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Biden se lança pré-candidato como o anti-Trump

Em vídeo, o popular ex-vice-presidente de Obama diz que há uma batalha pela alma da nação

Por Lúcia Guimarães, de Nova York
Atualizado em 4 jun 2024, 16h27 - Publicado em 25 abr 2019, 14h45

O lançamento da pré-candidatura do ex-vice-presidente Joe Biden, nesta quinta-feira, 25, era esperado, mas o tom causou alguma surpresa. O anúncio veio num vídeo de 3 minutos e meio, mais da metade dele dedicado ao mais grave incidente racial do governo de Donald Trump. Biden começa de referindo aos distúrbios de Charlottesville, no estado de Virgínia.

Em agosto de 2017, nacionalistas brancos entraram em choque com manifestantes que protestavam contra racismo e antissemitismo. Um dos nacionalistas acelerou um carro contra os manifestantes e matou uma jovem. Numa reação inicial que chocou até seus defensores, Trump disse que “havia gente muito fina” dos dois lados do distúrbio. O presidente voltou atrás a contragosto, dias depois, mas o incidente passou a simbolizar a associação do trumpismo ao ressurgente extremismo da supremacia branca nos EUA.

Charlottesville foi, Biden diz no vídeo, o momento de maior ameaça à nação que testemunhou em sua vida. Ele afirma que, quando a história se voltar para os quatro anos sob Trump, eles serão vistos como uma aberração. “Se dermos a Donald Trump oito anos na Casa Branca,” Biden continua, “ele vai alterar para sempre e fundamentalmente o caráter desta nação.” O vídeo usa imagens icônicas como a estátua da liberdade, a vitória na II Guerra, o pastor Martin Luther King e conclui com um apelo para os americanos se lembrarem de quem são.

Ao tentar definir o caráter do país como tudo o que Trump não é, Biden estava também enviando uma mensagem ao Partido Democrata, que já tem pelo menos 17 pré-candidatos para eleição de 2020: só eu posso derrotar Trump. Há meses, o ex-vice-presidente lidera, não só as pesquisas sobre os pré candidatos, mas também as que incluem a pergunta “capaz de derrotar Trump?”

Trump reage

Os estrategistas da campanha de reeleição do presidente se preocupam com Biden há meses porque ele é muito popular entre eleitores que podem despachar Trump de volta para sua cobertura na 5ª Avenida, em Manhattan. São os brancos do Meio Oeste industrial, trabalhadores que sofreram com a globalização. E o presidente deixou claro que vê no ex-vice-presidente um adversário temível, logo sapecando nele um apelido. “Bem-vindo à corrida, Joe Sonolento,” escreveu, num tuíte, o presidente de 72 anos, tentando fazer troça da idade de Biden, 76. “Só espero que você tenha a inteligência, há muito tempo sob dúvida, de fazer uma campanha bem sucedida nas primárias. Vai ser sujo – você vai lidar com gente que verdadeiramente tem algumas ideias muito doentes e dementes. Mas, se chegar lá, vejo você no portão de largada.”

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Donald Trump
Donald Trump comenta candidatura de Joe Biden à Presidência dos EUA (Donald Trump/Twitter)

Fator Obama

Esta é a terceira vez que Biden lança uma pré-candidatura. Ele tentou em 1988 e enfrentou um mini-escândalo por fazer um discurso que plagiava outro, de um político trabalhista britânico. E fez uma curta campanha em 2008, quando acabou escolhido vice na chapa de Obama. Sabe-se que Obama pediu a Biden para não desafiar a candidatura de Hillary Clinton, em 2016, e que o novo pré-candidato democrata expressou amargura pela decisão, quando Clinton perdeu. Obama é imensamente popular e avisou que não vai endossar ninguém até as primárias eleitorais definirem um vencedor. Depois do anúncio, Biden pegou um trem de Washington para seu estado, Delaware e, ao saltar, disse que pediu a Obama para não endossá-lo.

Mas Obama vai ser referência inevitável na campanha Biden, não só pelo contraste com o estilo Trump, mas também por questões como Obamacare. Sob Trump, mais de um milhão de americanos perderam acesso ao seguro saúde que os democratas passaram sob Obama. É intrigante a guerra que os republicanos continuam a travar para desmantelar o Obamacare, quando o seguro saúde é a maior preocupação do público e foi um fator para devolver aos democratas a maioria na Câmara na eleição de novembro passado.

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100 mil dólares por dia

Se, há meses, a entrada de Biden na corrida era tida como inevitável, a vitória nas primárias não é. Ao contrário da disputa, em 2016, concentrada em Hillary Clinton e Bernie Sanders, 2020 traz o grupo mais diverso de pré-candidatos apresentados e entre eles há políticos atraentes para os grupos demográficos mais importantes para o partido, mulheres, minorias e jovens. Comentaristas políticos americanos têm repetido a pergunta: pode um homem branco de 76 anos anos unir o Partido Democrata?

Um grupo tão numeroso pulveriza, além da atenção dos eleitores, as doações. Para superar em fundos a campanha do senador Bernie Sanders, Biden terá que levantar US$ 100 mil por dia até o Natal, antes de começarem as primárias. O primeiro compromisso de campanha de Biden será um jantar com doadores esta noite em Filadélfia, na Pensilvânia, onde ele é querido por sindicatos e um estado que Trump levou, em 2016. E há um fator delicado desta vez. Não importa apenas quanto o candidato arrecada, mas de quem. Sanders é imbatível entre pequenos doadores e usa este fato como prova de sua independência. Ele e outros pré-candidatos, como Elizabeth Warren e Beto O’Rourke, prometeram não aceitar o dinheiro de corporações e grandes doadores que jorra para os PAC’s, os comitês de ação política que representam poderosos grupos de interesse e enriqueceram as candidaturas de Obama e Clinton.

Peso do passado

Ser o favorito nas pesquisas coloca Joe Biden sob a lupa das críticas adversárias. Um homem que passou 40 anos no Congresso tem currículo de sobra e vários pontos vulneráveis. O principal deles não é de longe a fama tátil de Biden, que fala com homens, mulheres e crianças pegando, beijando, e ocasionalmente cafungando cabelos femininos. O Biden que vai ser atacado é o que votou a favor da invasão do Iraque, contra o casamento gay e pela aprovação de um pacote anticrime, no governo Bill Clinton, que jogou negros em números desproporcionais na prisão.

Análises qualitativas das pesquisas disponíveis apontam para a viabilidade de Biden na disputa que vale, a de delegados no Colégio Eleitoral, não a do voto popular, que Hillary Clinton conquistou, em 2016. O sul americano deve ficar com Trump. A maior batalha pode ser travada no castigado norte industrial, em estados como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. E uma outra previsão parece segura no momento: um homem branco tem parcas chances de ser escolhido vice, numa eventual chapa de Joe Biden.

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