Um dos poucos a anteciparem a vitória do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na eleição de 2016, o documentarista Michael Moore elevou o tom de seus alertas nas últimas semanas sobre uma possível reeleição do mandatário, apesar das pesquisas apontarem novamente o contrário. A advertência rapidamente se espalhou entre analistas políticos, que mostram que há pontos de vulnerabilidades que podem comprometer o candidato democrata, Joe Biden, e ajudar o republicano a se manter no poder.
Os números apresentados pelas pesquisas para a eleição de 3 de novembro, e as tendências que elas mostram, são a base do argumento do cineasta. A pesquisa de opinião mais recente conduzida pelo jornal New York Times, junto à Siena College, mostra Biden à frente de Trump nacionalmente, e em quatro importantes swing states, os estados decisivos, onde qualquer um dos dois partidos pode vencer. No entanto, os dados também mostram como o ex-vice-presidente pode perder a eleição.
Se a eleição for um referendo sobre o combate do governo à pandemia de Covid-19, Trump provavelmente perderá, analisa o New York Times. Os Estados Unidos somam 6,95 milhões de casos, incluindo 201.822 mortes. Com a chegada de novos surtos no país no terceiro trimestre, a liderança de Biden cresceu para quase 10 pontos percentuais.
Trump, por sua vez, minimiza a tragédia. Na segunda-feira 21, ele afirmou que seu governo tem desempenhado um trabalho “fenomenal” no combate à pandemia e que o país está “virando a esquina”. O caso de áudios de conversas telefônicas sobre a gravidade da Covid-19, divulgadas pelo Washington Post, também podem influenciar. Na ocasião, ele reconheceu que a doença representava um perigo maior que a gripe, mas que sua intenção era de minimizá-la para evitar pânico na sociedade.
No entanto, se a eleição girar em torno de violência e crime, em pauta devido aos protestos contra abusos policiais e o racismo impregnado nas instituições do país, o jogo pode virar. Com força após o caso George Floyd, os protestos são politicamente complicados, tendo a possibilidade de prejudicar tanto Trump quanto Biden. A pesquisa New York Times/Siena College mostra que nos estados decisivos de Minnesota, Nevada, New Hampshire e Wisconsin, uma grande parcela de eleitores acredita que “responder à lei e à ordem” é mais importante que “responder à pandemia de coronavírus”.
Em resposta aos protestos, em maioria pacíficos mas com episódios violentos em algumas cidades, o republicano tenta se mostrar como o candidato da “lei e da ordem”, chegando a enviar forças federais para algumas cidades. A ação foi criticada por boa parte da oposição. Biden, por sua vez, aposta na figura da sua vice, a senadora Kamala Harris, ex-procuradora. As escolhas, entretanto entanto, podem não furar a bolha já estabelecida pelos candidatos.
“A linha de ‘lei e ordem’ de Trump apela para muitos conservadores, mas principalmente para pessoas que já iriam apoiá-lo de qualquer maneira. Ao escolher Harris, Biden também mostra estar sério sobre a ‘lei e ordem'”, analisa Mark N. Katz, professor da Escola de Política e Governo da George Mason University, na Virgínia.
Neste quesito, Biden tem um problema maior: sua base de apoiadores que pode traí-lo é maior do que a de Trump. A base consolidada do republicano, formada majoritariamente por brancos sem diplomas de ensino superior, é mais energizada e comprometida que a de Biden.
Os latinos também mostram menos apoio a Biden do que a candidatos democratas anteriores. O grupo representa uma população considerável em diversos estados importantes para a eleição: Texas (38,6%), Nevada (29,2%) e Arizona (31,7%), além de serem significativos na Carolina do Norte (9,8%) e Geórgia (9,9%).
“Os problemas de Biden com sua base são reais. A cada ciclo eleitoral ouvimos histórias sobre o outro partido tendo problemas com sua base. Algumas não se concretizam – apesar de esperanças de progressistas, Obama não foi bem com os evangélicos em 2008 ou 2012 – mas algumas vezes elas se concretizam”, diz o analista político Sean Trende, da Real Clear Politics, em artigo. “Então, a extensão de notícias recentes sugerindo que Biden está tendo dificuldade em gerar apoio entre hispânicos, e em menor extensão entre negros, vale ao menos ser destacada. (…) Se Biden perder, isso será provavelmente grande parte da razão”.
A própria Convenção Nacional Democrata, maior evento do partido, não expandiu a vantagem de Biden sobre Trump. O fato de não haver melhorias nas pesquisas após a convenção, que foi drasticamente reduzida em virtude da pandemia da Covid-19, destoa do cenário das eleições anteriores, em 2016. A então candidata democrata, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, ganhou 4 pontos percentuais após o evento partidário daquele ano, que ocorreu no final de julho. A correlação entre as convenções partidárias e o ganho nas intenções de votos também envolve o Partido Republicano. Em 2016, Trump viu seu apoio crescer em 4 pontos percentuais, assim como Clinton.
Os debates entre os candidatos, que começam na terça-feira 29 na Universidade Notre Dame, em Indiana, também irão testar as habilidades de Biden. Trump é conhecido por duros ataques pessoais. Em agosto, Trump afirmou que passou os últimos quatro anos “revertendo os danos que Biden causou ao país nos últimos 47 anos”, em referência aos seis mandatos do democrata como senador, além da passagem como vice de Barack Obama, entre 2009 e 2017. Poucas semanas depois, definiu o rival democrata como “estúpido”.
Além disso, destaca Trende, a principal força de Trump, as percepções sobre seu comando da economia americana, estão em alta novamente, em um momento perfeito. Para eleitores, o presidente é mais confiável à frente da economia do que Biden, por margem de 52% a 44%.
“O crescimento no segundo trimestre, quando a pandemia começou a causar danos, foi abismal, de tal maneira que não temos comparação histórica para isso, ao menos para períodos em que temos bons dados”, diz o analista. “Ainda assim, o crescimento no terceiro trimestre parece ser explosivo, possivelmente removendo a contração que ocorreu no segundo trimestre. Simplesmente não há precedente para isto também”.
Por fim, há o imbróglio envolvendo a votação por correios, que deve ser mais utilizada que habitualmente neste ano devido à pandemia de Covid-19. O presidente republicano reclama com frequência das condições de organização das eleições e afirma, sem provas, que o voto por correio é uma fonte potencial de fraude.
Em agosto, o diretor do serviço postal americano afirmou que iria suspender os polêmicos cortes de gastos na agência para depois das eleições de novembro, mas democratas ainda acreditam que problemas podem acontecer. A medida foi amplamente criticada devido ao risco de atraso ou obstrução do processamento de milhões de votos por correio, que, segundo os democratas, seria parte de uma estratégia do governo para aumentar suas chances de reeleição.
O serviço postal admitiu que a campanha de reformas poderia impedir o processamento de milhões de votos por correspondência nas eleições presidenciais de 3 de novembro em 46 dos 50 estados do país. O plano original de redução de custos incluía a desativação de 10% das máquinas de processamento de correspondências, de um total de 671.
Recentemente, o diretor da agência desativou ou transferiu caixas de correio públicas em estados como Califórnia, Arizona, Oregon, Pensilvânia, Ohio e Montana, de acordo com o jornal The Washington Post.