Mergulhada em tamanha miséria e fome que um em cada cinco habitantes optou por deixar o país, com a oposição esfacelada, a imprensa censurada e as forças de segurança liberadas para torturar e matar, a Venezuela desabou no cenário internacional, levando junto o ditador Nicolás Maduro, responsável maior pelo desastre nacional. Punido com pesadas sanções econômicas, Maduro se tornou um pária não só na sua região, mas no mundo todo — até os poucos aliados, como China, Rússia e Irã, evitavam que figuras importantes pusessem o pé em Caracas. Mas a conjunção do pêndulo da política, que por ora levou os vizinhos para a esquerda, com a guerra na Ucrânia, que virou de cabeça para baixo o mercado do petróleo, soprou um ventinho a favor do presidente venezuelano. E ele não perdeu tempo: neste ano em que completa uma década no poder, está tentando, à sua maneira, recuperar pontos no jogo internacional — com generosos incentivos do amigo Luiz Inácio Lula da Silva.
Convidado para uma reunião de líderes regionais em Brasília, Maduro afirmou: “Vamos entrar em uma nova etapa da integração e união da América do Sul. Sem deixar para trás, desdenhar, a experiência que obtivemos nos últimos quinze anos, de avanço e diálogo”. Tirando a parte do “avanço e diálogo”, dois vocábulos com os quais não tem intimidade, o resto da frase expressa suas expectativas. A oratória belicosa e rude, carregada de imagens machistas, tem dado lugar a posts e discursos contendo menos críticas e mais afagos, com inéditas referências positivas ao feminismo e aos direitos LGBTQIA+. Outra bandeira recente é a preservação da Amazônia — no começo do mês, Maduro anunciou uma operação militar para expulsar mais de 10 000 garimpeiros ilegais da floresta venezuelana e “libertar a área do câncer” que leva à sua destruição. Um recente relatório da Anistia Internacional ressalta que o governo está lançando mão de “uma narrativa progressista como possibilidade de alianças estratégicas” — na prática, internamente, a mão dura segue prevalecendo.
A suspensão pelos aliados ocidentais da importação de petróleo russo desde a invasão da Ucrânia reabriu portas para a Venezuela, dona das maiores reservas do mundo, que também está sob sanção, mas agora é vista como mal menor. De posse de uma autorização especial do governo dos Estados Unidos, a gigante Chevron voltou a operar no país e seis meses depois, em maio, a produção de óleo local ultrapassou 800 000 barris diários — ainda um fio perto dos 3,2 bilhões dos tempos áureos, mas acima dos 650 000 barris comercializados em todo o ano passado. Desde então, foram emitidas novas licenças para outras três empresas americanas e mais a italiana Eni e a espanhola Repsol. O governo de Joe Biden sinalizou disposição de levantar gradativamente as sanções se as eleições presidenciais do ano que vem forem limpas e os resultados aceitos. “Com a guerra na Ucrânia roubando atenção, o problema venezuelano ficou para segundo plano”, diz Pilar Navarro, economista da EMFI Securities em Caracas.
As eleições presidenciais de 2024 serão um teste para a imagem que Maduro quer projetar — ele deve ser candidato a mais seis anos de governo e tem no currículo uma longa folha corrida de fraudes, manobras, repressão e coerção de eleitores nas votações. Para início de conversa, a Controladoria-Geral determinou no fim de junho que a ex-deputada María Corina Machado, em primeiro lugar nas pesquisas, está impedida de exercer cargos públicos por quinze anos por supostas irregulares financeiras e por “fatos públicos, notórios e comunicacionais” — sendo estes o apoio a Juan Guaidó, que comandou um movimento contra Maduro, e às sanções contra o governo. Corina, Guaidó e o líder oposicionista exilado Henrique Capriles — todos inelegíveis — estão entre os treze candidatos nas primárias que vão escolher o adversário único de Maduro no ano que vem.
As conversas oficiais entre governo e oposição no México estão paralisadas, mas em junho o deputado Jorge Rodríguez — braço direito de Maduro —, e o assessor da Casa Branca Juan González tiveram uma reunião secreta em Doha, no Catar, na qual trataram de libertação de presos e da normalização da vida política na Venezuela. “A intenção é mostrar a Maduro que há uma luz no fim do túnel, mas essa luz pode se extinguir rapidamente se ele não agir de boa-fé”, analisa Jason Marczak, do Atlantic Council. Conhecendo a figura, nesse toma lá dá cá todo cuidado é pouco.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850