A decisão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em barrar a entrada da Venezuela no grupo de “países parceiros” do Brics, na terça-feira 22, abriu um novo capítulo das já desgastadas relações Brasília–Caracas. Antes aliados notórios, Lula e Nicolás Maduro têm trocado farpas desde as eleições venezuelanas em julho, que declararam vitória do chavista sobre a oposição em flagrante fraude.
“É uma continuação de uma deterioração das relações, mas que consolida uma posição diferente do Brasil perante o antigo aliado. Lula entendeu que precisa esfriar as relações”, afirmou a VEJA Paulo Velasco, professor de relações internacionais da UFRJ. “O veto foi um recado contundente, que ficará marcado na história das relações bilaterais.”
A divulgação da lista dos países convidados a participar do Brics como parceiros revelou uma tentativa do governo brasileiro em se afastar dos problemas do vizinho, alvo de críticas da comunidade internacional pela falta de transparência no pleito e por abusos dos direitos humanos devido a prisões arbitrárias e repressão a protestos. Desde julho, mais de 2.200 pessoas foram detidas e diversos políticos foram sequestrados, segundo a oposição.
Sem Venezuela e Nicarágua, outro país que Lula impôs distância, as nações escolhidas para se aliarem ao Brics incluem Belarus, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã. Uma fonte do Itamaraty disse a VEJA, no entanto, que o presidente brasileiro “não propôs nomes e não vetou ninguém”, tendo optado por focar em “critérios”, como “no ano passado, quando da deliberação sobre novos membros plenos”. Barrada diretamente ou não, Caracas foi cortada da lista no mesmo dia em que Maduro aterrissou de surpresa em Kazan, na Rússia, cidade onde ocorre a cúpula.
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O que pode acontecer daqui em diante?
A exclusão não deve ser bem recebida pelo líder venezuelano, que ainda não se pronunciou sobre as restrições impostas pelo Brasil. Após a manobra, analistas mais críticos acreditam que os países podem caminhar rumo ao corte das relações diplomáticas por objeções de Maduro — que, por sinal, já expulsou embaixadores da Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai depois de questionarem os resultados divulgados pelo CNE, órgão eleitoral controlado pelo chavismo.
Mas o rompimento das relações não é uma prática comum na diplomacia brasileira, que preza pela conciliação e não-interferência em questões de política interna de outros países. Além disso, o distanciamento poderia acarretar problemas ainda mais complexos. Em 2019, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cortou relações com a Venezuela, o que provocou prejuízos econômicos e tensões na fronteira em Roraima, por onde não param de entrar refugiados venezuelanos.
“Nenhum dos lados tem interesse em ir além do chumbo trocado no âmbito político. Na prática, nada deve mudar na gestão da fronteira e das relações econômicas, que por sinal já estão em nível baixíssimo. Não há interesse em levar esse esfriamento às últimas consequências, como ocorreu com a Nicarágua”, acrescentou Velasco, referindo-se à expulsão mútua de embaixadores por Manágua e Brasília em agosto.
A ditadura de Daniel Ortega baniu o diplomata Breno Dias da Costa após ele não comparecer ao aniversário de 45 anos da Revolução Sandinista, movimento popular que pôs fim à ditadura no país em 1979. Décadas antes de tornar-se um autocrata, Ortega participara da revolução.
Sem laços com o vizinho de 2019 a 2023, Brasília não conseguiu dialogar com autoridades venezuelanas sobre a crise migratória, nem como oferecer apoio consular aos brasileiros que estavam no país. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2021, sobre as consequências do rompimento, também atentou sobre o imprescindível papel do Brasil na situação política venezuelana: “A presença em Caracas é condição para que o Brasil exerça sua liderança regional e evite que o país vizinho se torne espaço de disputas extrarregionais”, apontou a pesquisa.
Dadas as tentativas de Lula em mediar a crise eleitoral na Venezuela, espera-se que o relacionamento, mesmo que frio, não culmine num término turbulento. Ao que tudo indica, a decisão brasileira é um recado a Caracas (e um aceno à comunidade internacional) de que existem, sim, limites que não podem ser ultrapassados.