúncias contra o presidente Michel Temer. O governo tenta votar a reforma até o fim de fevereiro, mas ainda não tem votos suficientes para aprovar a proposta na Câmara dos Deputados – são necessários 308 votos. Quando esteve em Buenos Aires participando da reunião da Organização Mundial de Comércio (OMC) no início deste mês, Temer afirmou que a proposta de reforma se justificava pela atual situação da Previdência.
Na Argentina, a primeira tentativa de votação da reforma no Senado levou milhares de manifestantes às ruas e, segundo a imprensa local, houve enfrentamentos com a polícia em níveis de violências não vistos desde a crise de 2001.
“O governo argentino fez um pacto fiscal com cerca de 24 governadores, por isso, apesar de ter minoria no Senado, através de sua intervenção, a lei chegou a esta instância”, explica Castillo.
Por aqui, Temer tenta envolver prefeitos e governadores em uma última tentativa de aprovar a reforma — tarefa árdua em ano eleitoral para um presidente extremamente impopular.
(Contribuíram para a reportagem Fabiana Futema, Marcelo Sakate e Solly Boussidan. Arte: Alexandre Hoshino)