Em sua iniciativa de responder aos “fatos mais recentes e de interesse do nosso Brasil” pelo Facebook, nesta sexta-feira (9), o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), afirmou que não se deve “dar bola” para o cancelamento da missão empresarial brasileira ao Cairo por ordem do governo do Egito. A iniciativa egípcia foi uma represália ao anúncio do próprio presidente eleito de que mudaria a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Em pouco mais de dois minutos de sua gravação ao vivo, Bolsonaro demonstrou não ter recebido nenhum esclarecimento de especialistas em direito internacional e em política externa sobre as questões da soberania de Jerusalém e da relevância do comércio do Brasil com o Oriente Médio.
“Agora a bronca! Suspenderam a ida de empresários ao Egito, porque o Bolsonaro falou não sei o quê. Pelo amor de Deus, pelo amor de Deus! Vai dar bola pra isso, poxa?”, declarou. “Quem decide onde é a capital de Israel é o Estado de Israel. O Brasil não mudou a capital do Rio para Brasília? Teve algum problema? Quem decide isso somos nós.”
Ao tratar essas questões sensíveis de forma abrupta e sem conhecimento de suas especifidades, Bolsonaro tende a aprofundar os problemas que causou com declarações apressadas sobre o tema.
Nunca houve, por exemplo, nenhuma controvérsia sobre a soberania do Brasil sobre a sua região centro-oeste e, particularmente, sobre a área de 5.800 quilômetros quadrados onde está o Distrito Federal. Porém, a maioria dos países das Nações Unidas não reconhece a soberania de Israel sobre Jerusalém, apesar de esta nação clamar que a cidade sagrada é sua capital e ali manter sua estrutura de governo.
A Autoridade Nacional Palestina (ANP) reivindica sua soberania sobre Jerusalém Oriental — onde está a cidade antiga — e refuta a ocupação desta e de outras áreas por Israel desde 1967. A ANP tem o apoio incondicional de todos os países árabes e do Irã, além de outras nações muçulmanas ou não.
A mudança da embaixada, por sua vez, jamais foi uma questão posta ao Brasil por Israel.
Ao mudar voluntariamente sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, em maio passado, os Estados Unidos reconheceram a cidade como capital israelense. Apenas a Guatemala seguiu esse mesmo caminho. O Paraguai voltou atrás em decisão semelhante depois da posse de seu novo governo.
Mas, na gravação desta sexta-feira, Bolsonaro deixou claro que não será facilmente demovido de sua ideia original nem mesmo pelo seu futuro — e ainda desconhecido — chanceler. Em sua fala, Bolsonaro mostrou-se indignado com as críticas a sua decisão.
“Agora, criar um cavalo de batalha porque a embaixada vai sair de Tel Aviv para Jerusalém? Ai vem a imprensa e diz que ele (o próprio presidente eleito) está criando trapalhadas internacionais”, declarou, referindo-se a reportagem de VEJA.
A decisão do presidente egípcio de Abdul Fatah Sisi de cancelar a visita que receberia do chanceler Aloysio Nunes Ferreira, como representante de alto nível do governo brasileiro e líder de uma missão empresarial no Cairo entre 8 e 11 de novembro, não chegou a sensibilizar o futuro governante do Brasil, conforme suas declarações desta sexta-feira.
O Egito importou 1,5 bilhão de dólares em produtos brasileiros entre janeiro e setembro, segundo dados públicos da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Todo o Oriente Médio, excluído Israel, comprou 9,6 bilhões de dólares do Brasil no período, enquanto Israel importou 256 milhões. Tratar com pouca delicadeza a questão da soberania de Jerusalém pode, no mínimo, atrapalhar o setor produtivo nacional.
Durante a gravação, Bolsonaro tentou trazer uma abordagem histórica a seus argumentos. “Eu quero dizer o seguinte: teve um tal de Osvaldo Aranha que, em 1947, brasileiro, presidindo uma sessão da ONU, criou o Estado de Israel”, afirmou. “Quem está contra Israel, critique o Osvaldo Aranha. Eu não sou contra Israel. Eu sou favorável a Israel. Agora, a bronca. Vamos supor que o Brasil não tivesse negócio nenhum com Israel, fosse a partir de agora abrir uma embaixada em Israel. Onde seria: Tel Aviv ou Jerusalém? Ou seríamos obrigados a botar onde certos países quisessem?”, completou Bolsonaro.
O presidente eleito referiu-se a Osvaldo Aranha, ministro da Justiça e das Relações Exteriores em diferentes momentos da ditadura de Getúlio Vargas e, durante o governo democrático de Vargas, seu ministro da Fazenda. Chefe da recém-instalada representação do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), Aranha presidiu a Assembleia Geral entre 1947 e 1948. Em novembro de 1947, presidiu a sessão na qual foi aprovada, pelos Estados-membros, o Plano de Partição da Palestina, que resultou na criação do estado de Israel. A rigor, não foi Aranha quem “criou o Estado de Israel”.
Em sua exposição desta sexta-feira, Bolsonaro acertou pelo menos quando disse que o Brasil se dá bem com todos os países e quer a paz. Este é um princípio básico da diplomacia brasileira. “Nós, aqui no Brasil, nos damos bem com todos, não temos problemas com o mundo árabe, com ninguém. Gostaríamos que os outros problemas do Oriente Médio se solucionassem. Queremos a paz”, afirmou.