Assédio sexual e nudes: o lado sombrio do ex-CEO do McDonald’s
Escândalo expõe casos perversos dentro do ambiente corporativo. Embora abominável, a prática é recorrente
Em pleno 2020, ao mesmo tempo que escândalos de assédio sexual em grandes empresas chocam pela perversidade, é natural que mais casos venham à tona. A sociedade, afinal, não tolera mais esse tipo de comportamento e as vítimas sentem que têm redes de apoio maiores para expor os absurdos aos quais foram submetidas. A nova companhia no centro de polêmicas desse tipo é a rede de fast-food McDonald’s, que está travando uma disputa judicial com o ex-CEO Steve Easterbrook. Dez meses atrás, Easterbrook foi demitido pela prática de sexting — a troca de mensagens de cunho sexual — com uma funcionária que ocupava um cargo de subordinação. No primeiro momento, tudo se resolveu com um simples pedido de desculpas por parte dele e uma compensação milionária para que o executivo deixasse o cargo.
Agora, uma reviravolta traz elementos ainda mais graves para o caso. Outra funcionária acusou Easterbrook de ter mantido relação sexual com uma colega de trabalho. A revelação fez com que a empresa optasse pelo caminho certo. Em vez de ocultar os acontecimentos abomináveis, o McDonald’s entrou com um processo contra o ex-funcionário e o acusou de ter mentido, escondido evidências e cometido fraudes. Durante a investigação para o processo judicial, foi constatado que ele se envolveu com pelo menos três funcionárias e chegou a oferecer ações da empresa a uma delas em troca de favores sexuais. Na época em que o acordo com o executivo foi feito, a empresa não tinha conhecimento da extensão dos abusos. Por causa disso, o McDonald’s quer reaver as compensações financeiras que fizeram parte da rescisão, um pacote generoso estimado em cerca de 40 milhões de dólares.
A maior união entre as mulheres e a conscientização da sociedade favorece o ambiente para denúncias. “O consumidor está atento e os casos atingem a marca rapidamente”, diz a professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisadora em direito do trabalho e gênero Alessandra Benedito. Infelizmente, o caso que envolve a empresa de lanches é apenas mais um dentro do universo corporativo. Em 2017, o então CEO e fundador da Uber, Travis Kalanick, deixou o cargo após uma engenheira publicar um relato sobre um caso de assédio sexual. De acordo com ela, a companhia reconheceu o ocorrido, informou que não era o primeiro episódio do homem em questão e alegou que não iria demiti-lo porque a sua performance no trabalho era excelente. A denúncia desencadeou uma investigação que durou meses e culminou na saída de Kalanick.
As empresas de tecnologia, por sinal, têm protagonizado os casos mais rumorosos. Em 2014, Andy Rubin, criador do sistema operacional Android, do Google, deixou a companhia com uma rescisão de 90 milhões de dólares e um benefício de 2 milhões por mês durante quatro anos. No anúncio de sua saída, porém, não foi divulgado que Rubin havia sido acusado de assédio sexual por uma funcionária. De acordo com a denúncia, ele mantinha uma relação extraconjugal com a mulher envolvida no caso, que foi coagida a praticar sexo oral. A história foi confirmada por outros executivos da empresa, e o Google concluiu que a acusação era verdadeira. Uma investigação mostrou que outros dois executivos foram acobertados pelo Google após revelações do mesmo teor. A tentativa de ocultação desencadeou uma onda de protestos em diversos países.
Além de afastar assediadores, as corporações devem ficar atentas a outro aspecto: não abandonar as mulheres, o lado mais vulnerável nos casos deploráveis de assédio. Não basta blindar as marcas (muitas vezes escondendo a história dos funcionários e do público). É preciso, de uma vez por todas, proteger as vítimas e interromper o eterno ciclo de abusos que persiste no ambiente corporativo.
Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703