As ilhas artificiais de Dubai que reproduzem países da Europa
No lugar que é símbolo da eficiência e da criatividade, uma casa pode custar até 40 milhões de dólares
O Emirado de Dubai, um dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos, é um lugar de superlativos — tem o maior prédio do mundo (o Burj Khalifa, com 828 metros de altura), o hotel mais luxuoso do planeta (o Burj Al Arab), o maior shopping center (o Dubai Mall) etc., etc. Tudo ali parece ter sido imaginado, do ponto de vista da arquitetura e da engenharia, para aparecer no livro dos recordes, e assim é — são mais de 100 marcas anotadas no Guinness Book. Comandado desde 2006 pelo xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, se apresenta como uma Shangri-lá do Oriente Médio, uma Disneylândia urbana de um canto ermo cuja paisagem é emoldurada permanentemente por guindastes. A joia da coroa, nessa empreitada grandiosa, foi sempre o The World — o arrogante nome de uma ideia ambiciosa, a construção de um arquipélago artificial, a quatro quilômetros da costa, no Golfo Pérsico, que forma o desenho do mapa-múndi. A invenção foi um modo de mudar o vento da economia local, quando parecia que o petróleo faria água, e a solução seria o turismo e os empreendimentos imobiliários. Parecia dar certo — Angelina Jolie e Brad Pitt, por exemplo, compraram por algo em torno de 40 milhões de dólares o conjunto de terra que remete à geografia da Etiópia. E então, em meados dos anos 2000, uma série de desmandos, atrelados a escândalos de corrupção, reduziu o ritmo da engrenagem, cuja dívida ultrapassou os 100 bilhões de dólares. O tesouro virara mico.
Foi preciso subir a montanha mais uma vez, e neste 2020 para lá de tormentoso brotou a boa nova — o The World voltou a respirar e, nos últimos dias, começou a tirar os tapumes de uma porção nobre do cenário de ficção, o The Heart of Europe (O Coração da Europa). Trata-se, como indica o nome, de uma reprodução de recantos europeus. Seis ilhas temáticas imitam países como a Suécia, a Alemanha e a Suíça, regiões como a Riviera Francesa e cidades como Veneza e São Petersburgo. A ideia de mais de 5 bilhões de dólares: os hóspedes devem ser capazes de se convencer de que foram transportados do calor árabe, quase sempre sufocante, para climas menos áridos. Nas mansões “suecas”, vendidas a 21 milhões de dólares, os quartos e salas parecem estar dentro de embarcações vikings — com direito a um salão com neve artificial e temperaturas sempre abaixo de zero. No resort Portofino, tudo é como no romântico enclave do litoral italiano, próximo de Gênova — os funcionários falam o idioma de Dante, o fuso horário está ajustado ao Velho Continente, a moeda corrente é o euro. O Floating Venice, tecnicamente um barco atracado no cais, reúne 180 cabines submarinas e três restaurantes subaquáticos com visões de tirar o fôlego da vida marinha.
“Ao chegar aqui, você deve esquecer que está em Dubai e sentir que chegou à Europa”, diz Josef Kleindienst, presidente da construtora austríaca Kleindienst, que desenvolve o projeto. O plano não é fazer da empreitada um parque temático e tampouco algo falso como as reproduções que brotam em Las Vegas. “É para ser uma segunda casa e um destino de luxo”, afirma Kleindienst. A pandemia do novo coronavírus atrasou as obras, que deveriam estar prontas até o fim de 2020. Muita coisa já subiu, já pode ser visitada, alugada e até comprada, mas o pacote completo deve mesmo ter as fitas de inauguração cortadas até outubro de 2021, com a realização da Expo 2021, show destinado a celebrar os feitos do emirado. Para brasileiros endinheirados, há uma boa notícia: Dubai aceita a entrada, desde que apresentem atestado médico comprovando resultado negativo para Covid-19 em teste feito com menos de 96 horas da partida. Eis o mundo novo, esse que o xeque decidiu recriar com pedra e cimento, que parece brincadeira, mas é real. É a comprovação do engenho humano — embora, para os críticos, não passe da celebração de um elefante branco no deserto.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717