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Avanço sem progresso: apesar dos acenos, acordo sobre Estado palestino parece distante

O reconhecimento do Estado palestino por nações de relevo geopolítico, na ONU, lança luz sobre um tema vital que andava adormecido

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 set 2025, 14h15 - Publicado em 27 set 2025, 08h00

Desde o nascedouro de Israel, a região onde o país foi plantado pela ONU depois da Segunda Guerra vem ocupando o infeliz posto de uma das mais explosivas do planeta, eternamente mergulhada em um conflito que põe do outro lado do ringue os palestinos, contrários à divisão, tal como estabelecida em 1948, da terra onde já viviam. Em uma gangorra que sempre pendeu para o confronto, talvez poucos momentos tenham sido tão críticos quanto o atual para o que se convencionou chamar de “solução de dois Estados”, com ódios fervilhando de parte a parte, e os israelenses pavimentando uma trilha oposta à ideia de qualquer acordo ao abocanhar novos nacos do que seria a nação palestina. Pois foi em meio à escalada de temperatura neste belicoso caldeirão que se deu uma reunião para tratar do assunto na segunda-feira 22, véspera da abertura oficial da 80ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, quando o debate avançou uma casa, mas ainda no plano simbólico e envolto em ceticismo.

arte avanço Israel

Da tribuna, o presidente francês Emmanuel Macron, de quem partiu a iniciativa para o encontro, junto do príncipe saudita Mohammed bin Salman, cumpriu o prometido e reconheceu a Palestina como país, no que foi seguido por outros quatro mandatários, somando-se Austrália, Canadá, Portugal e Reino Unido, que fez o mesmo anúncio um dia antes. A maioria dos membros da ONU — 147 de 193, incluindo o Brasil — há tempos já apoiava a causa, mas o fato de economias mais ricas em geral, e franceses e ingleses em particular, engrossarem a turma tem seu peso. Afinal, como Rússia, China e Estados Unidos, os dois europeus têm assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Os americanos, portanto, são voz solitária quanto ao tema no grupo que decide os rumos do planeta.

Verdade também que tantos líderes agitarem uma bandeira que colide com os interesses de Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro que recém afirmou com todas as letras que “não haverá Estado palestino”, isola ainda mais Israel. Mas é preciso lembrar que um veto do governo de Donald Trump no Conselho é suficiente para frear os demais e seu endosso ao governo israelense é decisivo no intrincado tabuleiro. “Na prática, Israel pode seguir com sua agenda”, diz Leonardo Trevisan, especialista em relações internacionais.

VOZ DAS RUAS - Bandeiras pró-Palestina em Roma: a Itália não aderiu à causa
VOZ DAS RUAS - Bandeiras pró-Palestina em Roma: a Itália não aderiu à causa (Simona Granati/Corbis/Getty Images)
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A reunião sobre os dois Estados na ONU previsivelmente não contou com a presença nem dos EUA nem de Israel. Logo antes, já antevendo os ecos do evento, Netanyahu tratou de publicar nas redes um vídeo ameaçando anexar a Cisjordânia, um dos territórios riscados pela ONU lá atrás para formar uma futura nação palestina e sobre o qual os israelenses avançam mais rapidamente desde 7 de outubro de 2023 (veja no mapa), data do bárbaro ataque do grupo terrorista Hamas, baseado na Faixa de Gaza. “Vocês estão recompensando o terrorismo”, disparou o premiê. Ao tomar para si o microfone na ONU, Trump atribuiu unicamente ao Hamas a culpa pela falta de horizonte de um cessar-fogo, ao qual Netanyahu vem dando as costas sempre que um esboço de acordo vem à mesa. A posição que os americanos enfatizaram na ONU, aliás, já havia ficado bem clara quando o visto para Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, que administra uma porção da Cisjordânia, foi negado. Ele acabou participando por vídeo. Em sua vez de falar, o presidente Lula juntou-se a Macron e companhia: “O povo palestino corre o risco de desaparecer e só sobreviverá com um Estado independente, integrado à comunidade internacional”, defendeu.

Um desdobramento louvável do zum-zum-zum nas Nações Unidas foi colocar o tema, que andava engavetado, sob os holofotes, arrastando milhares de pessoas para as ruas de Paris e dando gás a frases de exagerado otimismo como a que proferiu Macron: “Este reconhecimento abre caminho para negociações que beneficiam tanto israelenses quanto palestinos. É o caminho da paz e da segurança”, exaltou o francês, que por trás da ribalta colheu dois reveses em seu continente ao tentar fazer Alemanha e Itália aderirem à proposta dos dois Estados, sem sucesso. Macron, ao menos, pode celebrar as multidões de Roma e Milão com faixas em prol da Palestina na semana passada, em protestos que terminariam em embate com a polícia. Em tese, os países que reconheceram agora o Estado palestino passam a estabelecer laços diplomáticos com a combalida Autoridade Palestina, capitaneada por Abbas, que se apressou em abrir uma embaixada em Londres já na segunda-feira 22. Os observadores de plantão, no entanto, alertam para a fragilidade do passo dado. “O ponto-chave é o que se desenrolará a partir daí em um cenário tão adverso”, disse a VEJA Sean Foley, pesquisador do Middle East Institute.

