Logo após cruzar de maneira clandestina a fronteira do México com os Estados Unidos em agosto de 2017, a brasileira identificada apenas pela inicial “C” foi parada por um guarda de imigração americano, a quem declarou que buscava asilo juntamente com o filho, “J”, de 14 anos.
Porém, os dois foram separados pelos oficiais imigratórios americanos e só voltaram a se encontrar nove meses mais tarde.
Em março, “C” se tornou uma das duas autoras de uma ação coletiva contra a política de separação familiar do governo Donald Trump. A ação é patrocinada pela American Civil Liberties Union (ACLU), a mais importante entidade de defesa de direitos individuais dos Estados Unidos. Se o caso for bem sucedido, ele beneficiará todas as famílias de imigrantes que foram separadas ou correm o risco de serem separadas ao entrar no país.
A brasileira e o filho adolescente cruzaram a fronteira por terra. Apesar de alegar que temia por sua vida e a do filho, caso voltassem ao Brasil, “C” foi processada por entrar ilegalmente no país. A mãe foi enviada a um centro de detenção no Texas, enquanto o adolescente foi para um abrigo em Chicago, a 2.400 quilômetros de distância.
Os dois não se viram nenhuma vez nos nove meses em que durou a separação e falaram por telefone de maneira esporádica, de acordo com relato apresentado na ação. A brasileira foi libertada sob fiança no dia 9 de abril, mas só conseguiu se reunir com o filho dois meses mais tarde, quando ele foi autorizado a deixar a instituição para menores. Juntos, eles aguardam a decisão sobre o pedido de asilo.
A separação ocorreu antes de o governo Trump adotar a política de “tolerância zero” em relação à imigração, em abril, e comprova que a prática já estava em vigor no ano passado, ainda que de maneira mais restrita.
Reportagem de 8 de junho da agência de notícias Reuters revelou que 1.800 famílias foram vítimas de separação na fronteira entre outubro de 2016 e fevereiro de 2018. Com a “tolerância zero“, o número chegou a 2.342 só no último mês.
A nova política determina que todos os imigrantes que entrem no país de maneira clandestina serão processados criminalmente. A orientação se aplica mesmo aos que pedem asilo e aos que estão acompanhados de menores.
Acusados da prática de crime, os adultos são levados a prisões federais, onde não há instalações para crianças e adolescentes. Com isso, a família é separada e os filhos vão para abrigos ou centros para menores “desacompanhados”.
Traumas
Mas há situações em que mesmo famílias que pedem asilo nos pontos legais de entrada são separadas. Esse é o caso da congolesa “L”, autora da ação patrocinada pela ACLU ao lado da brasileira “C”.
Autoridades americanas retiraram a filha de 7 anos de “L”, no dia 5 de novembro, cinco dias depois de ambas entrarem nos Estados Unidos. O governo justificou a decisão com o argumento de que havia dúvidas sobre a maternidade, que acabou sendo comprovada em exame de DNA. As duas só se reencontraram depois de quatro meses.
“A separação forçada pode causar trauma severo em crianças jovens, especialmente aquelas que já estão traumatizadas e fogem de perseguição em seus países de origem. O dano cognitivo e emocional resultante pode ser permanente”, sustenta a ação patrocinada pela ACLU.
Governos anteriores costumavam deter pais e filhos nas mesmas instituições ou libertá-los sob o pagamento de fiança. Quando havia separação, ela normalmente era motivada pela suspeita de que a criança era vítima de tráfico de pessoas ou maus-tratos.
No início deste mês, a brasileira, a congolesa e a ACLU tiveram sua primeira vitória. O juiz responsável pelo caso, Dana Sabraw, rejeitou o pedido do governo Trump para que o processo não julgado.
De acordo com o magistrado, há evidência de que as práticas dos agentes imigratórios violam o direito ao devido processo legal, por levar à retirada de crianças da guarda dos pais sem justificativa nem audiência prévia.