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As polêmicas em torno do projeto bilionário da ponte para ligar a Sicília ao continente

Caso expõe fissuras políticas, sociais e culturais na Itália

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 ago 2025, 08h00

O Estreito de Messina, no mapa, é quase nada, um detalhe. São pouco menos de quatro quilômetros de mar separando a Sicília do continente, na Itália. Na prática, contudo, o estreito de lindas águas turbulentas é fronteira que há séculos simboliza as divisões da Itália. A geográfica, que mantém a maior ilha do país apartada da península. A econômica, que dificulta ao Sul empobrecido tomar o caminho do Norte desenvolvido. E, por fim, a cultural, que alimenta a sensação de isolamento diante da capital, Roma.

arte mapa ponte

Desde os tempos romanos, aliás, se sonha em unir as duas margens. Agora, pela primeira vez, o projeto parece próximo da realidade. No início de agosto, a primeira-ministra Giorgia Meloni e o ministro dos Transportes, Matteo Salvini, aprovaram a retomada da construção da ponte suspensa, uma das maiores do planeta no gênero. Orçada em 13,5 bilhões de euros, deverá ter o maior vão central do mundo, com 3,3 quilômetros, superando a ponte do Estreito de Akashi, no Japão, com 1,9 quilômetro. Para Salvini, é “o maior projeto de infraestrutura do Ocidente”, capaz de criar até 120 000 empregos, reduzir o tempo de travessia de duas horas para dez minutos e integrar a Sicília às redes de transporte europeu.

O entusiasmo do governo não é unânime, ao contrário. No início de agosto, cerca de 10 000 pessoas marcharam em Messina sob o lema “Queremos água, não ponte”. A manifestação escancarou a contradição: uma das regiões mais pobres da Itália, a Sicília sofre com redes de água precárias, ausência de trens de alta velocidade e estradas esburacadas, mas vê recursos bilionários destinados a uma obra monumental. O Tribunal de Contas italiano já apontou desequilíbrio no orçamento, com verbas excessivamente concentradas no megaprojeto em detrimento de outras necessidades urgentes.

“NÃO” - Moradores de Messina protestam: mais água, menos concreto armado
“NÃO” - Moradores de Messina protestam: mais água, menos concreto armado (Alessandra Benedetti/Corbis/Getty Images)
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A máfia é outro fantasma presente. A Sicília é berço da Cosa Nostra, retratada em filmes como a franquia O Poderoso Chefão, e a Calábria, da violenta ‘Ndrangheta. Ambas têm longa tradição de infiltração em obras públicas, controlando o fornecimento de cimento, o transporte de materiais e até a contratação de mão de obra. Salvini afirma que haverá monitoramento rígido e órgãos especiais de supervisão para impedir a participação criminosa. Mas é inegável que a máfia se adaptou: não governa mais “com rifles”, mas por meio de empresas de fachada e redes de corrupção que se inserem no mercado legal. A preocupação é que parte do orçamento bilionário acabe, inevitavelmente, desviada.

Do ponto de vista da engenharia, a construção é uma façanha. São cabos de aço que, juntos, formam cordas imensas capazes de sustentar todo o tabuleiro suspenso. Como o centro do estreito é profundo demais, as bases precisam ser fixadas mais próximas das margens. A estrutura terá seis faixas para carros e dois trilhos para trens, acomodados em 60 metros de largura. “Para erguer uma obra desse porte, é preciso reunir os melhores projetistas do mundo”, afirma o engenheiro Benjamin Ernani Diaz, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Nacional de Engenharia (ANE). O contraste com o Brasil evidencia a escala inédita. “A Ponte Rio-Niterói, de quase 14 quilômetros de extensão, foi pioneira, moderna para a época, mas não se compara a Messina”, completa Diaz.

MÁFIA - Em O Poderoso Chefão, Al Pacino se esconde em Corleone, na Sicília: facções se infiltram em tudo
MÁFIA - Em O Poderoso Chefão, Al Pacino se esconde em Corleone, na Sicília: facções se infiltram em tudo (./Divulgação)
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Para Roma, a obra é mais do que um elo físico: é um investimento estratégico para todo o país, inclusive na esfera militar. O governo já declarou que a ponte será classificada como “infraestrutura de segurança”, apta a reforçar o compromisso com a Otan e permitir deslocamentos rápidos de tropas pelo Mediterrâneo. Críticos enxergam aí uma outra justificativa para inflar o orçamento já inchado.

A retomada do projeto da ponte sobre o Estreito de Messina expõe, enfim, todas as tensões que moldam a Itália contemporânea. Enquanto escavadeiras se preparam para iniciar os trabalhos, muitos italianos continuam céticos. Para eles, a ponte já cumpre um papel simbólico — revelar, em concreto e aço, as fissuras de um país ainda em busca de equilíbrio.

Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959

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