DESTRUIÇÃO - Cidade de Gaza: a ocupação israelense por terra afasta a esperança do cessar-fogo
DESTRUIÇÃO - Cidade de Gaza: a ocupação israelense por terra afasta a esperança do cessar-fogo (Khames Alrefi/Anadolu/Getty Images)
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A realidade não é nada auspiciosa para um desfecho negociado do conflito que tem como epicentro a Faixa de Gaza — peça de um eventual Estado palestino —, onde a ofensiva militar israelense já matou 65 000 pessoas, fez 2 milhões deixarem suas casas e provocou fome generalizada. E a situação só faz se agravar. Nos últimos dias, Israel iniciou a ocupação da Cidade de Gaza, a área mais densamente povoada do enclave, investida que resultou na assustadora imagem de um formigueiro humano debandando com o que conseguia carregar nas costas. Cerca de 600 000 ainda permanecem ali, debaixo de ataques aéreos e na mira de tanques. O governo de Netanyahu alega que precisa eliminar 3 000 integrantes do Hamas que estariam por lá, medida que parte dos israelenses não apoia, diante de uma equação arriscada: um ataque no coração de Gaza tem alto risco de colocar os estimados vinte reféns vivos sob o fogo cruzado, enquanto o Hamas já estaria fraco o suficiente para não mais justificar uma operação de tal natureza.

Seguindo na contramão da solução dos dois Estados, o governo israelense aprovou no princípio do mês um plano de tomada de novas fatias da Cisjordânia liderado por Bezalel Smotrich, o ministro das Finanças, que representa a banda da extrema direita que mantém Netanyahu no poder. A ideia é se estender por mais 18% do território que Israel ilegalmente ocupa desde 1967. O número de colonos judeus só vem se multiplicando — de 1990 para cá quintuplicou e chegou a um contingente de 700 000. Os palestinos que hoje vivem nestas áreas não têm cidadania e dependem do aval de Israel para se locomover, em status que tende a piorar. Se o plano de Smotrich se concretizar tal qual descrito, eles ficarão espremidos em seis bolsões sem comunicação entre si. O projeto, batizado de E1, está em marcha, prevendo a construção de mais de 3 000 casas para os israelenses e um corte no mapa que fará de Belém e Ramallah, duas das maiores cidades palestinas, tão desconectadas quanto Gaza e Cisjordânia. “Pagamos muito dinheiro por esta guerra. Precisamos ver como dividir a terra em porcentagens”, provocou Smotrich.

VIROU HISTÓRIA - Rabin (à esq.) e Arafat sob o olhar de Clinton: Acordos de Oslo não deslancharam
VIROU HISTÓRIA – Rabin (à esq.) e Arafat sob o olhar de Clinton: Acordos de Oslo não deslancharam (J. David Ake/AFP)
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A disputa territorial entre judeus e árabes tem raízes modernas fincadas no século XIX, quando começou a movimentação sionista em prol da criação de um Estado judaico. Foi aí que judeus da Europa central e oriental, onde sofriam maior perseguição, passaram a migrar para a Palestina, a terra prometida das Escrituras, então controlada pelo Império Otomano. As levas se intensificaram na Segunda Guerra, culminando no Estado de Israel. O reparte de território proposto à época pela ONU, rechaçado por palestinos que não queriam arredar pé de onde já estavam, nunca foi levado a cabo, e as tensões fervilharam, desembocando no triste capítulo conhecido como nakba, quando 750 000 árabes foram expulsos de suas casas. “Trata-se de uma disputa por espaço em um deserto superpopuloso, onde as áreas agrícolas viáveis são poucas e se concentram perto do Rio Jordão”, explica Luís Winter, professor de direito internacional da PUCPR.

A ideia da solução dos dois Estados foi esboçada como uma alavanca para a paz neste conflagrado quinhão do globo nos anos de 1970, com os Acordos de Camp David, tecidos com a decisiva presença do presidente americano Jimmy Carter. Depois vieram os Acordos de Oslo, em 1993, em que Yasser Arafat, à frente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, que viria a ser assassinado por um extremista israelense, apertaram as mãos sob o olhar de Bill Clinton, lançando as sementes de um Estado que nunca saiu do papel. O máximo que se alcançou foi um pedaço de terra administrado pela Autoridade Palestina, cenário que se pretendia provisório, mas persiste acumulando retrocessos e sem força para sacudir o marasmo. “Todos os lados ficaram desiludidos”, diz Sandy Tolan, especialista em Oriente Médio da Universidade do Sul da Califórnia. Em meio ao beco sem saída, a retórica propalada na ONU, liderada por Macron, é um tímido passo adiante, em terreno invadido por obstáculos.

Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2025, edição nº 2963

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